Do vinil às bandas dos anos 80: como a nostalgia sacode as emoções e o bolso?

Buscas por termos como disco de vinil mais do que dobram em 10 anos, segundo o Google

Anna França

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A nostalgia sempre fez parte da história da humanidade. Atire a primeira pedra quem nunca disparou: “no meu tempo…” Sob a era da internet e das redes sociais, esse comportamento ganhou outras dimensões. Chegamos no momento em que as gerações passadas têm registros reais para mostrar aos filhos como uma música ou um filme marcaram época. E a inteligência artificial turbinou as possibilidades, como na recente propaganda da Volkswagen, que trouxe de volta Elis Regina (1945-1982) cantando ao lado de sua filha, Maria Rita.

Só para se ter uma ideia de como saudade não tem idade, as buscas pelo termo “disco de vinil” cresceram 160% no Estado de São Paulo de 1º de janeiro a 31 de julho de 2024, na comparação com o mesmo período de 2014, segundo levantamento do Google ao InfoMoney. O termo vitrola, por exemplo, cresceu 40% em igual período. As buscas por jogos antigos aumentaram 100%, e jogos de tabuleiro 75%.

O jogo Genius, que foi febre entre as crianças do anos 80 e relançado em 2012, teve suas buscas elevadas em 35%. Segundo o Google, São Paulo é o estado do Brasil com mais interesse de busca por disco de vinil, vitrola, loja de discos de vinil e sebo de vinil, desde o início da série histórica do Google Trends, em 2004.

No Brasil e em São Paulo, as buscas no Google por disco de vinil costumam aumentar em dezembro, mês em que também há mais buscas pelo assunto presente, por causa do Natal. Dezembro de 2023, por exemplo, foi o mês com mais interesse por disco de vinil no estado desde 2007.

Gatilho bem explorado

Para o especialista em tecnologia e inovação, Arthur Igreja, a saudade sempre foi um gatilho explorado pelo marketing e, nos últimos tempos, passa por uma nova onda. “Séries como a Stranger Things, Wandinha, entre outras, trouxeram de volta músicas que marcaram época. E isso atrai um público que não viveu aquilo, mas que ‘descobre a novidade’ e acaba por se conectar com seus pais, criando uma onda retrô”, explica. O crescimento de turnês lucrativas de artistas como Paul McCartney, Elton John, Titãs e Paralamas são a prova disso, bem como o fato de Bonnie Tyler ter atingido a marca de 5 milhões de streamings.

“A evolução trazida pela Inteligência Artificial, internet e redes sociais ajuda a dar uma nova roupagem ao assunto e aquilo vira ‘cool’”, diz Igreja. Além disso, a separação das gerações –  que ficou muito forte desde a década de 50, onde se estabeleceu diferenças entre infância, adolescência, juventude e fase adulta – agora, de alguma forma, está pacificada. Assim, a frase “no meu tempo”, que antes era uma coisa de velho, ganhou novos contornos, segundo Igreja.

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Ao usar momentos e produtos que marcaram época, o marketing consegue conectar não apenas as gerações anteriores, mas também mobiliza os millennials. “É uma estratégia que transcende gerações, trazendo de volta paixões por Mamonas Assassinas, Castelo Ra-Tim-Bum e chiclete Bubaloo”, salienta Samuel Pereira, especialista em audiência e posicionamento e fundador do SDA Holding

O grande sucesso da nova onda de nostalgia é que ela ativa a sensação de bem-estar para a maioria das pessoas, na opinião de Eduardo Rodriguez, CEO da agência M.SEO Marketing. “É a sensação de recuperar o irrecuperável, que é o passado. Para as marcas, isso pode ser muito valioso, porque ativa a lembrança de felicidade e pertencimento, acabando por fidelizar ainda mais os clientes”, frisa.  

Longa história

Para a chefe de estratégias digitais e conteúdo da Textual Comunicação, Pâmela Carvalho, o marketing de nostalgia não é exatamente uma coisa nova. “O retrô já vem sendo usado como estética no marketing há muitos anos, e o objetivo é gerar conexões impulsionadas pela memória afetiva”, explica. Apesar de não ser um conceito novo, a especialista acredita que estamos presenciando um novo “boom” deste tipo de marketing.

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Segundo Carvalho, o fenômeno pode ter sido impulsionado por dois fatores. O primeiro foi provocado pelas crises da pandemia e econômica, além dos conflitos armados recentes, entre Rússia e Ucrânia.  “Viver o presente pode parecer desafiador, especialmente para os mais jovens, e o futuro é incerto. Nessa equação, resgatar boas lembranças do passado é extremamente convidativo”, diz ela, citando a onda “nostalgiacore”, uma tendência do TikTok que reflete bem isso, com vários vídeos resgatando comportamentos, fotos, músicas e objetos de décadas anteriores, especialmente dos anos 2000.

O segundo fator vem da  jornada multicanal, uma dinâmica das redes sociais que amplia o alcance de novos comportamentos de uma forma sem precedentes, transpondo o individual para o coletivo em uma velocidade extremamente rápida, de acordo com Pâmela. Assim, cria-se uma onda onde algumas pessoas postam sobre um tema, o alcance cresce muito rápido e vira uma trend, surgindo o desejo de pertencer a esse movimento. Um bom exemplo disso é a febre das câmeras digitais, segundo a especialista. “Muitos jovens da geração Z, que sequer usaram as câmeras no passado, pois já nasceram na era dos smartphones, estão fazendo registros com os aparelhos e inserindo as hashtags #cameradigital e #cybershot, que já somam mais de 200 mil menções no Instagram.”

Mas é preciso saber amarrar passado, presente e futuro, tornando as mensagens coerentes para o mundo atual com um quê de inovação, segundo Pâmela. Com a dosagem certa, outro ponto fundamental é delimitar o que é nostálgico e o que é velho. “O filme Barbie, de 2023, é um exemplo positivo, pois impulsionou a memória afetiva e, ao mesmo tempo, trouxe à tona temas reais e relevantes ao debate atual”, exemplifica a especialista.

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Veja itens do passado buscados no Google

  1. Entre 1º de janeiro a 31 de julho de 2024 em relação ao mesmo período de 2014
AssuntoBrasilUF de São Paulo
Disco de vinil+25%+160%
Vitrola+5%+40%
Fonte: Google Trends
AssuntoBrasilUF de São Paulo
Loja de discos de vinil+10%+5%
Jogo antigo+100%+100%
Jogo de tabuleiro+55%+75%
Jogo Genius+40%+35%
Fonte: Google Trends

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro