Uma não-maionese que conquistou de Jeff Bezos a Roger Federer: NotCo é 1º unicórnio latino-americano de comida de planta

Chilena The Not Company atingiu avaliação bilionária após rodada série D. Brasil deve ser maior mercado da América Latina para a startup até final do ano

Mariana Fonseca

Maionese vegana da The Not Company (Divulgação)

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SÃO PAULO – A chapa está quente para os hambúrgueres a base de plantas, ou plant based. Inclusive na América Latina, empresas tradicionais e startups competem para abocanhar o mercado de imitar cor, textura e sabor de produtos com origem animal a partir de ingredientes vegetais.

Ganhar a dianteira em desenvolvimento de produto ou em estratégia de marketing algumas vezes envolve a captação de recursos polpudos. A mais nova injeção de capital no segmento vem do Chile: após uma rodada de US$ 235 milhões, a startup The Not Company se tornou o primeiro unicórnio latino-americano de comidas feitas de planta.

Os unicórnios são startups com avaliação de mercado de ao menos US$ 1 bilhão. No caso da startup chilena, a avaliação ficou entre US$ 1,4 bilhão e US$ 1,5 bilhão.

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A rodada série D foi liderada pelo fundo Tiger Global Management, que já investiu nas empresas brasileiras 99, B2W e Stone. Outros novos investidores são fundos como DFJ Growth Fund, The Social Impact Foundation e Zoma Lab; empreendedores como Jack Dorsey (Twitter) e Joe Gebbia (Airbnb); e celebridades como os esportistas Lewis Hamilton e Roger Federer e o DJ Questlove.

Não é a primeira vez que a startup chilena atrai tanto fundos de investimento quanto personalidades. No quadro já estavam fundos conhecidos por aportar em startups da América Latina, como Maya Capital e Kaszek Ventures, mas também o Bezos Expedition, criado por Jeff Bezos. Ao todo, a The Not Company captou mais de US$ 350 milhões em quase seis anos de história.

Também conhecida como NotCo, a startup chilena está de olho em acelerar a venda de seus “não produtos” no Brasil – como NotMayo (maionese de planta), NotMilk (leite de planta), NotIceCream (sorvete de planta) e NotBurger (hambúrguer de planta). Boa parte da rodada irá para uma expansão global e que inclui terras brasileiras.

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A NotCo chegou por aqui há pouco mais de dois anos, em março de 2019, mas espera que o Brasil se torne seu maior mercado latino-americano até o final do ano. O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, entrevistou Ciro Tourinho, diretor da NotCo no Brasil. Tourinho falou sobre os planos da marca para o país e para outras regiões.

Conheça a comida de planta

A NotCo é uma foodtech, ou startup que atua no segmento de alimentação. A ideia surgiu do economista Matías Muchnick, do cientista da computação Karim Pichara e do especialista em biotecnologia Pablo Zamora. O negócio busca reinventar a indústria alimentícia ao produzir comidas que imitam cor, sabor e textura de produtos com origem animal usando apenas plantas. A foodtech decidiu atuar ao mesmo tempo na substituição de três grandes proteínas: carne, leite e ovos.

O objetivo é eliminar o animal como intermediário, fazendo as pessoas consumirem diversas espécies de planta que trazem os mesmos macronutrientes. Segundo a NotCo, seus produtos chegam a emitir 70% menos gás carbônico e a consumir 90% menos água.

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“Mais de 70% dos grãos produzidos no mundo vão para a criação de animais. As terras e água vão para o milho, que vai para o animal e só então nós comemos o animal. 100kg de ração viram 20kg de carne. É uma equação ineficiente”, afirma Tourinho.

A NotCo criou o Giuseppe, uma inteligência artificial que mapeia constantemente espécies de planta comestíveis e as destrincha em nível molecular. Assim, escreve receitas que podem substituir carne, leite e ovos. A empresa tem cinco patentes dessa tecnologia proprietária, todas registradas nos Estados Unidos.

Essas receitas passam por chefes humanos, que tornam o algoritmo cada vez mais eficiente ao darem feedbacks. Por exemplo, os chefes podem dizer que adicionar beterraba fez a maionese de plantas ficar roxa, e que isso não pode acontecer. O leite a base de plantas da startup chilena leva ingredientes como abacaxi, chicória, ervilha e óleo de coco, por exemplo.

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“A ideia é oferecer alimentos com cor, sabor e textura iguais ou melhores do que as pessoas sempre comeram. Com uma alimentação plant based que elas nem percebem, mudar de hábito se torna mais fácil”, diz Tourinho.

“Nossa patente exclusiva em inteligência artificial nos dá uma vantagem competitiva significativa devido à velocidade e precisão com que somos capazes de desenvolver e trazer novos produtos para o mercado”, disse em comunicado sobre o investimento Matías Muchnick, fundador e CEO da NotCo.

