Grife é processada por submeter bolivianos a trabalho análogo à escravidão

Os costureiros recebiam em média R$ 3 por peça produzida e ainda pagavam com sua força de trabalho pelas passagens utilizadas para virem da Bolívia

Weruska Goeking

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SÃO PAULO – Os representantes legais pela confecção de roupas Gregory são alvo de uma ação da Justiça Federal de São Paulo, por reduzirem trabalhadores bolivianos à condição análoga à de escravo. A denúncia oferecida pelo (MPF Ministério Público Federal) foi aceita na quarta-feira (30).

Além de Antonio Matos Duca e Delmira Matos Duca Giovaneli, representantes da marca, são réus na ação outras quatro pessoas responsáveis pelas empresas e oficinas de costura usadas pela marca.

Os seis réus vão responder pelo crime de reduzir os trabalhadores a condição análoga à de escravo e a pena prevista varia entre dois e oito anos de prisão para cada vítima identificada, além do pagamento de multa.

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Crimes

Em fevereiro e março de 2012 foram resgatadas 22 vítimas submetidas a condições degradantes, jornadas exaustivas e atividades forçadas, com a fiscalização realizada por auditores-fiscais do trabalho no âmbito de programa de erradicação do trabalho escravo urbano.

Segundo o relatório que embasou a denúncia, os estabelecimentos e oficinas de costura, localizados na cidade e região metropolitana de São Paulo, eram contratados por fornecedores diretos da Gregory para a confecção de peças de vestuário desenvolvidas pela marca, em um sistema de quarteirização da produção.

Entre os réus estão dois bolivianos que administravam uma oficina na zona norte da capital paulista. Cesar Antonio Morales Cardenas e o pai dele Jorge Frumencio Morales Mollericon empregavam 10 funcionários aliciados na Bolívia, que viviam e trabalhavam no mesmo local, junto com seus filhos.

A fiscalização flagrou inclusive um bebê, com um mês de vida, que dormia entre os motores de duas máquinas de costura, em um berço improvisado com caixas de papelão. A mãe, que amamentava o filho durante a jornada de trabalho, nada recebeu durante o período que ficou no hospital após o parto e, ao retornar à oficina, voltou a trabalhar imediatamente.

Além das péssimas condições dos alojamentos, que incluíam sujeira, infiltrações, instalações sanitárias precárias e irregularidades na rede elétrica, os costureiros eram submetidos a jornadas que variavam entre 14 e 17 horas por dia.

Os empregadores restringiam até mesmo a locomoção das vítimas, que só podiam deixar a oficina para resolver assuntos pessoais mediante autorização prévia. Segundo a denúncia do MPF, Cesar não costumava autorizar a saída dos trabalhadores do estabelecimento quando havia muitas encomendas e o prazo estava “apertado”.

Os costureiros recebiam em média R$ 3 por peça produzida e ainda pagavam com sua força de trabalho pelas passagens utilizadas para virem da Bolívia, em uma situação de servidão por dívida.

Além disso, os empregadores limitavam o uso dos salários, coagindo os funcionários a adquirirem bens essenciais na própria oficina, bem como controlavam o acesso à comida, mantendo os alimentos em uma dispensa trancada com correntes e cadeados.

“Somente com muitas horas de trabalho os costureiros conseguiam auferir algum ganho, após descontados os valores de habitação e alimentação, descontos estes que sequer eram percebidos pelas vítimas”, afirma a denúncia.

Terceirização e quarteirização

A oficina costurava roupas exclusivamente para a Gregory e para a marca Belart, da empresa WS Modas Ltda., que pertence ao coreano Won Yong Paek, também denunciado.

A WS Modas funcionava como intermediária na cadeia produtiva, pois, apesar de contratada como fornecedora direta da Gregory, não possuía capacidade técnica para confeccionar o volume de peças encomendadas e por isso quarteirizava a produção para a oficina de Cesar e Jorge.

O mesmo acontecia com a empresa de propriedade da denunciada Patricia Su Hyun Ha, contratada como fornecedora da Gregory, ainda que não possuísse máquinas de costura e empregados para a confecção das vestimentas.

A empresária intermediava a subcontratação de outras três oficinas, localizadas na Vila Dionísia, na zona norte da capital e em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, as quais utilizavam mão de obra informal. Ao todo, 12 bolivianos atuavam nos estabelecimentos, que produziam exclusivamente peças da Gregory.

Nos locais foram encontradas infiltrações, instalações sanitárias precárias e irregularidades na rede elétrica, com grave e iminente risco de incêndio. As péssimas condições dos espaços de trabalho e moradia – que se confundiam – ameaçavam a saúde e a segurança dos empregados que, além disso, trabalhavam cerca de 15 horas por dia.

 Tanto Patrícia quanto Won declararam que desconheciam as condições em que as atividades eram prestadas, pois não realizaram vistoria nas oficinas contratadas. Para o MPF, isso evidencia que os denunciados assentiam ou, ao menos, aceitavam o risco de tomar serviços de pessoas submetidas a circunstâncias degradantes de trabalho.

 Segundo a denúncia, as provas colhidas reforçam a responsabilidade direta da Gregory e de seus donos pela exploração de trabalhadores em condição análoga à de escravo, por meio da utilização de oficinas de costura subcontratadas.

 “Os responsáveis legais da Gregory ocupavam o topo de uma cadeia quarteirizada de produção de peças de vestuário, intermediada pelas empresas de confecção WS Modas Ltda. e Patricia Su Hyun Ha Ltda.. As oficinas inspecionadas prestavam, na verdade, serviços encomendados pela Gregory, sendo ela a real empregadora das vítimas resgatadas”, destaca o documento.

Outro lado

A Gregory disse, em nota, que “repudia toda forma de exploração do trabalho e que seus sócios ainda não tinham conhecimento do recebimento da denúncia na ação penal”. A empresa conta que os trabalhadores resgatados “nunca trabalharam para a Gregory” e que não tinha conhecimento sobre a contratação deles e sua situação nas oficinas contratadas por fornecedoras. 

“A empresa aguardará os trâmites regulares do processo e tem certeza da absolvição de seus sócios”.