A nova cara dos shoppings: escolas, clínicas e grandes eventos ganham espaço

Fechamento por causa da pandemia acelerou tendência de renovação global que já ocorria, com mais serviços e espaços e eventos de lazer

Estadão Conteúdo

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Os shopping centers estão sempre se reinventando. Com as lojas físicas fechadas durante meses por causa da pandemia, essa tendência de renovação se acentuou, e agora com a reabertura total do comércio, o que se vê é o surgimento de um shopping de cara nova.

Essa cara repaginada dos empreendimentos vai da mudança do mix de lojas, incluindo mais prestação de serviços, como restaurantes, escolas e clínicas médicas, a espaços de lazer para crianças e animais de estimação. Uma nova onda também ganhou força, a de grandes eventos e exposições relacionadas a artistas como Van Gogh, Renoir e Miró e até sobre o mundo da Disney.

A virada de chave dos shoppings também inclui investimentos em tecnologia, como aplicativos e assistentes virtuais. A intenção é facilitar a vida do consumidor, coletar dados sobre os clientes e fazer a ponte entre quem quer comprar e quem quer vender. Mesmo com o avanço do comércio online na pandemia, o foco é trazer os consumidores fisicamente para dentro dos empreendimentos.

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“A proposta do shopping como centro de compras está sendo substituída por centro de convivência”, afirma o consultor Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls. Ele diz que essa mudança é global e já ocorria antes mesmo da crise da Covid-19, mas foi acelerada por ela.

O que está acontecendo hoje dentro dos shoppings, segundo Marinho, é a maior representatividade do padrão de gastos da população, com avanço da participação dos serviços — que são responsáveis pela maior fatia do Produto Interno Bruto (PIB). Também está havendo um maior equilíbrio no mix dos shoppings entre setores ligados à compra de produtos e ao entretenimento.

Menos vestuário, mais alimentação

Recente estudo feito pela Multiplan (MULT3), uma das gigantes do setor de shoppings do Brasil, mostra o rearranjo nos últimos 10 anos na área ocupada dentro dos empreendimentos da companhia, entre diferentes segmentos.

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As lojas de artigos de vestuário ainda representam a maior fatia da Área Brutal Locável (ABL) dos shoppins, com 32,7% do total no segundo trimestre deste ano, mas essa porcentagem representa um recuo 3,5 pontos percentuais em relação ao mesmo período de 2012. Outro segmento que encolheu foi o de artigos para o lar, com queda de 2,5 pontos percentuais.

Operações ligadas à alimentação avançaram 3,6 pontos na área ocupada. Na sequência vem artigos diversos, que incluem lojas de conveniência (+2,2 p.p.) e serviços, que respondem hoje por quase um quarto da área (+0,2 p.p).

Armando d’Almeida Neto, vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Multiplan, diz que os shoppings sempre acompanharam as grandes tendências de consumo e que talvez as mudanças tenham ficado “reluzentes” por conta da pandemia.

Shopping sai até do nome

O executivo afirma que os shoppings da companhia querem ser um lugar completo, que atenda não só aqueles que vão comprar, mas também os que buscam conveniência, alimentação e diversão.

Um sinal dessas mudanças ocorreu em novembro, quando a empresa inaugurou um novo shopping em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, que se chamaria ParkShoppingJacarepaguá. “Tiramos shopping do nome, que ficou ParkJacarepaguá, porque acreditamos que a palavra não definia o empreendimento”, conta o vice-presidente.

Com 39 mil m² de ABL, o empreendimento tem um parque de 6 mil m² integrado ao shopping, pista de patinação, anfiteatro ao ar livre com telão de 150 m², parque de diversões, espaço para pets, centro de convenções e restaurantes. “O Jacarepaguá mostra que o shopping não é só um paraíso de compras, como era visto décadas atrás”.

No pico da pandemia e com o avanço da digitalização do varejo, Marcos Carvalho, copresidente da Ancar Ivanhoe, outra importante companhia do setor, lembra que o que se ouvia era que os consumidores iriam se afastar das lojas físicas e optar apenas pelo online. Mas isso não se comprovou com o arrefecimento da Covid-19.

“Os consumidores voltaram com muita força para os espaços físicos, e os shoppings acrescentaram vários ambientes de lazer, entretenimento, serviços, conveniência, para que essas experiências de prazer fossem agregadas às compras”, diz Carvalho.

O executivo afirma que o mix dos shoppings do grupo tem se ajustado bastante para atender às novas demandas, com espaços para clinicas de estética e médicas e mais restaurantes, por exemplo, e que os shoppings do grupo devem bater recorde de comercialização de pontos de venda neste ano. “Isso mostra que a loja física é muito importante para gerar experiências”.

Tecnologia e entretenimento

A herança da digitalização acelerada deixada pela pandemia também ganhou relevância dentro da companhia, que está investindo dezenas de milhões de reais em tecnologia nos shoppings, para facilitar a vida do consumidor. O pacote de investimentos do “Shopping 5.0”, como foi batizado o projeto da Ancar Ivanhoe, inclui aplicativo, uma assistente virtual e um hub com informações sobre o perfil dos frequentadores, para promoções direcionadas que se convertem em aumento de vendas.

Pelo aplicativo, o público que frequenta os shoppings do grupo fica sabendo dos eventos — outro pilar dos novos tempos. —, como a exposição de Renoir, no Shopping Pátio Paulista (que teve recorde de visitação), em São Paulo, ou do pintor espanhol Miró, no Shopping Rio Design Barra, no Rio.

No Shopping Eldorado, administrado pela Aliansce Sonae (ALSO3), o lazer e o entretenimento estão entre os principais pilares do negócio. O Mundo Pixar, por exemplo, exposição que ocorre no shopping sobre o universo das produções Disney, trouxe grande fluxo de clientes em meses que geralmente são de menor número de visitantes, diz a gerente de marketing o shopping, Lilian Piva, sem revelar números.

Fluxo de pessoas ganha espaço

Para os lojistas, a introdução de novos segmentos de negócios nos shoppings são extremamente produtivos. “O fluxo de pessoas aumenta e, aumentando o fluxo, seguramente as vendas melhoram”, afirma o diretor de relações institucionais da Associação de Lojistas de Shopping (Alshop), Luis Augusto Ildefonso. Ele diz que os lojistas estão se beneficiando desse novo consumidor que vai ao shopping à procura de serviços (que ocuparam os espaços que ficaram vagos na pandemia).

Segundo o executivo, o fluxo de pessoas nos shoppings tem crescido mês a mês e de forma mais acelerada do que o esperado, mas ainda está abaixo da média pré-pandemia (de 430 milhões de pessoas por mês). Em julho deste ano, por exemplo, o fluxo de visitantes nos shoppings brasileiros atingiu a marca de 397 milhões.

Um dos desafios do novo modelo de shoppings é como monetizar esse novo negócio, diz o consultor Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls. Os shoppings viviam da receita de aluguéis dos espaços e do porcentual sobre as vendas físicas, mas agora o fluxo recorrente de pessoas em busca e serviços também tem valor para o shopping. “O shopping vai virar um canal de mídia, no qual os anunciantes e lojistas vão ter de pagar para administradoras para falar com o cliente”.

A escola vai para o shopping

O contrato de locação do imóvel onde funcionava a Sunrise School estava no fim em 2020. A escola bilíngue de ensino fundamental ficava em uma avenida movimentada de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, e tinha problemas de embarque e desembarque das crianças e também de segurança.

“Como estávamos no meio da pandemia, veio um estalo: será que os shoppings, com muitas lojas fechando, não teriam um espaço maior para alugar para uma escola?”, questionou a sócia e diretora Melissa Fukuda. A partir dessa percepção, a empresária não renovou o contrato e começou a procurar áreas em vários empreendimentos, mas nem todos tinham espaços vagos com as dimensões necessárias.

O “casamento” aconteceu com o Continental Shopping, que fica em São Paulo, na divisa com Osasco. Lá existia uma área de 1,5 mil m², distribuída em 2 andares, que já haviam sido ocupados por um rinque de patinação e por uma agência bancária. “Era um espaço morto”, diz Melissa. Em maio do ano passado, a escola fechou um contrato de locação por 10 anos com o shopping. “É 30% mais caro estar no shopping em relação à rua, mas compensa pela comodidade, segurança e parcerias.”

Os investimentos para dar cara de colégio à área ociosa, com 14 salas de aula e quadra coberta, foi de R$ 3 milhões. Em janeiro deste ano, a escola começou a funcionar  e recebe diariamente 120 alunos, com idades entre 5 e 12 anos.

Se cada pai ou responsável que leva a criança na escola entrar no shopping, serão ao final do mês 2,4 mil pessoas a mais circulando no empreendimento em função do colégio. É um fluxo recorrente de pessoas que podem consumir e ampliar as venda das demais operações.

“Já sentimos um fluxo maior de pessoas, na contramão de outros shoppings”, afirma Agnério Carvalho, superintendente do Continental Shopping. Ele diz que o local também agregou 30 novas operações nos últimos 16 meses, como Casa Bauducco e Sodiê Doces, e a conjugação de todos esses fatores levou a um crescimento de 10% no fluxo de pessoas em agosto, na comparação com 2019 (antes da pandemia).

O Continental é um shopping controlado por uma família, que não tem ligação com grandes grupos, e é o segundo mais antigo da cidade de São Paulo, atrás apenas do Iguatemi, Carvalho diz que ele vem passando por uma transformação pois, além do colégio, em outubro foi inaugurada a terceira academia de ginástica do empreendimento. Em dezembro o local ganhará um cinema “autossustentável”.

“Neste momento, há muito potencial ao trazermos um colégio, a terceira academia e um cinema”, afirma. Mas o executivo diz que isso não significa que o shopping vá deixar de ter lojas, pois os serviços podem agregar uma compra secundária (que traz ainda mais faturamento ao shopping. “Queremos os dois: lojas e serviços”.