Supermercado ou Netflix? Startups captam milhões defendendo que funcionários escolham benefícios corporativos

Caju anunciou nesta quarta uma série A de R$ 45 milhões; Flash anunciou no mês passado uma série B de R$ 125 milhões

Mariana Fonseca

(Monstera/Pexels)

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SÃO PAULO – A pandemia do novo coronavírus forçou muitos funcionários a trabalharem de suas casas – e escancarou a realidade de que cada funcionário tem suas prioridades, inclusive quando falamos de benefícios corporativos.

Sem a necessidade dos benefícios mais tradicionais, como vales para almoçar em restaurantes próximos aos escritórios, algumas corporações decidiram que seus funcionários deveriam escolher gastar essa verba na categoria de preferência: supermercado, aplicativos de mobilidade urbana, academia, combustível, terapia, remédios, cursos, livros ou até mesmo assinaturas de serviços de streaming, como Netflix.

Essas políticas de benefícios flexíveis passam muitas vezes por startups. Empreendimentos como Flash e Caju foram criados antes mesmo de a pandemia começar, olhando para uma insatisfação histórica dos funcionários com benefícios tradicionais. Os tempos de isolamento social fizeram a proposta das startups ganhar força – e atrair mais empresas e investidores de peso.

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A Caju anunciou nesta quarta-feira (4) a captação de uma rodada série A de R$ 45 milhões. O aporte foi coliderado pelos fundos Valor Capital Group, Caravela Capital e Volpe Capital. A rodada também teve participação dos fundos Picus Capital, FJ Labs e Clocktower Technology Ventures. Já a Flash anunciou no último mês a captação de uma rodada série B de R$ 125 milhões, liderada pelo fundo Tiger Global e com participação dos fundos Citius, Global Founders Capital, Kauffman Fellows e Monashees.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com as duas startups para entender o passado, o presente e o futuro dos benefícios flexíveis no Brasil.

A oportunidade nos benefícios flexíveis

A Flash foi criada pelo administrador que virou programador Guilherme Lane, pelo advogado que virou comunicador Pedro Lane e engenheiro que virou consultor Ricardo Salem. Pedro estava insatisfeito com o mercado de benefícios corporativos. Além de ver reclamações sobre atendimento e nível de serviço das operadoras de vale-alimentação e vale-refeição, via funcionários que vendiam seus benefícios em troca de uma taxa só para usarem melhor o valor investido neles. Pedro conversou com seu irmão e seu amigo.

Os três empreendedores passam o segundo semestre de 2018 conversando com advogados e profissionais de recursos humanos para entender como mudar o mercado e se manter de acordo com a legislação de benefícios corporativos. Esses benefícios não são considerados como salário. Portanto, não têm incidência de encargos como contribuição previdenciária, Imposto de Renda e destinação de porcentagem ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

“Fizemos centenas de entrevistas e delas saiu o desenho de termos um aplicativo que oferecesse benefícios flexíveis em diversas categorias. Víamos uma transformação digital em categorias como entrega de comida e mobilidade, mas os benefícios não tinham se adequado ao mundo virtual. O objetivo é tirar a carga operacional de benefícios do departamento de recursos humanos e, ao mesmo tempo, transformar o benefício de commodity em ferramenta de atração e retenção de talentos”, conta Salem.

Ricardo Salem, Guilherme Lane e Pedro Lane, da Flash (Divulgação)
Ricardo Salem, Guilherme Lane e Pedro Lane, da Flash (Divulgação)

A Caju percebeu um problema similar, mas a partir da experiência de um dos seus fundadores também como empresário. Eduardo del Giglio começou a entender sobre o mercado de benefícios em uma consultoria. Também fez uso dos benefícios como funcionário e como dono de empresa. “Sabia que era um mercado com altas margens, com uma dinâmica similar ao mercado de cartões de crédito. Mas muitos estabelecimentos não aceitam os vales e a experiência dos usuários não é boa. Assim, as empresas ainda têm de pagar por outros benefícios para manter o funcionário contente, em um contexto de competição brutal por talentos”, afirma. Giglio conheceu Renan Mendes, futuro cofundador da Caju, durante um programa de residência no fundo de investimentos Canary. A Caju começou a operar em janeiro de 2020.

