GPA: a estratégia que quer transformar a setentona em empresa inovadora

O Pão de Açúcar começou em 1948. Transformar funcionários em embaixadores de inovação é uma forma de atualizar a cultura da varejista tradicional

Mariana Fonseca

(Divulgação)

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Gislene Cruz, gerente de uma das unidades da rede Pão de Açúcar (PCAR3), foi uma das afetadas pelas restrições de funcionamento impostas pela pandemia do novo coronavírus em março de 2020. O momento poderia ter gerado uma sensação de desespero e passividade. Porém, a gerente resolveu focar na solução do problema e implementou vendas pelo WhatsApp. A tática fez as listas de compras dispararem nos primeiros meses do isolamento social.

A gerente teve a ideia enquanto participava do Programa de Embaixadores de Inovação do GPA. Essa é uma das principais iniciativas da varejista de 74 anos para difundir uma cultura de inovação entre seus mais de 35 mil funcionários e mais de 800 lojas. Relembre a trajetória do Grupo Pão de Açúcar nesta entrevista com o empresário Abilio Diniz ao podcast do Do Zero Ao Topo — marca de empreendedorismo e gestão do InfoMoney.

“Existem empresas que nem criam uma área de inovação, porque elas já nascem com essa mentalidade. Porém, nossa empresa não é nativa digital”, diz Monique Cavaletti, gerente de inovação do GPA, ao Do Zero ao Topo.

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Sua área foi criada em 2017. Chamada GPA Labs, a divisão olha para duas grandes frentes: como desenvolver uma cultura de inovação na empresa e como colocar em prática projetos de inovação aberta e fechada (respectivamente, projetos que têm sua propriedade intelectual compartilhada com diversas empresas e projetos que são apenas da empresa criadora).

“A área de inovação foi importante para conectar a empresa com o ecossistema de startups. Mas falamos com outras empresas e áreas de inovação durante uma temporada no Cubo Itaú, e fomos aprendendo que as três, quatro, cinco pessoas da área de inovação não conseguiam promover nossas frentes de forma capilarizada para milhares de funcionários, especialmente nos pontos de venda e no backoffice [área administrativa, sem contato com o cliente]. Precisávamos de algumas pessoas que fossem focos de multiplicação da cultura e dos projetos de inovação.”

Como o GPA espalha a inovação?

O programa de embaixadores começou em 2019, e está agora em sua quarta edição. Um conselho formado por diretores e gerentes da varejista define os objetivos da empresa para o ano, como melhorar a experiência digital e física do cliente e ter maior produtividade no backoffice. Os funcionários então se inscrevem no processo seletivo, inclusive gravando vídeos sobre suas razões para participarem do programa. A área de inovação e o departamento de recursos humanos são responsáveis pela seleção.

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“Vemos se a inscrição conversa com os desafios propostos para o ano, e quanto o programa beneficiaria a carreira do inscrito. Analisamos seu interesse em inovação e fazemos testes de perfil, como DISC [metodologia que define o avaliado como influenciador, dominante, estável ou cauteloso]. O objetivo é que tenhamos alta participação nas atividades e alto índice de satisfação”, diz Monique. O programa não tem requisitos de área ou cargo: tanto funcionários das lojas quanto dos escritórios podem se inscrever.

Os selecionados podem fazer projetos individuais ou em grupo. Todos passam por uma trilha de desenvolvimento: são treinamentos em temas como mentalidade de inovação; inovação aberta e fechada; startups; scale-ups; como fazer um plano de negócios; como montar um piloto; como organizar o tempo; e como trabalhar em grupo.

Os treinamentos são complementados com encontros dos participantes com a área de inovação, com embaixadores dos anos anteriores (chamados de alumni) e com empreendedores e especialistas do mercado. Os embaixadores apresentam o andamento dos seus projetos nesses encontros, e tiram dúvidas com os outros participantes. “A ideia é termos uma atividade por mês, seja treinamento ou encontro. Assim damos consistência, mas sem pesar na rotina”, afirma a gerente de inovação.

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O GPA Labs acompanha todos esses projetos, ajudando a entender qual a dor a ser resolvida e qual a melhor forma de solucioná-la. “Buscamos projetos para objetivos maiores e mais estratégicos do GPA. Dores muito específicas podem ser resolvidas apenas com uma introdução a uma startup, sem precisar de toda a trilha de desenvolvimento”, diz Monique.

Os projetos também passam pelo contato com startups, seja apenas para estudar as soluções presentes no mercado ou para de fato construir uma solução em parceria. Os contatos vêm da própria base da área de inovação e de entidades como Endeavor e Liga Ventures.

Nesse ponto, o GPA inclui funcionários chamados de “ninjas”. São profissionais de administração, contabilidade e jurídico que ajudam a operacionalizar a integração de startups. Por exemplo, fazem contratos mais simplificados, veem quais requisitos de segurança podem ser eliminados e aceleram o pagamento, já que muitas startups precisam logo do dinheiro para entregar suas soluções.

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Cada projeto deve ter uma prova de conceito (POC) até o final do ano. “Óbvio que queremos o maior número possível de rollouts [desenvolvimentos e implementações], mas entendemos que faz parte do processo decidir que algo não funcionou. O embaixador pode deixar o rollout de uma nova solução para o ano seguinte”. Todos os embaixadores podem continuar no programa, participar dos eventos e desenvolver mais projetos.

