Por que ‘gatonet’ é ilegal? 5 respostas sobre decisão da Anatel que puniu pessoa física gera alerta

Agência reguladora tem apertado o cerco contra uso de equipamento ilegal de transmissão de TV

Giovanna Sutto

(Getty Images)

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A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) aplicou, pela primeira vez, uma multa de R$ 7,68 mil a uma pessoa física pela venda dos chamados “TV Boxes”, os receptores clandestinos para sinal de TV e streaming, que ficaram popularmente conhecidos como “gatonet”.

A agência estima que, no Brasil, sete milhões de aparelhos desse tipo estejam em uso e vem trabalhando no combate à comercialização dos equipamentos.

Essa punição à pessoa física, que não teve nenhuma informação revelada, gerou dúvidas sobre como a agência vai abordar e lidar com esse tipo de problema. Por isso, o InfoMoney separou 5 respostas sobre o tema.

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Confira:

O que aconteceu?

A Anatel decidiu, pela primeira vez, aplicar uma sanção a uma pessoa física pela comercialização de equipamentos receptores clandestinos de sinal de TV, conhecidos como TV boxes, não homologados pela agência. O órgão não aceitou recurso interposto pelo interessado e o multou em R$ 7,68 mil.

A agência já vinha fechando o cerco para reprimir a comercialização desse tipo de aparelho desde fevereiro, mas, até então, o foco era em empresas que vendiam o aparelho, por isso, a medida recente foi novidade e pode ter deixado alguns consumidores do produto ilegal em estado de alerta.

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Entre os esforços da agência, uma operação de outubro deste ano conseguiu bloquear o sinal de cerca de 80% dos aparelhos clandestinos. Foram bloqueados 3 mil servidores que habilitavam ilegalmente o funcionamento desses equipamentos.

Em fevereiro deste ano, cerca de 1,4 milhão de aparelhos ilegais foram apreendidos e mais de 1,4 mil endereços bloqueados porque habilitavam o funcionamento dos TV Boxes piratas.

O que é o TV Box?

A TV Box é um conversor que transforma qualquer televisão em smartTV, através da tecnologia IPTV (Televisão por Protocolo de Internet), conectando-a com a internet, o que possibilita a utilização de aplicativos de streaming e até mesmo televisão aberta, geralmente de graça.

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A homologação desses aparelhos, bem como a autorização para sua comercialização, é realizada pela Anatel. Por isso, há aparelhos similares que são legais e permitidos pela agência, como o Google Chromecast, por exemplo.

“No entanto, nos últimos anos, constatou-se um aumento crescente na comercialização de TV Box clandestinos, ou seja, sem a homologação do órgão responsável, que, além de transformar a televisão em smartTV, transmitem conteúdos de canais e aplicativos por assinatura, sem autorização e o devido pagamento ao provedor. Não há o pagamento de contraprestação, tampouco a autorização para comercialização”, explica Raphaell Marden, advogado especializado em direito do consumidor, do Goulart Penteado Advogados.

Por que esse tipo de aparelho é ilegal?

Na decisão que multou a pessoa física, Alexandre Freire, conselheiro da Anatel, ressaltou o objetivo de restringir a circulação desse aparelho evitando que haja estímulo para o consumo ilegal de material protegido por copyright (direito autoral), a exemplo do que ocorre em muitos dos casos de circulação de produtos não homologados pela Anatel.

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Os produtos servem de vetor para a violação de transmissão não autorizada de conteúdo, desrespeitando direitos de propriedade intelectual e prejudicando indevidamente segmentos diversos da economia, como o de eventos esportivos e cinematográficos.

Além disso, esses aparelhos que circulam de forma ilegal podem estar com vírus ou malwares, capazes de se infiltrar na rede doméstica dos consumidores e roubar informações e comprometer a segurança de dados e privacidade dos usuários.

Comercializar o TV Box é crime?

A comercialização de aparelhos como o TV Box, com transmissão ilegal e sem autorização do conteúdo de TV fechada ou de serviços de streaming, por vezes de graça, ou estabelecendo um pagamento mensal ou anual para quem não é titular dos direitos autorais é crime, segundo Enzo Fachini, advogado criminalista e sócio do FVF Advogados. 

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A Lei nº 9.610/1998, dispõe que as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive cinematográficas, são obras intelectuais protegidas aos seus criadores.

“Considerando que o TV Box não homologado transmite conteúdos de canais e aplicativos por assinatura, sem autorização e o devido pagamento ao provedor, sua comercialização é crime, nos termos do artigo 184, §3º, do Código de Penal, com pena de reclusão de dois a quatro anos, e multa”, complementa Marden.

Fachini acrescenta que o indivíduo pode se enquadrar como “crime de telecomunicação clandestina, com pena de detenção de até 6 anos”. 

Usar o TV Box é crime?

Quem compra esse tipo de aparelho pode responder pelo mesmo crime de quem comercializa: violação de direito autoral. “Nesses casos, o consumidor pode ser punido com pena de até 1 ano de detenção”, explica Fachini. 

Para o Código Penal Brasileiro, basta a violação do direito do autor, para que seja caracterizado o ato ilícito, com pena de detenção de três meses a um ano, ou multa (art. 184) para o consumidor.

“Dependendo da interpretação, a conduta pode ser caracterizada como receptação, por adquirir produto que sabe ser ilícito, com pena de reclusão de um a quatro anos, ou multa (art. 180)”, complementa Marden.

Apesar de as punições jurídicas existirem, os advogados entendem que são menos comuns para o consumidor que compra o aparelho. “A punição penal aconteceria para o consumidor em um flagrante da compra, por exemplo. É pouco comum uma operação para prender potenciais consumidores que tenham o aparelho em casa”, explica Marden. 

“É mais comum para quem possui o TV Box não homologado sofrer multas administrativas pelo órgão regulador, no caso a Anatel, como o bloqueio do IP do aparelho ficando sem acesso às funcionalidades dele”, finaliza o advogado do Goulart Penteado. 

Há mais casos em análise?

O InfoMoney consultou a Anatel com alguns questionamentos sobre o caso da multa à pessoa física, mas não obteve retorno de nenhuma pergunta até o momento desta publicação. Conforme os dados mais recentes da agência, só em 2023 98.355 aparelhos TV Box não homologados foram inspecionados e 1,2 milhão retirados do mercado.

O que dá para adiantar é que a agência inaugurou, em setembro, o Laboratório Antipirataria, especializado em analisar equipamentos TV Boxes usados para captar canais e conteúdos por assinatura de forma clandestina.Não há confirmações, mas é possível que essa primeira multa a um vendedor pessoa física seja fruto de projetos do laboratório.

De acordo com o superintendente de fiscalização da agência, Hermano Barros Tercius, o laboratório tem capacidade de analisar até cem equipamentos piratas de forma simultânea.

A inciativa integra o Plano de Ação para Combate ao Uso de Decodificadores Clandestinos do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e é resultado de uma parceria com a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA).

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.