Aceno de Bolsonaro aos caminhoneiros abre precedente delicado para outros setores, diz economista

Presidente amplia desconfiança do mercado com medida pontual para categoria específica e gera novas preocupações sobre as contas públicas

Marcos Mortari

O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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SÃO PAULO – O anúncio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de zeragem de impostos federais sobre o óleo diesel após um novo reajuste feito pela Petrobras indica não só uma concessão à categoria dos caminhoneiros, mas também a abertura de precedente para a pressão de outros setores sobre o governo e novos riscos às contas públicas

Para a economista Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências Consultoria Integrada, apesar de o impacto estimado em cerca de R$ 3 bilhões, a medida gera mais desafios fiscais, em um contexto de Orçamento ainda sob análise do Congresso Nacional.

“Já havia um caldo sendo formado nas últimas semanas e que culminou na notícia de ontem”, observa. “[O valor estimado] É algo significativo, ainda mais em um contexto super apertado do Orçamento”.

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Para a especialista, no entanto, ainda não está claro se a Lei de Responsabilidade Fiscal torna necessária uma compensação financeira para a renúncia fiscal, que poderia vir por aumento de outro tributo ou revisão de isenções concedidas a outros setores.

Durante sua live semanal realizada nas redes sociais, na última quinta-feira (18), Bolsonaro considerou o novo aumento nos combustíveis anunciado pela Petrobras – o quarto no ano – “fora da curva” e “excessivo”. O mandatário disse que não pode interferir na estatal, mas salientou que a ação “vai ter consequência”. Só em 2021, os preços da gasolina e do diesel acumulam respectivas altas de 34,8% e 27,5%.

Na transmissão, Bolsonaro disse que, a partir de 1º de março, não haverá nenhum tipo de imposto federal sobre o diesel por dois meses e que, durante esse período, o governo federal estudará medidas para zerar os tributos federais sobre o produto no longo prazo. Atualmente, os impostos federais incidentes sobre o diesel são PIS, Cofins e Cide, que compõem 9% do valor final do produto.

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“Isso vem no bojo de uma situação fiscal muito difícil. Tem pressão sobre vários preços. Por que fazer algo pontual para combustível? Pressão há em vários segmentos. Há uma questão política muito forte ligada aos caminhoneiros. O desejável são medidas horizontais, nunca pontuais”, argumenta.

Para a especialista, o governo agora corre o risco de sofrer crescente pressão de outros setores por alívio tributário. “Isso abre precedente, ainda mais para um governo dito liberal do ponto de vista econômico. É uma medida bem contra essa cartilha, pontual, favorecendo um segmento. Enquanto as medidas desejáveis são mais horizontais e transversais. A decisão abre precedente bastante delicado”, diz.

Outra consequência do anúncio é uma elevação da desconfiança dos agentes econômicos, refletido em uma percepção de maior risco de interferência na Petrobras e de medidas consideradas populistas do ponto de vista fiscal. “A sinalização de interferência na companhia é muito grave. O mercado ficará com pé mais atrás”, pontua.

Na avaliação de Alessandra Ribeiro, outros caminhos poderiam ter sido adotados pelo presidente, que ajudariam na contenção dos preços dos combustíveis na ponta da linha, sem ampliar a desconfiança de investidores.

“Uma parte da história é petróleo. Outra parte é câmbio – e aí temos o que o fazer. Se esse governo tivesse outra postura, planos mais claros, sinais de credibilidade, contribuiria para o câmbio que poderia estar na casa de R$ 5,00. E a pressão seria menor. Onde poderíamos agir é via câmbio, mas apresentando plano claro, comprometido”, argumenta.

“O mercado está perdido sobre o que sai e o que não sai, qual a contrapartida [ao auxílio emergencial], o que vem na PEC Emergencial. É um encaminhamento [político] que deixa o mercado muito nervoso”, conclui.

Já o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), diz que o anúncio indica falta de planejamento. “O valor não é tão expressivo, mas cabe lembrar que há uma série de questões não contempladas no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual], ao qual se soma esta novidade. A LRF exige compensações”, avalia.

“Quanto antes o governo tiver um plano para o curtíssimo prazo e para o médio prazo, melhor”, conclui.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.