Nesses quatro anos, o programa acumulou mais de 90 pessoas participando ativamente no programa, entre embaixadores, alumnis e ninjas. Foram 38 projetos desenvolvidos. “Formamos pessoas para trabalharem com inovação em suas áreas, tendo suporte apenas pontual da área de inovação. Principalmente os que estão há anos no projeto sabem como contatar startups, montar pilotos, testar essas provas de conceito e depois fazer rollouts. A gente não tinha esses conceitos disseminados de forma tão forte pela empresa quando começamos, e hoje a atitude para inovação até virou um dos valores fundamentais da empresa”, diz Monique.

Inovação na prática

O GPA tem uma premiação anual para reconhecer os projetos de toda a empresa em categorias como “principal projeto de inovação aberta”, “principal projeto de inovação fechada”, “gestor destaque em inovação” e “loja mais inovadora”. Gislene Cruz, gerente do Pão de Açúcar na rua Teodoro Sampaio (São Paulo), ganhou o prêmio de “loja mais inovadora” nos anos de 2020 e 2021.

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Gislene começou a trabalhar no grupo no setor carnes e aves, em 1997. Tornou-se gerente em 2016. “Eu fui a primeira mulher líder de carnes na bandeira do Pão de Açúcar, então isso mostra como eu gosto de tudo que é novo. Quando soube do programa de embaixadores em 2020, decidi me inscrever”, conta.

A gerente começou com um projeto para reduzir as filas na cafeteria dentro de sua loja. A pandemia fez o espaço fechar temporariamente suas portas, e fez o projeto de Gislane mudar. “Surgiu a ideia de vender pelo WhatsApp. Tínhamos clientes idosos que não estavam acostumados a comprar no e-commerce, mas usavam seus celulares. Lançamos essas vendas assim que a pandemia começou, em abril e maio de 2020. Vendemos mais por WhatsApp do que por e-commerce nesses meses”, diz.

Gislene virou alumni, mas seguiu fazendo projetos. Em 2021, lançou a venda de sushi a granel. Um dia na semana, os clientes podem montar bandejas com sabores específicos de sushi, inclusive com frutas.

“A gente executa muito trabalhando na loja. Tem sempre alguém para dizer que não tem tempo para resolver os problemas, mas isso não muda nada. A loja só vai ficando para trás, com o avanço da tecnologia. No programa, encontrei pessoas com ideias e linguagens diferentes e fiz treinamentos que levei para minha equipe. É muito gostoso exercitar uma postura mais curiosa: pensar em como podemos melhorar, experimentar, inovar e adaptar. Hoje, fico provocando os outros gerentes e funcionários a fazerem o mesmo”, diz Gislene.

O treinamento se refletiu em adaptações menores e mais constantes do que os projetos do programa de embaixadores. “A gente não tinha a cafeteria funcionando ainda na Páscoa de 2021. Colocamos os ovos naquele espaço, mas os consumidores não iam até lá porque achavam que tinha apenas a cafeteria fechada. Resolvemos o problema colocando patinhas que iam da entrada da loja até a cafeteria. Os pais entendiam o recado assim que entravam, e levavam as crianças pelo caminho”, conta a gerente. Gislene continua participando do programa. “É preciso estar sempre em movimento, fazendo uma atualização.”

Fernanda Megale, gerente de marketing de marcas exclusivas do GPA, destacou principalmente a presença da área de inovação e dos ninjas durante sua participação no programa de embaixadores. Ela entrou para a empresa em 2017, já na área de marcas exclusivas. “Vi o programa de embaixadores como algo super diferente, que iria trazer conhecimento e desenvolvimento tanto para a empresa quanto para os funcionários. Não conhecia muito de startups, mas decidi me inscrever porque vi a disposição da empresa em ensinar”, conta.

Fernanda entrou para o programa em 2020, desenvolvendo um projeto de divulgação por influenciadores em parceria com uma startup indicada pela área de inovação. A gerente continuou no programa no ano seguinte e desenvolveu um projeto de vending machines para a marca de alimentos saudáveis Taeq.

“O objetivo era extrapolar as fronteiras das lojas do GPA, olhando ocasiões diferentes de consumo. A área de inovação novamente nos ajudou a fazer um mapeamento de startups e dos seus modelos de negócios. Optamos pelas vending machines. As vendas fora das nossas lojas pediam negociações complexas, mas precisavam acontecer rapidamente porque precisávamos testar esse piloto. Os ‘ninjas’ de jurídico, marketing e vendas facilitaram o trâmite interno para a gente”, diz.

Em parceria com uma startup, a primeira vending machine foi inaugurada em dezembro de 2021, no Parque Burle Marx (São Paulo). A segunda vending machine começou a operar no começo de 2022. “Estamos no momento de analisar quais produtos têm saída e ver o que os consumidores e os locatários dos espaços estão achando. Só depois vamos colocar mais máquinas. Mas já gerou um benefício de experimentação e visibilidade para as nossas marcas exclusivas”, diz Fernanda.

Assim como Gislene, Fernanda virou alumni e continua no programa de embaixadores. “Toda a trilha de desenvolvimento acaba ajudando no dia a dia, com conceitos como cultura ágil e design thinking [metodologia de desenvolvimento de produtos e serviços]. Continuo participando dos encontros, trago as novidades para minha área e estimulo essa participação. Uma pessoa da minha equipe passou no programa de embaixadores deste ano”, diz a gerente. “Foi um diferencial grande para a minha carreira e para a empresa como um todo. As pessoas valorizam que o programa pega projetos das próprias áreas, e que os funcionários escolhem o que fazer e mostram os resultados para a diretoria. A cultura de inovação acontece sem imposição de cima para baixo”.

Monique, a gerente de inovação, compartilha seu plano em longo prazo. “Nosso objetivo é que a área de inovação não precise mais existir.”

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.