Para estas startups, o próximo passo é a volta para as lojas físicas. Mas elas não serão como você imagina

Negócios acostumados com a internet viram um salto de crescimento na pandemia. Mesmo assim, o futuro também está nas lojas feitas de cimento e tijolos

Mariana Fonseca

Loja da Amaro (Divulgação)

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SÃO PAULO – A pandemia do novo coronavírus aprofundou a digitalização dos brasileiros: 36% dos consumidores online brasileiros compraram em uma nova categoria pela primeira vez em 2020, e 79% deles começaram sua jornada de compra pela internet, segundo um estudo da empresa de tecnologia Google.

As startups se beneficiaram dessa maior disposição do brasileiro em experimentar serviços e produtos por canais digitais. Mesmo assim, algumas delas apostam que a saída para conquistar mais clientes e melhorar inclusive a proposta virtual é, quem diria, inaugurar lojas físicas. Mas não se engane: esses estabelecimentos não têm nada de tradicional.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com três dessas startups: o comércio eletrônico de moda e estilo de vida Amaro; o comércio eletrônico de móveis MadeiraMadeira; e o comércio eletrônico de vinhos Wine.

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Seus fundadores ou diretores falaram sobre quando a aposta em lojas físicas começou; sobre como mantiveram esse investimento durante o período de digitalização e isolamento social; e sobre como as futuras lojas físicas serão diferentes das vistas antes da pandemia. Essas lojas são pensadas para o e-commerce: são desde um ponto para cadastro das clientes até um mostruário para compras posteriores pela internet.

Aposta antiga…

A Amaro foi criada como um comércio eletrônico de moda em 2012. A startup começou a abrir suas primeiras lojas em 2015, quando a penetração do e-commerce na moda estava entre 2% e 3%. “O objetivo era conquistar mais clientes. Contabilizávamos as vendas nas próprias lojas por metro quadrado e comparávamos com nossos custos, como qualquer ponto comercial faria. Mas trouxemos também o conceito de omnicanalidade como forma de justificativa adicional aos custos]”, conta Dominique Oliver, cofundador da Amaro.

Além do faturamento por loja, a marca também mede desde então a obtenção de dados cadastrais das consumidoras potenciais, que montam listas de desejo no aplicativo ou nos computadores da loja; quanto as compras online aumentam acima da média em CEPs próximos ao de uma loja aberta faz até 24 meses; a quantidade de compras online que são retiradas na loja; e a quantidade de compras online que partem do estoque da loja – um modelo conhecido como ship from store.

Dominique Oliver, CEO da Amaro (DIvulgação)
Dominique Oliver, CEO da Amaro (DIvulgação)

A Wine abriu sua primeira loja em 2019, na cidade de Belo Horizonte (Minas Gerais). Assim como a Amaro, os primeiros objetivos eram conquistar mais clientes, permitir a retirada de produtos comprados pelo e-commerce na loja e fazer entregas mais rápidas, por meio do ship from store.

“Tínhamos clientes para compras programadas no e-commerce, com entrega entre três e cinco dias. Mas eles acabavam indo ao supermercado na hora de comprar um vinho de última hora, para consumo próprio ou para presente”, explica Alexandre Magno, diretor de e-commerce e relações com investidores da Wine. As transações também passam pelo aplicativo da marca, para ter um acompanhamento das informações dos consumidores e dos produtos que foram ou não comprados.

Alexandre Magno, diretor de e-commerce e RI da Wine (Divulgação)
Alexandre Magno, diretor de e-commerce e RI da Wine (Divulgação)

O site de móveis MadeiraMadeira abriu sua primeira unidade física em março de 2020, algumas semanas antes de os lockdowns serem decretados no Brasil.

Assim como na Amaro e na Wine, o objetivo era alcançar um perfil de consumidor que a marca não tinha ainda.

“Grande parte do volume de vendas do nosso setor era feito offline. Queríamos integrar a experiência do site com uma presença física, com o objetivo de aumentar nosso mercado em cerca de dez vezes”, diz Daniel Scandian, cofundador da MadeiraMadeira.

