Alta da inflação nos EUA em agosto se concentra em combustíveis e não deve mudar planos do Fed

Economista preveem manutenção dos juros na semana que vem, mas divergem sobre possível alta na reunião de novembro

Roberto de Lira

(Fokusiert/Getty Images)

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A piora na inflação ao consumidor dos Estados Unidos em agosto – o CPI cheio foi de 0,6% ante 0,2% em julho, enquanto o núcleo subiu 0,3% ante projeção de 0,2% – é insuficiente para mudar a tendência do Federal Reserve de optar por “pular” a decisão de política monetária na semana que vem, deixando as taxas de juros inalteradas. Mas os economistas ainda mostram alguma divergência sobre a decisão do Fomc na reunião de novembro, que ainda pode trazer uma última alta ou a interrupção definitiva do ciclo.

A divisão de opiniões está espelhada no Fed Watch, ferramenta do CME Group que capta as projeções sobre as decisões de juros. A probabilidade  de manutenção das taxas para a reunião da semana que vem estavam em 97% nesta manhã.

Para novembro, no entanto, a chance de o Fed manter os juros estava em 61%, ante 37,9% de chance uma alta de 25 pontos base e 1,1% de uma elevação de 50 pontos base.

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Carla Argenta, economista chefe da CM Capital, explica que essas dúvidas estão relacionadas às leituras sobre o indicador divulgado hoje. Ela argumenta que uma inflação mensal de 0,6% pode ser considerada bastante elevada, se comparada aos 0,2% de julho, e também que a medida do núcleo destoou das expectativas de mercado, mas pondera que a fotografia aparece melhor na abertura do CPI.

“De imediato, esse número não parece positivo e sugere uma pressão maior sobre o Fed. Quando abrimos o indicador, no entanto e analisamos os subgrupos que pressionam o núcleo do indicador, temos uma notícia parcialmente positiva”, afirma, citando especificamente o subgrupo de serviços que exclui energia, composto por abrigo, serviços de transporte e de assistência médica.

A economista argumenta que o item abrigo (“shelter”) arrefeceu de variações mensais de 0,6% a 0,8% no início do ano para seu patamar mais baixo em agosto, de 0,3%. “Esse índice apresentou por 40 meses consecutivos variações positivas nos preços e isso mostra a importância para a condução da política monetária. E hoje vimos seu patamar mais baixo nos últimos sete meses”, reforça.

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Outra boa notícia dentro subgrupo analisado veio dos serviços de transportes. Embora esse item tenha saído de uma inflação mensal de 0,3% em julho para 2% em agosto, Carla Argenta destaca que ele sofreu um impacto considerável da variação da gasolina, mas mostrou um repasse apenas parcial para os preços, o que sugere um espaço pequeno para reajustes – a gasolina subiu 10,6% no mês.

“Esse repasse para os serviços foi muito reduzido se comparado com a variação dos custos. 2% é uma variação expressiva, não é irrisório e acaba contaminado todos os preços da economia porque se trata de logística e implica em custos dos mais diversos setores e segmentos. Porém, o repasse na magnitude do que foi feito sugere que já não existe tanto espaço para o reajuste dos preços e, portanto, acaba sendo uma mensagem ambígua.”

O último item do subgrupo, o de serviços de assistência médica, também tem uma leitura benigna. Ainda que tenha mostrado uma reversão parcial do movimento deflacionário do mês anterior (de -0,4% para +0,1%), em 12 meses a evolução inflacionária do está no terreno negativo, com uma deflação superior a 2%, destaca a economista.

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“Portanto, mesmo com essa surpresa em termos sobre o impacto dos núcleos do indicador em agosto, foi muito concentrada num item especificamente, de serviços de transporte, motivado pelos reajuste de combustíveis automotivos”, comenta.

Rafael Perez, economista da Suno Research, também observa uma desaceleração relevante nos preços de serviços, moradia e alimentos, especialmente na leitura do acumulado de 12 meses. Sobre a decisão do Fed, ele lembra que, além da trajetória da inflação, alguns pontos importantes estão sendo monitorados pela autoridade monetária, como o nível da atividade econômica e o mercado de trabalho.

