Volatilidade tem preço, imprevisibilidade não!

Chegou a hora de o governo impor uma efetiva agenda de corte ou controle do crescimento de gastos, até mesmo para dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal proposto pelo ministro Haddad

Walter Maciel

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No mercado financeiro, volatilidade, por pior que seja, pode ser precificada e hedgeada. Existe até mesmo um índice global, o VIX. O investidor pode comprar ou vender o índice, e as opções de compra ou de venda que possuem alta liquidez, seja para se protegerem de momentos de aversão a risco ou mesmo para obter ganhos com uma melhoria dos mercados.

Mas a imprevisibilidade não tem preço. Imprevisibilidade (ou incerteza) tem custo — e um custo infinito. Ela faz empresários cancelarem projetos, diminui a poupança interna, afasta investimentos e também afugenta investidores de ativos de risco, como ações.  Nada resiste a mudanças nas regras do jogo. Consequentemente, as empresas e as pessoas acabam tendo maior custo de tomar empréstimos, comprometendo o crescimento econômico e a criação de empregos.

É nesse ambiente que estamos vivendo hoje no Brasil. Isso acontece graças à união de dois dos três Poderes – o Executivo e o Judiciário – em decisões que passam por cima do Legislativo e não cessam de aumentar o grau de imprevisibilidade no país.

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A título de ilustração, temos a decisão tomada em fevereiro de 2023 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que considerou que uma decisão definitiva, a chamada “coisa julgada”, sobre tributos recolhidos de forma continuada, perde seus efeitos caso a Corte se pronuncie em sentido contrário. Na semana passada, outra decisão causou perplexidade: a tese de “inconstitucionalidade temporária” da Lei das Estatais para acomodar interesses políticos do governo.

Essa é uma receita perigosa e que tem grandes chances de um final infeliz, porque tem ingredientes que podem criar desequilíbrio entre os poderes – o que já está acontecendo – ou podem induzir o Congresso a gastar muito mais.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), foi uma surpresa positiva para o mercado, com o arcabouço fiscal, a manutenção da meta de inflação, a Reforma Tributária e as várias declarações pró-ajuste das contas públicas. O plano de Haddad até que vinha bem, apesar dos claríssimos sinais de exaustão da capacidade da sociedade de aceitar adicionais aumentos da carga tributária – sinal dado muito claramente, também, pelo Congresso ao governo. Estava implícita a necessidade de se reduzir o tamanho do governo.

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A carga tributária brasileira é, disparadamente, a maior entre todos os mercados emergentes relevantes. É quase o dobro da carga tributária da Índia, que vem surpreendendo o mundo com crescimento acelerado. A carga tributária brasileira em relação ao PIB é maior do que as dos Estados Unidos, da Suíça e do Japão e só é inferior a alguns países da Zona do Euro.

Nem vamos entrar na questão do que o governo faz com os recursos retirados da população trabalhadora, da qualidade e da eficiência de nossos gastos e serviços públicos. É evidente a correlação entre a carga tributária alta e o crescimento medíocre da economia brasileira nos últimos 30 anos.

Insistir neste tema é um indicativo claro de que o governo atual nada aprendeu com o passado. O período de austeridade fiscal no país, nos governos Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022), permitiu um inédito crowding in, com crescimento da taxa de formação de capital fixo bruto; um surto de investimento privado, mais produtivo; e o controle das despesas primárias como proporção do PIB. Também trouxe um enorme aprofundamento do mercado financeiro e aumento do número de investidores. Foram governos que levaram adiante reformas que enxugaram o Estado e contribuíram para o aumento da produtividade. Tudo isso foi muito saudável para a nossa economia e resultou em 5 anos de crescimento acima do esperado pelos economistas.

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O governo atual segue ameaçando a segurança jurídica e econômica, causando ruídos em tentativas vazias de tirar a independência do Banco Central, reverter a privatização da Eletrobras e interferir no Marco do Saneamento ou na gestão da Vale e da Petrobras. Tudo isso traz muito desgaste e é uma enorme perda de tempo.

Em adição aos nossos problemas domésticos, estamos vivenciando uma importante deterioração do cenário externo. Nos EUA, o mercado, ingenuamente, dava como certo um hard landing ano passado; depois, novamente, esperou um soft landing, que também não se confirmou. E, agora, esse cenário é uma grande incógnita, se é que vamos ter algum landing at all.