Daniel Scandian, cofundador da MadeiraMadeira (Divulgação)

… E anticíclica

Com a pandemia do novo coronavírus, muitos negócios fecharam as portas e entregaram seus pontos comerciais. Capitalizadas com as operações digitais, Amaro e Wine aproveitaram para adotar uma atitude anticíclica: investir na retomada do varejo físico.

Na Amaro, esse período de fechamento foi voltado para negociação. “Tivemos que fechar temporariamente as lojas no último ano, mas sempre tivemos a tese de que o varejo físico iria voltar. Fomos uma das marcas mais agressivas em negociação de pontos grandes e assumimos espaços de marcas como Forever 21, Livraria Cultura e Saraiva durante a pandemia. Os shoppings sabiam que estávamos confiantes e nos buscaram, sabendo também da demanda das consumidoras por marcas de estilo de vida e moda”, complementa Oliver.

Já as lojas de portas fechadas da Wine apostaram no delivery e nos vendedores conversando virtualmente com os clientes. “Vimos que os estabelecimentos performavam bem, ainda que fechados. Então seguidos abrindo lojas durante a pandemia”, diz Magno. A segunda loja da Wine foi aberta em maio de 2020. Atualmente, são 13 lojas em operação.

Por fim, a MadeiraMadeira teve uma abordagem mais conservadora: segurou os investimentos nas lojas físicas durante seis meses. A abertura de lojas físicas foi retomada no final de 2020, e com força. A marca tem hoje 105 unidades em operação.

Marca, experiência e entrega

A penetração do e-commerce na moda cresceu para entre 13% e 14%. Mesmo assim, a Amaro está fazendo seu maior investimento em varejo físico da história. As unidades físicas atendem hoje três objetivos: gerar confiança e reconhecimento de marca superiores aos da mídia digital, ampliando a aquisição de clientes; fornecer experiências que acelerem a conversão desses clientes; e ser um espaço para devoluções e entregas.

“O primeiro ponto estava presente desde o começo; o segundo ponto existia apenas para a moda e agora chega para nossos produtos de estilo de vida; e o terceiro se acelerou com a digitalização forçada pela pandemia”, diz Oliver.

Para cumprir tais objetivos, a Amaro está abrindo sete novas lojas até o final deste ano e ampliando sua cobertura nacional de sete para 11 cidades e chegando às regiões Centro-Oeste e Nordeste. Serão 20 lojas. As unidades também serão maiores, variando entre 1.000m² e 1.500m². Elas suportam mais estoque: são 450 SKUs por unidade, abrangendo 66% do sortimento de produtos para todas as categorias presentes no e-commerce. A metragem total das lojas físicas foi de 1.000 m² para 11.000 m².

“Existem marketplaces com uma experiência muito diferente entre online e físico. Talvez funcione como está, mas nossa consistência nos diversos canais agrega muito valor para nosso ecossistema que conecta clientes finais a 300 marcas parceiras. Não colocamos esses produtos do lado de um liquidificador, mas em espaços físicos pensados para experimentação e para uma maior chance de compra. É um protocolo paralelo ao varejo comum, que virou uma guerra do maior descontou ou volume de produtos”, diz Dominique. O espaço maior também permite estoque para o ship from store em apenas algumas horas. Assim, a taxa de conversão das compras online aumenta, e o custo com marketing diminui.

Guide shop da Amaro (Divulgação)
Guide shop da Amaro (Divulgação)

Em 2021, a projeção é atingir uma receita 50% superior à vista em 2020. As lojas físicas passarão de um quarto para um terço em participação nas vendas, na comparação entre dezembro do último ano com dezembro deste ano. Para 2022, a Amaro enxerga uma consolidação desses pontos maiores e a chegada para novas cidades brasileiras. A expectativa é abrir pelo menos outras sete lojas no próximo ano.

A penetração do e-commerce nos vinhos também se tornou relevante nos últimos anos. A consultoria Wine Intelligence coloca o Brasil como o 14º país mais atrativo para o mercado de vinhos, e 30% dos consumidores compram a bebida pela internet. Mesmo assim, a Wine projeta abrir entre uma e duas unidades físicas em novembro. Em dezembro, o mesmo ritmo.