“NotCo criou produtos alimentícios à base de vegetais de nível mundial que estão rapidamente ganhando participação no mercado”, afirmou em comunicado sobre o investimento Scott Shleifer, sócio da Tiger Global. “Estamos animados com a parceria com Matías e sua equipe. Esperamos que a inovação contínua de produtos e a expansão para novas geografias e categorias de alimentos gerem um crescimento elevado e sustentável nos próximos anos”.

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Potencial e concorrência

O mercado a transformar por aqui é grande: o Brasil é um dos cinco maiores produtores de carne do mundo, ao lado de China, Estados Unidos, União Europeia e Rússia. Mas o potencial também é enorme: o país também é o quinto mercado no mundo para a comida saudável, segundo o The Good Food Institute, organização global pela inovação na indústria de alimentos.

Uma pesquisa realizada pelo The Good Food Institute em maio de 2020, quando a pandemia de Covid-19 ainda estava começando, mostrou que 49% dos brasileiros reduziu seu consumo de carne nos 12 meses anteriores, ante 29% no estudo anterior do GFI (2018). Boa parte da substituição feita por esses consumidores, chamados de flexitarianos, é feita com vegetais comuns (47%), mas as carnes vegetais têm participação relevante (12%).

“Em potencial, o mercado brasileiro só perde para o dos Estados Unidos. Queremos aproveitar essa oportunidade de uma população grande e cada vez mais consciente sobre o excesso de consumo de recursos naturais”, diz Tourinho. O Brasil deve se tornar o maior mercado latino-americano da startup até o final deste ano.

No mundo, os produtos da NotCo estão em 6 mil varejistas. São mais de mil pontos de venda brasileiros, como os supermercados da rede Pão de Açúcar. No food service, a startup fornece para restaurantes como A Chapa e Lanchonete da Cidade. Em canais digitais, tem uma loja online própria e está em plataformas como Amazon, Mercado Livre, Cornershop, iFood e Rappi. O próximo lançamento de produto no país será o NotMilkinho, uma embalagem de 200 mL do leite a base de plantas.

Com o novo aporte, o primeiro passo por aqui é consolidar a operação em São Paulo. Mas o investimento servirá também para chegar a outros estados, como o Rio de Janeiro. “Vamos considerar o potencial de mercado de cada estado e o investimento envolvido para criar um centro de distribuição. Mas esses dados são apenas fotos, porque o segmento plant based cresce de forma acelerada. Olhamos também para o potencial futuro, evitando ter uma visão míope do mercado”, diz Tourinho.

A NotCo não abre números absolutos de faturamento, mas espera dobrar seus ganhos nacionais no segundo semestre, ante o acumulado no primeiro semestre de 2021.

Mas a competição é acirrada no mercado plant based brasileiro. A americana Beyond Meat, avaliada em cerca de US$ 8 bilhões na Bolsa de Valores Nasdaq, já vende seus produtos no Brasil. A NotCo enfrenta também empresas nacionais, como a Fazenda Futuro – que é avaliada em R$ 715 milhões e vende seus produtos em 24 países.

Como diferencial, Tourinho defende o investimento em desenvolvimento de produto. “Queremos ter uma experiência de consumo tão diferenciada que a pessoa não queira voltar a comer o produto de origem animal. Fazemos isso pela nossa variedade de ingredientes, sem depende apenas de arroz ou de soja. Também estamos sempre atualizando nossos produtos, como se fossem um aplicativo de celular”.

Mesmo se diferenciando da concorrência, o diretor brasileiro da NotCo destaca que outras iniciativas apenas fortalecem o mercado plant based. “Desenvolver uma categoria é um movimento de diversas empresas. Veganos e vegetarianos são uma parcela crescente da população. São públicos fiéis, que estão ali por uma causa. Mas a gente acredita que o grande potencial está nas pessoas que não têm essa causa, mas procuram uma alimentação mais equilibrada e que continue gostosa.”

A expansão da NotCo não ficará apenas no Brasil. Colômbia, México e Peru já vendem produtos da empresa, ainda que por meio de importação do Chile. Os Estados Unidos são outro alvo de expansão em termos de produtos e presença – a marca chegou ao país há sete meses, vendendo apenas o NotMilk. Mas espera alcançar 8 mil pontos de venda no país até o final deste ano, e que os EUA representem 50% de seu faturamento em 2022. Canadá, Europa e Ásia serão alvos futuros da NotCo.

Segundo Tourinho, uma oferta pública inicial de ações (IPO) não está nos planos da startup chilena em curto prazo. “Muitas startups seguem esse caminho, então em médio e longo prazo a possibilidade existe. Mas não está na nossa agenda, especialmente uma rodada recém-captada.”

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.