Canary: a estratégia do fundo brasileiro que levantou meio bilhão de reais para startups que estão apenas começando

Fundo para startups em estágio inicial anunciou nesta semana a captação do seu terceiro fundo, de US$ 100 milhões (R$ 540 milhões)

Mariana Fonseca

Os fundadores do Canary: Mate Pencz, Patrick de Picciotto, Florian Hagenbuch, Julio Vasconcellos e Marcos Toledo (Gustavo Scatena/Divulgação)

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SÃO PAULO – Se você está de olho em alguma startup promissora, o Canary provavelmente já está conversando faz tempo com seus fundadores ou fundadoras. O fundo de venture capital para startups em estágio inicial foi criado há pouco menos de cinco anos. Mesmo assim, desde então teve acesso a nada menos que 93% das rodadas feitas por “fundos de primeira linha no Brasil” – os que têm apoiado empreendimentos relevantes dentro do país e sido as primeiras escolhas entre os empreendedores de maneira consistente, nas palavras do próprio Canary.

As conexões começaram por conta da reputação dos criadores do fundo: Florian Hagenbuch e Mate Pencz foram os fundadores da gráfica online Printi e do unicórnio imobiliário Loft. Eles se uniram com Marcos Toledo e Patrick de Picciotto, que foram sócios das gestoras M Square Investimentos e da Velt Investimentos. Por fim, Julio Vasconcellos, que fundou o Peixe Urbano (comprado pelo Baidu), também entrou na fundação do Canary.

Esse primeiro cartão de visitas se somou à construção de um portfólio composto por mais de 100 startups latino-americanas, como Buser, Decorati, EmCasa, Hashdex e Trybe. Ao todo, os empreendimentos investidos pelo Canary fizeram 69 rodadas posteriores, por meio da conexão do fundo de estágio inicial com fundos de estágio avançado, como a16z, QED, Ribbit Capital e SoftBank. Essas startups levantaram US$ 2,3 bilhões em novos investimentos. Mais de dez empreendimentos no portfólio do Canary têm avaliação de mercado superior a US$ 100 milhões.

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Os casos de sucesso atraem tanto outros empreendedores quanto outros investidores. O Canary anunciou nesta semana seu fundo III, desta vez de US$ 100 milhões (cerca de R$ 540 milhões). A firma já havia captado um fundo II de US$ 75 milhões e um fundo I de US$ 45 milhões. A ideia do fundo III era captar novamente US$ 75 milhões, mas a demanda superou a oferta. Ao todo, o Canary obteve US$ 220 milhões.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com Marcos Toledo. O cofundador e sócio operador do Canary falou sobre os princípios de investimento do fundo; como acontece a seleção dos melhores fundadores de startups; e como está o cenário futuro para as startups em estágio inicial no Brasil.

“Preferimos nos tornar especialistas em nos aproximar de pessoas incríveis e talentosas: elas que serão capazes de encontrar as melhores oportunidades e construir negócios relevantes e de impacto, atraindo recursos e pessoas certas para essas empresas”, disse Toledo. “Estamos apenas no início de um ciclo muito virtuoso. Cada vez mais pessoas criam negócios capazes de atrair times e capital, e assim valor é gerado não só para os envolvidos, mas para a sociedade. A partir desse valor gerado, mais fundadores decidem recomeçar sua jornada empreendedora ou investir em novos negócios.”

Veja os principais trechos da entrevista com Marcos Toledo, cofundador do fundo de venture capital Canary:

Quais são as principais teses do Canary?

Não podemos ser direcionados por uma tese – e nem acreditamos que somos especialistas em mercados para saber o que vai ou não funcionar. Isso porque investimos muito no início da jornada das empresas, muitas vezes até mesmo quando o empreendedor não sabe o que quer fazer, ou antes de ter um PowerPoint já preparado. Durante o processo de validação das hipóteses, muitas das ideias iniciais são descartadas e por vezes as empresas mudam bastante.

Por isso, preferimos nos tornar especialistas em nos aproximar de pessoas incríveis e talentosas: elas que serão capazes de encontrar as melhores oportunidades e construir negócios relevantes e de impacto, atraindo recursos e pessoas certas para essas empresas.

Acreditamos que esses bons empreendedores conversam com outros bons empreendedores sobre seus problemas – operações, marketing, retenção de talentos, fundraising etc. Então, desde o começo, nós modelamos o Canary com base em uma grande rede de fundadores. Não apenas nós mesmos, mas também nossos investidores e empreendedores em que investimos.