Assim como na Amaro, além de gerar reconhecimento de marca e armazenar estoque para entregas mais rápidas, a loja física da Wine serve para compras mais “consultivas e quentes”, diz Magno. O consumidor pode experimentar os produtos disponíveis no clube de assinatura da Wine. O espaço também serve para fazer eventos, aprofundando o relacionamento com o cliente.

“Registramos aumento de sócios do clube em CEPs próximos a cada nova loja. O cliente que já comprava no e-commerce e passa a comprar na loja física também gasta 50% a mais. Então concluímos que as unidades aumentam nossa receita e nosso share of wallet [participação no orçamento dos clientes].”

Considerando apenas compras feitas para além do clube de assinatura, as lojas físicas representam 15% das compras atualmente. “Essa porcentagem deve aumentar com a inauguração de mais unidades e com a maturação das unidades recém-inauguradas, um processo que pode levar até 24 meses”, acrescenta o diretor de e-commerce e relações com investidores. A aquisição da importadora Cantu por R$ 180 milhões, em maio deste ano, segue a mesma linha de investir em canais físicos. A concorrente evino fez o mesmo em outubro, comprando a importadora Grand Cru. O valor da transação não foi divulgado.

A Wine dobrou seu lucro para R$ 11 milhões, na comparação entre o segundo trimestre deste ano com o mesmo período de 2020. Também chegou a 270 mil assinantes, alta anual de 50,8%. Os números do terceiro trimestre ainda não foram divulgados, e não incluem as operações da Cantu.

Na MadeiraMadeira, uma história similar. Entre janeiro e agosto de 2020, o e-commerce de móveis teve alta de 94,4%, segundo estudo da Associação Brasileira de E-Commerce (ABComm). Suas 105 lojas funcionam apenas como mostruário: o cliente ainda fecha a compra com entrega para sua casa e fretes de acordo com a região de entrega.

“Atraímos novos consumidores com as lojas e consolidamos a experiência de clientes que já eram do site. Criamos um ambiente decorado, com um mix de produtos completo para uma casa. A ideia é que o consumidor possa ver de perto o item que deseja comprar e ter a experiência de contato”, diz Scandian. “O atendimento offline faz a diferença na hora de fechar a compra. O atendimento especializado e personalizado dos consultores faz com que exista uma grande diferença dos produtos mais procurados no site e nas lojas físicas. Por fim, também empoderamos nossa marca própria. Conseguimos mostrar a qualidade e os atributos desses produtos desenvolvidos em casa.”

A MadeiraMadeira atende 7 milhões de clientes e faz 8 mil entregas por dia. Além das lojas físicas, tem três centros de fulfillment (logística ponta a ponta) e 14 centros de distribuição. A startup espera que compras nas unidades representem de 30% a 40% do negócio. A MadeiraMadeira não divulga números futuros de lojas.

Loja da MadeiraMadeira (Divulgação)
Loja da MadeiraMadeira (Divulgação)

Fernanda Bronfman, head de negócios para pequenas e médias empresas do Google Brasil, tem uma análise em linha com a estratégia dessas startups. Depois do aprofundamento da digitalização causado pela pandemia, existe uma vontade entre os vacinados de voltar ao mundo físico, ao menos em partes. “O comportamento não volta para trás: tanto consumidores quanto empresas aprenderam a transacionar digitalmente. Mas a loja física costuma surgir depois e assume um papel diferente dentro da operação das startups. Assim, evita a canibalização de consumidores e faz crescer o bolo das receitas”.

Os espaços feitos de cimento e tijolos podem ser uma porta de experimentação para novos produtos e categorias, como nos ambientes decorados da MadeiraMadeira. As lojas também são um centro de estoque e distribuição para entregas mais velozes, como na Amaro. Existe ainda a conveniência de obter o produto naquele momento, como a Wine já sabia ao abrir sua primeira loja. Um ponto comum a todas as startups é usar as lojas para criar uma melhor experiência aos seus consumidores originais: aqueles que sempre compraram pelo e-commerce.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.