Renan Mendes e Eduardo del Giglio, da Caju (Divulgação)
Renan Mendes e Eduardo del Giglio, da Caju (Divulgação)

Os benefícios flexíveis vão além de pequenas opções a que muitos funcionários têm direito, como escolher uma categoria de plano de saúde ou trocar os valores de vale-refeição por vale-alimentação. As startups que fornecem benefícios flexíveis propõem que as empresas podem definir quais categorias de benefício oferecer e qual o valor mínimo para cada uma.

Depois que o departamento de recursos humanos define esses critérios iniciais, toda a administração fica com as startups. Os empreendimentos enviam cartões, fazem inclusão e exclusão nas plataformas, prestam suporte aos funcionários e garantem aderência regulatória e uso adequado das verbas concedidas.

Empresas como Alelo e Sodexo já têm cartões que agregam benefícios com saldos que podem ser verificados digitalmente, como Alelo Tudo e Sodexo Multi. A diferença é que, em startups como Flash e Caju, o valor que sobra depois dos limites mínimos pode ser transferido de uma categoria para outra de acordo com o desejo do funcionário. Outra diferença é que o empregado não passa o cartão apenas em parceiros específicos: pode gastar o dinheiro por meio de boleto bancário ou do cartão de crédito fornecido pelas startups.

O cartão da Flash tem bandeira Mastercard, enquanto o da Caju tem bandeira Visa. “Imagina o trabalho de uma empresa perguntar quanto cada funcionário quer em cada categoria. Com a logística ficando a cargo do funcionário, resolvemos esse problema de maneira elegante”, afirma Giglio. Pelas bandeiras Mastercard e Visa, os cartões podem ser usados em milhões de estabelecimentos. Os negócios pagam apenas taxas impostas pelas bandeiras, que costumam ser menores do que as taxas adicionais cobradas por operadoras tradicionais de vale-refeição.

A Flash se monetiza de três maneiras: na condição de emissora do cartão de crédito, uma comissão a cada transação; uma mensalidade paga por funcionário ativo, dependendo do tamanho da empresa e da complexidade dos produtos contratados e da integração de sistemas; e uma comissão paga por alguns parceiros em troca de destaque maior na plataforma. Já a Caju se monetiza apenas pela comissão a cada transação.

As propostas dessas startups ganharam força durante a pandemia. “As empresas queriam entender mais sobre benefícios flexíveis quando começamos, mas esbarravam em regulação e em encontrar o operador certo. Mas a pandemia transformou a curiosidade em necessidade. As empresas ficaram espalhadas pelo país e foram criadas outras demandas. A mobilidade urbana mudou e a procura por saúde mental cresceu, por exemplo”, diz Salem. “Fizemos um produto pensando no futuro, mas esse futuro foi adiantado. As soluções disponíveis não estavam pensando em um funcionário que ficaria em casa, e nossos produtos estavam no lugar certo e na hora certa”, afirma Giglio.

Mas tanto Flash quanto Caju também tiveram de se adaptar. A Flash afirmou ter priorizado demandas das empresas e dos funcionários na pandemia, como permitir o pagamento da conta de luz, agregar mais parceiros de bem-estar e saúde e fornecer premiações por meio do aplicativo. Já a Caju afirma que criou uma categoria só para o auxílio para o home office.

A Flash atende 4.000 empresas e 200 mil funcionários. Alguns exemplos mais conhecidos entre os clientes da Flash são Banco Neon, Korin, Loggi e VTEX. A Flash viu seu número de usuários crescer 10 vezes em 2020, e têm crescido de 30% a 40% nos últimos meses.

Por conta do aporte mais recente, a Caju não abre alguns números específicos. Mas diz atender “milhares de empresas” e “centenas de milhares de usuários” em empresas como Dafiti, Gympass, Loft, Pipefy e Wildlife. Nos últimos doze meses, a Caju cresceu seu número de usuários em dez vezes.

O futuro dos benefícios flexíveis

Apenas 2% das empresas brasileiras adotam o modelo de benefícios flexíveis – mas outras 48% pretendem no futuro deixar que seus funcionários escolham em quais áreas preferem ter um auxílio financeiro, segundo a 30ª Pesquisa de Benefícios Corporativos. O estudo é das consultorias Mercer Marsh Benefícios e Mercer, e foi publicado em julho de 2021.

A consultoria ouviu mais de 700 empresas brasileiras e multinacionais no país. As principais razões para empresas adotarem um programa estruturado de benefícios flexíveis são valorização do pacote (89% das empresas citaram a razão); satisfação das necessidades dos empregados (86%); retenção de talentos (82%); atração de talentos (78%); e inovação (64%).

As empresas estão dispostas a pagar mais pela proposta. A Mercer apontou que 62% das empresas vão destinar R$ 330,44 por funcionário neste ano para iniciativas em bem-estar, qualidade de vida e saúde. Em 2019, o investimento era de R$ 322,66. Em 2017, R$ 271,21.

Salem, da Flash, afirma que a necessidade de atender diversos hábitos de consumo e o benefício flexível como política de remuneração mais eficiente vão permanecer mesmo depois da pandemia. “Os benefícios podem representar um pequeno percentual ante o salário de um funcionário, mas seu peso na percepção sobre a companhia é grande. Alguns clientes reportam um aumento de até 30% na satisfação dos funcionários.”

O próximo passo para as startups é estar presente em mais segmentos. A Flash usou os recursos captados na série B para contratar funcionários, para mudar processos e marketing com o objetivo de atrair grandes empresas e para desenvolver novos produtos. A equipe de Flash foi de 36 para mais de 200 funcionários ao longo da pandemia. As grandes empresas já representam metade das vendas mensais da startup. Por fim, a Flash está desenhando um seguro de vida com experiência digital, que será fornecido por um parceiro segurador e contratado na plataforma de benefícios flexíveis. A Flash espera terminar o ano com um crescimento de cinco vezes sobre 2020.

A Caju usará os recursos da série A para marketing, vendas e desenvolvimento de produto. A Caju já fornece seguro por meio de um parceiro e está de olho em adiantamento de salário e previdência. “Com novos benefícios, olhamos para mercados grandes e que podem ser maiores. A baixa penetração de seguro de vida e de previdência são alguns exemplos”, diz Giglio. A Caju espera chegar a 1 milhão de usuários em 2022.

Flash e Caju colocam seus próprios diferenciais em relação a outras startups de benefícios corporativos. A Flash ressalta amplitude de categorias, robustez da plataforma e satisfação com atendimento e serviço. A Caju destaca a customização, com carteiras digitais diferentes para cada categoria e adequação para cada sindicato, e um trabalho de segurança jurídica realizado com o escritório de advocacia Pinheiro Neto.

Mesmo assim, os dois negócios concordam que a atuação acumulada das startups ainda é pequena diante de um mercado gigantesco. Apenas o mercado de vale-refeição movimenta mais de R$ 100 bilhões anualmente.

“Os incumbentes têm mais de 90% de participação no mercado de cartões de benefícios. Mas existe um vento soprando a favor de inovação nessa área como nunca vimos antes. A escolha será melhor produto ou serviço, e não pela empresa que fornece os melhores descontos”, diz Salem. “Ninguém ameaça ninguém, diante de um setor que tem tanta dimensão. Mas estamos ganhando espaço. O trabalho híbrido e remoto vai continuar e os talentos assim se tornam globais. Vai ser mais difícil conseguir os melhores profissionais, então atração e retenção serão cada vez mais fundamentais”, afirma Giglio.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.