Shopper capta R$ 170 milhões, acirrando disputa entre mercados digitais no Brasil

Ao todo, startup captou R$ 290 milhões ao longo de 2021. Dinheiro vai para manter crescimento histórico de três vezes ao ano

Mariana Fonseca

Bruna Vaz e Fábio Rodas, fundadores da Shopper (Gabriel Reis/Divulgação)

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SÃO PAULO – A digitalização dos consumidores brasileiros fez com que startups nacionais conseguissem captar um grande volume de investimentos – mesmo aquelas que atuam em setores com ainda pouca participação do online, como o de compras de supermercado. No começo deste mês, as startups de entregas velozes Daki e JOKR foram avaliadas como unicórnio. Agora, é a vez da startup de entregas programadas Shopper receber uma injeção de capital de risco.

A empresa anunciou nesta segunda-feira (13) a captação de um investimento série C de R$ 170 milhões. Quem liderou a rodada foi o GIC, fundo soberano de Singapura. Participaram investidores de rodadas anteriores, como a Minerva Foods e o fundo Quartz, do executivo da Renner José Galló. A Shopper captou R$ 290 milhões apenas ao longo de 2021. A avaliação de mercado com a nova rodada não foi divulga, mas a startup afirma que está próxima de US$ 1 bilhão, o que transformaria o negócio em um unicórnio.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com os cofundadores Bruna Vaz e Fábio Rodas sobre o modelo de negócios da startup e a concorrência cada vez mais acirrada entre os mercados digitais no Brasil.

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Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) feita em maio deste ano mostrou que cerca de 30% dos internautas fizeram pedidos online na categoria de compras de supermercado nos 12 meses anteriores. Em maio de 2019, a mesma porcentagem era de cerca de 9%. O crescimento foi grande. Mas as startups ainda têm potencial de expansão: 70% ainda preferem comprar nos supermercados físicos. Ao todo, o faturamento dos supermercados brasileiros foi de R$ 554 bilhões em 2020, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Compras programas de supermercado

A Shopper foi criada pela administradora Bruna Vaz e pelo economista Fábio Rodas em 2014. Os empreendedores se conheceram durante o ensino superior e já tinham cofundado um negócio de impacto social. A Renovatio vende óculos de grau a baixo custo, e os empreendedores deixaram o comando do negócio ao fundar a Shopper, com a ideia de levar transformação digital aos supermercados.

Um benchmark de Bruna e Rodas foi o Subscribe & Save, criado pela gigante do comércio eletrônico Amazon. Esse serviço permite automatizar entregas dos itens favoritos e obter descontos de até 15%. A Shopper trouxe um modelo similar de delivery programado ao Brasil – mas com foco apenas nas compras de supermercado.

O consumidor monta sua cesta de produtos e agenda o dia da primeira entrega. Automaticamente, cria um pedido com recorrência mensal, quinzenal ou semanal. Perto de cada data de entrega, a startup manda um alerta ao usuário e ele pode mudar produtos, reagendar a entrega ou suspender seus pedidos. O foco da startup está em famílias que fazem uma compra por mês. Os produtos mais pedidos são alimentos não perecíveis, bebidas, produtos de higiene, de limpeza e para pets.

Do lado da Shopper, a programação permite ter previsibilidade de estoque e de logística. A startup negocia os produtos direto com fabricantes e armazena apenas os itens já encomendados em seus próprios centros de distribuição. Seleção, embalagem e logística também são próprias, e as rotas de entrega são programadas com antecedência. O formato permite manter a margem da startup e oferecer uma compra 10% a 12% mais barata em comparação com a feita em supermercados tradicionais, segundo a Shopper.

A startup triplica de tamanho ano a ano. “Seguimos a filosofia da marcha das 20 milhas, do Jim Collins. Temos como meta uma expansão anual consistente, independentemente se a maré está boa ou não, porque não somos o tipo de startup em que basta aumentar a capacidade do nosso servidor para multiplicar de tamanho”, diz Rodas. “Precisamos abrir centros de distribuição, contratar e treinar pessoas em cada nova cidade. A expansão é mais difícil quando temos operações físicas”, completa Bruna.

A pandemia do novo coronavírus acelerou a digitalização dos consumidores brasileiros e permitiu que a Shopper mantivesse suas taxas de crescimento, incluindo categorias como entrega de produtos frescos. Porém, o momento também aumentou o interesse de aplicativos como iFood e Rappi no setor de entregas de supermercado. Ainda, fez surgir outras startups focadas em serem apenas mercados digitais, como Daki e JOKR.

“Quando começamos, apenas alguns supermercados atuavam com entregas online e tinha muito espaço para melhorar a experiência dos clientes. Mas a pandemia jogou holofotes nos mercados digitais e a competição aumentou. Algumas empresas concorrentes atuam no modelo de esperar que o consumidor veja que um produto está em falta. Nós entregamos muito antes de o produto faltar e assim focamos em resolver a doença, não o sintoma”, reflete Rodas.

“Estamos em um momento de excesso de capital de risco e subsídio de preços. Mas chega uma hora em que o investimento acaba e os preços dos competidores tendem a subir nesse longo prazo, porque o modelo de negócios em si não é eficiente. Ou o estoque e armazenamentos são ociosos porque as compras são de impulso, ou os supermercados desistem de participar porque os intermediários corroem suas margens já apertadas.”

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Novo investimento, novos planos

A Shopper foi criada com um investimento de R$ 20 mil de Bruna e Rodas. Esta não é a primeira captação externa de investimentos da startup: a primeira rodada do tipo foram R$ 120 mil captados com amigos e familiares em 2016. Depois vieram um investimento anjo de R$ 450 mil, um série A de R$ 10 milhões e um série B de R$ 120 milhões. O série C veio apenas seis meses depois desse último aporte da Shopper.

“Executamos o plano que vendemos aos investidores. Achamos então que faria sentido aumentar nosso caixa para acelerar nosso crescimento e para nos proteger diante de um momento de euforia no mercado de capital privado. Quando a bolha estoura, até bons negócios têm dificuldade em captar”, diz Rodas.

A startup usará seus novos R$ 170 milhões para aquisições de negócios “em áreas correlatas”, marketing, tecnologia, expansão geográfica e contratações.

Tecnologia significa melhorar desde o aplicativo até sistemas proprietários de previsão de demanda; compra, conferência, armazenamento e separação de mercadorias; e acompanhamento das entregas. O negócio também foi de 30 para 75 cidades atendidas neste ano. O plano é atender 120 cidades nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro até o final de 2022.

Por fim, a Shopper foi de 450 para 1.100 funcionários ao longo de 2021. A startup pretende passar dos 3.000 funcionários no fim do próximo ano. Por enquanto, a equipe acompanha a média de triplicar de tamanho ano a ano. Bater essa proporção de expansão fica mais difícil a cada ano – e a Shopper está se capitalizando para manter essa consistência, diante de uma competição também endinheirada.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.