As mudanças de condições no exterior se somam ao agravamento das tensões geopolíticas, que não parecem ser passageiras. Este cenário demanda um maior prêmio de risco (juros mais altos por mais tempo) das economias emergentes, especialmente aquelas com maior fragilidade fiscal. Um ajuste nas contas públicas se faz ainda mais urgente.

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Estamos em um momento em que é possível dizer que, daqui a 4 ou 5 anos, o Brasil será irreconhecível do ponto de vista do setor externo. O primeiro item da pauta de exportações brasileiras neste ano será o petróleo, confirmando a mudança que temos apontado para o longo prazo, de que o setor externo será transformacional para a economia brasileira. Mas, desde que, no front interno, o fiscal não estrague isso.

Há quase 100 anos, o economista John Maynard Keynes, ao ser questionado sobre se estava sendo incoerente ao mudar de opinião, respondeu: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. E você, o que faz?”.

Chegou a hora de o governo impor uma efetiva agenda de corte ou controle do crescimento de gastos, até mesmo para dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal proposto pelo ministro Haddad.  Ao contrário do que disse o ex-presidente americano John F. Kennedy, em seu discurso de posse em 1961, não está na hora de perguntar o que o povo brasileiro pode fazer pelo Brasil. Chegou a hora de perguntarmos ao Executivo e ao setor público o que eles podem fazer pelo Brasil.

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Em um país onde quase 95% dos gastos são de despesas obrigatórias, não existe outro caminho de ajuste que não passe pelo funcionalismo, pela previdência (desindexando o salário mínimo), pela educação e pela saúde.

O que dizer do retorno do quinquênio do Judiciário, que pretende ter reajuste de 5% a cada 5 anos só por tempo de serviço, independentemente de produtividade ou de quaisquer outros itens meritocráticos? É uma afronta, um insulto à população trabalhadora, especialmente quando observamos a trajetória da dívida pública até os idos de 2027 e 2028, que nos preocupa bastante. Isso vai cobrar um preço caríssimo da população brasileira.

Já estamos convivendo com um cenário de Bolsa em queda e dólar e juros futuros em alta, apesar da inflação sob controle e do déficit atual hoje dentro do esperado.

Como comentei na coluna passada, economia indo bem pode não ser mais um sinal de popularidade em alta. Mas, certamente, uma grande deterioração da economia vai ser mais um fator a aumentar a impopularidade deste governo.

Uma grande desordem econômica, que leve inflação e juros para cima e crescimento para baixo, vai impactar não só o país, mas também um governo escolhido por uma base de eleitores muito mais ampla do que a base típica do PT, que até agora não procurou pacificar a Nação.

O que vemos hoje é um governo com baixa popularidade apelando o tempo inteiro ao Judiciário para que se envolva em matérias legislativas, para tentar de alguma maneira consolidar sua agenda. Isso tudo contra a vontade de um Congresso majoritariamente conservador e eleito diretamente pelo voto popular.

Temos um Congresso que pode não ser o que gostaríamos e tem suas brigas comezinhas por aumentos de emendas – essas emendas que também são responsáveis por uma parte (pequena) do nosso desequilíbrio fiscal –, mas que tem feito importante trabalho em evitar retrocessos institucionais, inclusive em medidas que levariam a um ainda maior descontrole das despesas.

Esse posicionamento do Congresso Nacional tem sido importante para evitar maior desequilíbrio entre os Poderes. Eventual aprofundamento do desse desequilíbrio entre os Poderes ameaçaria a harmonia institucional e poderia acabar com um desfecho negativo para o Executivo, especialmente à medida que avancemos em direção à data das eleições presidenciais, caso a popularidade do presidente não se recupere.

Se eu fosse conselheiro do presidente Lula, eu o sugeriria perseguir uma agenda de contenção de gastos que colocaria o país em uma trajetória fiscal saudável e sustentável, com consequências econômicas muito positivas e que contribuiria para o aumento de sua popularidade. Afinal, as cicatrizes deixadas pelo período 2011-2014 ainda não foram superadas pelo país. Repetir tal experiência seria uma loucura!

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Walter Maciel

CEO da AZ Quest desde 2011