“E os últimos dados mostram um esfriamento do mercado de trabalho. Por exemplo, a criação de emprego privados, o ADP, e de abertura de vagas, Jolts, vieram abaixo do esperado em agosto. E a taxa de desemprego passou de 3,5% em julho para 3,8% em agosto”, lista.

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Perez também cita como provas de que a economia já vem sentindo os efeitos cumulativos da escalada na taxas de juros a recente revisão para baixo do PIB do 2º trimestre, os dados mais fracos nas vendas de casas e do mercado de crédito, além da queda no índice de confiança do consumidor.

“Os próximos dados serão importantes para corroborar esse cenário. De qualquer forma, esperamos o fim do ciclo de alta dos juros, mas que deverá permanecer no pico por um bom tempo até que a inflação dê sinais de convergência para a meta de longo prazo de 2% a.a.”, diz Perez.

“Supernúcleo”

Lucas Zaniboni, economista da Garde Asset Management, se inclui no time dos que viram um tom benigno no CPI de agosto, apesar da aceleração no headline da surpresa positiva no núcleo,

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“O 0,6% já era esperado na esteira de uma forte alta de combustíveis em agosto, uma categoria naturalmente mais volátil. Além disso, olhando para os núcleos, as principais surpresas altistas foram concentradas em passagens aéreas e veículos usados, que ainda têm bastante deflação a entregar no curto prazo, de acordo com indicadores antecedentes”, explica.

Segundo Zaniboni, com as métricas de núcleo e núcleo excluindo aluguéis rodando próximos à meta de 2% na margem, o dado de agosto corrobora a tese de que o pior da inflação ficou para trás, deixando o Fed confortável em não subir mais os juros, não só em setembro, mas no ciclo como um todo.

André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter, também destacou esse super núcleo, que exclui gastos com habitação. Embora ele tenha acelerado em agosto, avançando 0,37%, tem mantido uma tendência de desaceleração no acumulado dos últimos 12 meses, recuando para 4,05%, afirma.

“Analisando a tendência dos últimos três meses, vemos que o núcleo continua recuando, acumulando alta anualizada de 2,4%, vindo de 3,05% nos 3 meses anteriores, enquanto o headline e o super núcleo avançaram, devido às altas observadas em agosto por conta dos combustíveis e dos serviços de transportes”, compara

Como o dado de agosto foi amplamente influenciado pela volatilidade nos preços dos combustíveis, num primeiro momento não deveria ser motivo para o Fed reagir com restrições adicionais na política monetária, afirma Cordeiro.

“De todo modo, as altas no preço internacional do petróleo podem impedir uma suavização do discurso do Fomc na próxima reunião. Considerando o conjunto de dados disponíveis, mantemos nossa expectativa de que o Fed irá pular a reunião da próxima quarta-feira, mantendo a porta aberta para novas altas nas reuniões subsequentes”, prevê.

Para Sávio Barbosa, economista chefe da Kínitro Capital, o dado sozinho não reverte a tendência de desaceleração da inflação, mas é um sinal pior na margem. Para ele , o mais importante será acompanhar a dinâmica do crescimento econômico global e das commodities ao longo dos próximos meses.

“Caso a dinâmica atual de pressão nas commodities persista, poderemos ter um ambiente mais inflacionário no fim do ano, que pode compor com um ritmo ainda forte de crescimento da economia americana. Isso pode tornar o cenário mais inflacionário”, analisa.

Barbosa acrescenta que um dos fatores chave é a perspectiva para a economia chinesa. “Uma melhora na atividade do país poderá reverter a tendência negativa da indústria global e contribuir para um maior ritmo de crescimento e para a elevação nos preços das commodities.”