Como vocês fazem para encontrar essas pessoas incríveis e talentosas, especialmente quando elas ainda são fundadoras de primeira viagem?

Avaliar pessoas pode ser um processo super qualitativo, algo complicado quando se busca criar um portfólio e um processo de investimentos embasado. Desenvolvemos um método que avalia um empreendedor e seus negócios em mais de 40 pontos. Sem entrar em detalhes específicos, posso dizer que avaliamos a experiência daquele fundador, sua ambição e se ele se encaixa com o mercado em que deseja construir seu negócio. Conversamos com o empreendedor e muitas vezes buscamos checagens de referências com pessoas próximas, da nossa rede.

Em 2017, vocês viam pessoas talentosas saindo de carreiras tradicionais e começando empresas. Hoje, acreditam que o movimento ficou ainda mais comum. Por quê?

Há alguns fatores que fazem esse movimento empreendedor se acelerar. Primeiro, os casos de sucesso da região. Basta comparar a forma como as startups estão presentes na vida dos latinos hoje em dia com o mesmo panorama há cinco anos, inclusive em quantos empregos elas geram e em quanto dinheiro movimentam.

Outro fator bastante importante é que programas de equity e stock options aumentaram a tangibilização do valor das startups. As pessoas entendem e veem mais esse grande diferencial das startups. A liquidez nos mercados globais e a aceleração da digitalização nos últimos anos foram mais fatores que auxiliaram no avanço desse movimento.

Estamos apenas no início de um ciclo muito virtuoso. Cada vez mais pessoas criam negócios capazes de atrair times e capital, e assim valor é gerado não só para os envolvidos, mas para a sociedade. A partir desse valor gerado, mais fundadores decidem recomeçar sua jornada empreendedora ou investir em novos negócios. Temos visto cada vez mais empreendedores decidindo começar um segundo negócio. Do fundo I para o fundo II, o número de startups com fundadores de segunda viagem aumentou 50%. Neste terceiro fundo, a maioria dos cheques que já assinamos são para empreendedores experientes.

Marcos Toledo, do Canary (Tiago Queiroz/Divulgação)
Marcos Toledo, do Canary (Tiago Queiroz/Divulgação)
Então, os investimentos com o terceiro fundo já começaram? Quantas startups já foram investidas pelo fundo III?

Começamos os investimentos do fundo III no início do segundo semestre. Já investimos em cerca de 10 empresas, mas nem todos os investimentos estão públicos. A expectativa do Canary é de investir em cerca de 50 empresas com este novo fundo.

Com mais casos de sucesso no país, teremos mais competição, rodadas maiores e avaliações de mercado mais robustas inclusive para startups em estágio inicial?

Temos visto sim uma evolução em termos de rodadas e valuations maiores no early stage, e há razões para isso.

A presença maior de empreendedores experientes é um desses fatores. Muitas vezes, são times que já começam mais robustos do que aqueles só com um grupo de fundadores. Também têm uma tese mais estruturada e são mais capazes de agregar recursos e pessoas de maneira profunda em um curto prazo.

Outro ponto que muda um pouco a dinâmica do mercado tem sido a atenção cada vez maior de fundos de venture capital globais para a América Latina. Muitos deles têm feito seus primeiros cheques, construído teses de investimento e até contratado profissionais especializados para olhar para a região. O aumento na competição é natural.

O Canary é um fundo agnóstico. Mesmo assim, dá para elencar alguns setores em que vocês estão de olho quando falamos em desafios a serem atacados na América Latina?

Fintech [serviços financeiros] segue sendo um setor muito importante para as startups na América Latina, e acreditamos que existem muitas oportunidades disponíveis para fundadores ambiciosos e ousados. No Brasil, temos visto inclusive um momento interessante em torno de insurtechs [seguros], com muito incentivo dos reguladores para maior inovação no mercado.

As healthtechs [saúde] também têm crescido muito na região. Acredito que a pandemia serviu como alerta para mostrar como o setor de saúde está estruturado hoje, e como ele pode ser transformado. Por fim, temos visto muitas oportunidades no universo de marketplaces B2B [venda de empresa para empresa] e em startups olhando para infraestrutura e soluções ao e-commerce, indo de pagamentos e logística até social commerces [compras coletivas].

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.