Alta recente da curva longa de juros nos EUA favorece ao Fed manter a taxa hoje e esperar novos dados

Economistas reconhecem que atividade está aquecida, mas dizem que há sinais de desaceleração e que Fed ganhou tempo para observar

Roberto de Lira

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell (Samuel Corum/Getty Images)

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Mais uma vez, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) se reúne para a decisão de política monetária nos Estados Unidos com o mercado buscando indícios de como os diretores do Federal Reserve vão se posicionar no encontro seguinte. A expectativa quase unânime dos economistas e analistas de mercado é que o Fed opte mais uma vez por “pular” a reunião de hoje, mantendo os juros na faixa dos 5,25% a 5,50% anuais e deixar a “porta aberta” para uma alta adicional, em 13 dezembro ou até em 31 de janeiro.

Há uma avaliação de que os principais dados divulgados desde o último encontro do Fomc (em setembro) apontariam para a necessidade de mais uma alta. O PIB dos EUA cresceu num ritmo de 4,9% no terceiro trimestre, puxado pelo consumo domésticos, o payroll mais recente ainda veio forte, as vendas varejistas continuaram aquecidas e a inflação ao consumidor (CPI) surpreendeu para cima.

Mas os especialistas comentam que os próprios dirigentes do Fed, tendo o presidente Jerome Powell à frente, afirmaram publicamente que as condições financeiras se apertaram no mesmo período, como mostra a variação nos rendimentos dos títulos mais longos do Tesouro americano. Ou seja, esse efeito no mercado já fez parte do serviço da autoridade monetária, permitindo alongar um pouco mais a pausa para observação por parte do Fed.

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Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, argumenta que mesmo a atividade ainda aquecida começou a dar sinais de que uma desaceleração está próxima.

Ela cita que alta dos salários vem perdendo força, que a diferença entre o número de vagas disponíveis (divulgada no Jolts) e o número de desempregados está cedendo e que há uma elevação dos trabalhos em tempo parcial (part-time) – outro indicador de que a alta de salários está razoavelmente contida.

Ela argumenta ainda que tanto o uso como a inadimplência no cartão de crédito vem avançando, especialmente na parcela da população e mais baixa renda. “Olhando também as contas de poupança excessiva, está começando a ceder. Isso nos faz acreditar que, embora até aqui a atividade tenha surpreendido, daqui para a frente vai desacelerar e isso vai ser o fator fundamental para o Fed parar de subir juros”, explica.

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Assim, Andrea acredita que, além de não estar prevista uma alta de juros nessa reunião, as chances majoritárias são também de não elevação na reunião de dezembro.

Sobre o tom do comunicado e a entrevista de Jerome Powell, a economista da Armor projeta que será mantido um tom ainda duro, apontando que o Fed vai agir se necessário. “Muito provavelmente vai ser reforçado no comunicado e na entrevista que as condições financeiras apertaram muito, os juros abriram na curva longa e também na curva mais curta nesses 45 dias. Ou seja, ela fez já uma parte do trabalho do Fed”, afirma.

O Bank of America (BofA), também aposta nessa linha de mensagem a ser passada por Powell nesta quarta-feira, bastante m linha com os comentários feitos por ele em 19 de outubro. “O cenário base do Fed é que o crescimento irá abrandar, mas há preocupações crescentes de que a inflação possa aumentar se isso não acontecer”, diz o relatório do banco.

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O BofA ainda mantém sua projeção de que vira mais um aumento de juros em dezembro, mas pondera que a decisão será difícil.

“Acreditamos que há impulso suficiente na economia para justificar mais um aumento. Mas é uma decisão muito difícil, uma vez que a economia poderá abrandar significativamente no 4º trimestre por uma série de razões, incluindo um abrandamento no investimento empresarial ou na acumulação de estoques, o entrave causado nos reembolsos de empréstimos estudantis, o aperto financeiro e uma potencial paralisação do governo.

Sobre a comunicação, o relatório aponta que é provável que Powell repita o tom cauteloso anterior, dizendo que está consciente do atual aperto financeiro, que ele não vê como um reflexo das expectativas da taxa de política monetária. “As únicas alterações que esperamos na declaração do Fomc são as descrições da atividade econômica atual, que devem ser atualizadas para refletir os dados recentes robustos”.

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Porta aberta

Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, lembra que a mensagem que havia ficado na última reunião indicava que viria mais um aumento de juros este ano, mais que os próprios membros do Fed comentaram que o aumento nos rendimentos dos títulos de longo prazo americano já estaria apertando as condições financeiras o suficiente.

Ela também comenta que, se fosse só pela observação dos dados (como PIB, emprego e vendas varejistas), o Fed não teria muito como justificar essa pausa teria de aumentar os juros agora. “O que dá motivo para ele pausar é esse alta nos rendimentos. Vai falar que essas condições financeiras mais apertadas já funcionariam como uma restrição, que deve ter um impacto na atividade e que isso deve desacelerar a inflação”, diz.

Sobre a comunicação pós-decisão, Claudia diz esperar que Powell reforce que Fed seguirá dependente de dados e que ele deve deixar a porta aberta para uma última alta na reunião de dezembro. Para ela, o risco de apertar pouco a política e gerar uma desancoragem de expectativas de que a inflação não vá convergir para a meta é mais alto do que o risco de apertar demais – que poderia levar a uma recessão, que parece estar ainda distante.

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Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, aposta que o Fed comentará mais uma vez sobre a preocupação de que a inflação ainda não está no nível desejado, embora esteja perdendo força, repetindo também que está sendo observada uma resiliência no mercado de trabalho. “A questão da renda tem sido um ponto fundamental para manter essa política monetária restritiva”, afirma.

Assim, o Fomc deve optar novamente por manter a taxa de juros inalterada, uma vez que o atual ciclo restritivo não surtiu o total efeito na economia. Agostini também acha que o grande sinal esperado é que o Fed não vai descartar novas altas, no final deste ano ou no início do próximo.

Ela também espera alguma menção à questão fiscal nos EUA e sua contribuição para o controle inflacionário. “Temos observado diversos eventos de postergação dos limites de endividamento para manter a máquina funcionando”, comenta, acrescentando que agora há uma nova pressão por gastos bélicos, devido ao confronto entre Israel e Hamas.

Renan Suehasu, sócio da A7 Capital, acredita que o discurso do Fed fica um pouco mais imprevisível por conta da atual pressão inflacionária. “Ao contrário do BC do Brasil, o Fed opta por tomar as decisões sem grandes margens, fazendo com que os discursos mudem com mais frequência conforme os dados econômicos saem ao longo do tempo e sinalizem uma pressão inflacionária maior ou menor”, compara.

Ele lembra que o gráfico de pontos (“dotplot”) divulgado em setembro mostrou que os membros do Fed se encontram divididos entre uma manutenção da taxa no patamar atual, de 5,25% a 5,50% (37% dos membros) e um encerramento do ciclo de alta no patamar de 5,50% a 5,75% (63% dos membros).