Riscos materializados

Andressa Durão, economista da ASA Investments, por sua vez, diz ter visto como uma surpresa ligeiramente altista no CPI e no núcleo da inflação de agosto. “Os movimentos dos principais segmentos vieram de acordo com o esperado, mas a volta de passagens aéreas, depois de alguns meses em queda, foi maior que a esperada pela maioria, levando as principais medidas de núcleo de serviços para patamares um pouco maiores”, afirma.

Ela também comenta que o núcleo de bens não veio tão fraco quanto o esperado, principalmente por surpresas com os itens de veículos usados e novos, mas que o cenário ainda é benigno para a inflação.

Um ponto reforçado pela economista é que os riscos antecipados nos preços da gasolina e as devoluções em itens relacionados a viagens e aluguéis parecem ter, em parte, se materializado no dado divulgado hoje. “O risco segue para cima e não esperamos que a inflação desacelere muito do patamar atual, permanecendo ao redor de 3,0% por um tempo”, prevê.

A economista da ASA Investments diz que, para o Fed, o CPI de agosto não muda o jogo por enquanto, mas que aumenta a probabilidade de uma alta de juros em novembro, caso o “supercore” de serviços permaneça pressionado.

“Em setembro, o Fed deve continuar dizendo que está dependente de dados para as reuniões seguintes. Ao adotar a estratégia de ‘skip’, ganharão tempo até o início de novembro para ver se nova alta é necessária. Até lá teremos mais um dado de inflação. Apenas uma surpresa relevante no núcleo poderia mudar cenário de manutenção dos juros este ano”, afirma.

Para Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, apesar de ainda estar bastante acima da meta do Fed (de 2% ao ano), essa desaceleração do núcleo de inflação em 12 meses, de 4,7% em julho para 4,3% em agosto, representa uma boa notícia para o objetivo da autoridade monetária.

Ela comenta que o custo da energia foi o principal responsável por puxar o número de agosto para cima, com destaque para a gasolina, que contribuiu com mais da metade do índice mensal. Mas argumenta que a composição mostrou que a inflação de bens continua não sendo um problema.

“O setor de serviços é que mantém pressão sobre o índice, com o mercado de trabalho aquecido contribuindo para pressão de custos. Indicadores recentemente divulgados do mercado de trabalho americano, no entanto, apontam para um desaquecimento gradual, o que pode contribuir para uma continuidade da redução da inflação à frente”, afirma.

Diante desse cenário, a economista do C6 Bank acredita que o Fed optará por uma pausa na reunião da próxima semana, para monitorar os efeitos defasados da política monetária implementada até aqui.

“No entanto, por ora, mantemos nossa visão de que o banco central americano deve implementar mais uma alta de juros este ano e manterá os juros elevados por um longo período. Não prevemos cortes de juros nos EUA antes de meados de 2024”, diz.

Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, vê um risco inflacionário à frente, após o IEA ter soltado um relatório hoje prevendo um déficit de 1,1 milhão de barris de petróleo por dia até o final do ano.

“A tendência é que o mercado foque um pouco mais preocupado achando que ainda tem chance de o BC ainda subir a taxa de juros, se não for na semana que vem, na reunião seguinte. Isso pode valorizar um pouco o dólar e tirar um pouco de atração para as bolsas”, afirma.

No entanto, a avaliação de Cruz é que o Fed deve comunicar que o aperto monetário já foi bem grande e que ainda pode ter um ajuste na ponta. Mas mensagem principal na semana que vem será que não há discussão sobre corte de juros em breve. “Não deve acontecer neste ano e ao longo do primeiro semestre. No melhor dos mundos, na virada do meio do ano que vem. Essas precificações de corte antes parecem bem precipitadas”, comenta..

Jon Maier, diretor financeiro da Global X, comenta que, se ligeiro aumento no núcleo do CPI se mostrar uma tendência, seria razoável prever que a Fed estaria inclinado a aumentar as taxas. “ O aumento contínuo da taxa de abrigo e a flutuação das taxas de transportes, especialmente de automóveis usados, terão um papel fundamental na definição das decisões”, afirma.