Plano de saúde no estilo startup: a estratégia da Alice para enfrentar a pandemia

Healthtech promoveu atendimento digital e enviou oxímetros para casas de pacientes com sintomas de Covid-19: ela cresce em média 58% ao mês

Mariana Fonseca

Guilherme Azevedo, André Florence e Matheus Moraes, cofundadores da Alice (Divulgação)

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SÃO PAULO – Sete em cada dez brasileiros não têm um plano de saúde, segundo uma pesquisa realizada há cerca de um ano pelo DataSenado. As startups já estão de olho em capturar esse mercado gigante – e os tempos de pandemia de Covid-19 foram uma prova de fogo para suas propostas.

Foi o caso da Alice. A startup de saúde começou a vender seus planos de saúde em julho de 2020, em plena pandemia. Sua proposta de atendimento digital, incluindo a distribuição de oxímetros para acompanhamento dos pacientes em casa, trouxe resultados tanto em saúde quanto nas métricas de negócio. Além de uma baixa taxa de internações por Covid-19 entre os pacientes com casos confirmados da doença, a startup apresentou crescimento médio mensal de 58% no último ano.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com o cofundador André Florence. O empreendedor falou sobre a proposta da Alice, a prova de fogo do modelo de negócio durante a pandemia e os próximos passos para a startup de saúde – desde um novo modelo de monetização até planos de captação futura.

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Plano de saúde no estilo startup

A Alice foi fundada por André Florence, Guilherme Azevedo e Matheus Moraes. Florence foi diretor financeiro no aplicativo de mobilidade urbana 99, enquanto Moraes foi presidente. Já Azevedo cofundou a startup de saúde Dr. Consulta.

Segundo Florence, tais experiências trouxeram ensinamentos práticos. “Vimos empresas de tecnologia cresceram do zero e passaram por obstáculos em cada fase de expansão, do investimento semente até a saída. Também conhecemos bons profissionais e formamos relacionamento com investidores. Mas a parte mais importante foi viver não apenas um emprego, mas uma missão de transformar o mundo para melhor por meio de um produto ou serviço feito com tecnologia.”

A Alice foi fundada em março de 2019. Em janeiro de 2020, a startup de saúde conseguiu sua licença como operadora de saúde pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). “Fizemos uma experiência para amigos e familiares, mas pouco depois veio a pandemia. Decidimos segurar nosso lançamento oficial para entender melhor o cenário e deixar o produto completamente pronto”, diz Florence. “O setor de saúde demanda que a gente já comece com diligência e parceiros. Outras startups costumam colocar o aplicativo no ar sem mesmo ter um CNPJ.”

A primeira venda da Alice foi feita em julho de 2020. O objetivo é ser uma solução de ponta a para a saúde de pessoas físicas. “Não bastava oferecer alguma parte específica para termos uma mudança substancial no setor. Por isso somos tanto gestora quanto operadora de saúde. Tanto recebemos a mensalidade dos nossos membros quanto somos responsáveis por cuidar da saúde deles”, diz Florence.

O usuário contrata digitalmente um plano de saúde da Alice. O plano inclui uma equipe feita por enfermeiro, médico, nutricionista e preparador físico. Os profissionais montam um plano de ação dependendo dos objetivos do usuário – por exemplo, manter uma doença crônica sob controle ou se preparar para uma maratona.

Aplicativo da Alice (Divulgação)
Aplicativo da Alice (Divulgação)

Depois, são feitos exames de rotina e de acordo com os objetivos. Quando o usuário fica doente, entra em contato com sua equipe de saúde digitalmente. Ele só é encaminhado a um hospital parceiro da Alice caso o problema não consiga ser resolvido pelos profissionais. 88% das queixas urgentes dos usuários da healthtech são resolvidas sem que eles precisem sair de casa. Ao todo, a Alice realizou mais de 10 mil atendimentos digitais.

“A ideia é fornecer o acompanhamento mais eficiente, não sempre resolver o problema na hora. Por exemplo, eu tive uma mordida de cachorro e consegui resolver em casa. Já minha esposa machucou o joelho, usou gelo durante três dias e não resolveu. Então precisou fazer um raio-X e passar em um ortopedista. A diferença é que o médico já sabia que ela tinha colocado gelo e tinha a radiografia em mãos. Não fica um vai e volta de consulta”, diz Florence.

Da mesma forma, um eventual hospital também tem o histórico do usuário e pode ser previamente autorizado pela startup a fazer o procedimento indicado. O acompanhamento da equipe de saúde volta após o procedimento, que também foi inserido no histórico do usuário.

“Tradicionalmente, você faz várias consultas e exames e não se lembra das conclusões. Nós temos esse registro digital e sob o controle do usuário, por meio de um aplicativo. Na comunicação com o hospital, também reduzimos o tempo de espera e a ansiedade de a operadora eventualmente recusar o procedimento”, diz Florence.

Outro diferencial da Alice está no modelo de remuneração. O formato tradicional é o de fee for service – uma remuneração baseada na quantidade de serviços prestados. “Se um procedimento não for bem feito, será refeito e haverá uma cobrança dupla para a operadora de saúde. Por isso os custos crescem todo ano, com repasse a clientes na pessoa física e jurídica”, afirma o cofundador da Alice. Em janeiro de 2021, o Procon de São Paulo afirmou que as empresas de plano de saúde coletivo repassaram reajustes de até 228%.

A Alice fechou uma cobrança por resultado na saúde com seus hospitais parceiros, como Albert Einstein, Benficência Portuguesa e Oswaldo Cruz. “Nosso conceito é de que todos os envolvidos devem ser remunerados por se o usuário está mais saudável. Estamos caminhando com nossos parceiros, porque essa remuneração envolve mais dados. Se uma cirurgia rendeu uma complicação, o hospital deve arcar com esse custo porque o foco está no resultado.”

A Alice tem 2,4 mil membros na cidade de São Paulo – cerca de um terço deles não tinha plano de saúde antes de contratar a healthtech. Para um usuário de 30 anos de idade, por exemplo, um plano sai por a partir de R$ 580 por mês. “Com escala, podemos ter não apenas mais ações preventivas por conta da coleta de mais dados, mas também redução na mensalidade”, diz Florence.

Pandemia: atendimento digital e oxímetros

A Alice começou a vender seus planos no meio da pandemia de Covid-19. Por isso, implementou um protocolo de acompanhamento de pessoas com suspeita de contágio pela doença.

O usuário passa primeiro pelo atendimento digital, que tem como diferencial a resposta em até 30 segundos e a conversa com enfermeiros. A startup também consegue verificar em seu histórico se o paciente está em um grupo de risco, por conta de fatores como comorbidades ou idade.

A startup já registrou 545 casos suspeitos de Covid-19, 83 deles confirmados. Em metade deles, enviou oxímetros para as residências como forma de acompanhar melhor a capacidade de respiração dos pacientes.

Unindo o protocolo de acompanhamento da Covid-19 e os dados do oxímetro, a Alice indica com mais eficiência quais usuários precisam ir a um hospital. O chat fica aberto até o usuário receber alta. Apenas oito pacientes precisaram ir a um pronto-socorro até agora. Um deles foi internado, mas já recebeu alta.

A experiência ajudou a consolidar tanto o atendimento digital quanto o envio de oxímetros. “Acreditamos muito no contexto de as pessoas receberem cuidado em casa. Esse é apenas o começo. Vamos mirar novas rodadas de investimento em 2022”, diz o cofundador da Alice. A startup já captou US$ 47,8 milhões com investidores como Maya Capital, Kaszek Ventures e ThornTree Capital.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.