O erro estratégico do Brasil: como fomos do protagonismo ao isolamento — e como virar o jogo

No momento em que os EUA, diante do esgotamento do modelo liberal, resolveram reescrever as regras do comércio global, o Brasil escolheu o pior papel possível

Walter Maciel

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O presidente dos EUA, Donald Trump, assinou o decreto que sobretaxa em 50% exportações brasileiras. Houve quase 700 exceções em relação ao que era esperado – a Embraer, derivados de petróleo, minérios, produtos de energia e suco de laranja ficaram de fora. Carne, café e ovos, por exemplo, não escaparam e devem ser redirecionados para a Ásia, a preços menores.

Ainda não se sabe ao certo, mas as estimativas iniciais são de impacto negativo de US$ 5 bilhões nas exportações brasileiras neste ano e dobro disso no próximo. Fora o impacto na inflação, no PIB, na perspectiva de desvalorização adicional do real…  

Haverá perda econômica sim, mas esse não é o maior prejuízo ao Brasil. Antes de sair o decreto, o governo americano sancionou o ministro do STF Alexandre Moraes com a lei Magnitsky, utilizada para impor sanções econômicas a indivíduos acusados pela Casa Branca de violações graves contra os direitos humanos.  Essa é uma medida muito extrema que mostra que a questão não é só econômica, mas também geopolítica.

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No momento em que os EUA, diante do esgotamento do modelo liberal, resolveram reescrever as regras do comércio global, o Brasil escolheu o pior papel possível.  Transformou-se em antagonista em vez de aproveitar a nova redistribuição de poder e de cadeias produtivas para aliar-se ao líder desse redesenho. 

Ficar discutindo agora se o Trump está certo ou errado não parece ser a coisa mais inteligente a ser feita. O Brasil não tem como retaliar os EUA. O único caminho que faz sentido é a pacificação, via diplomacia, via neutralidade, rota da qual o país só se desviou totalmente nos últimos meses.  Mas nada é irremediável.

Fomos ameaçados, não recuamos e estamos sendo duramente taxados. Não éramos alvo. Não estávamos no centro da disputa. Mas insistimos em nos oferecer como adversários — sem força real, sem respaldo internacional e sem qualquer benefício prático.

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O resultado está aí: uma crise que é acima de tudo diplomática com os EUA, talvez a mais séria dos últimos 200 anos. E o mais chocante dessa situação toda é que esta era uma crise totalmente evitável.

O Brasil escolheu provocar os EUA, em vez de ficar neutro ou pelo menos discreto. Resolvemos tomar uma liderança que ninguém sequer pretendia nos dar. Assumimos protagonismo nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na tentativa de promover mecanismos alternativos ao dólar. Em tese, uma ideia legítima dentro de um mundo multipolar. Mas, na prática, uma afronta simbólica à estrutura global de poder liderada pelos Estados Unidos. 

E isso ganhou força justamente no momento em que os EUA decidiam abandonar a complacência e voltar a cobrar pelo acesso ao seu mercado com base em força e reciprocidade, ou seja, subindo o tom. Bem nessa hora, escolhemos liderar a provocação.

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Não bastasse isso, desde o princípio do atual Governo Lula, a política externa brasileira coleciona episódios que expõem um padrão preocupante de antagonismo ao Governo americano. 

Houve o resgate e asilo político concedidos à Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru, em plena investigação judicial local. Também a defesa pública da libertação da ex-presidente Cristina Kirchner, mesmo após condenações por corrupção na Argentina.  O Brasil esteve presente — como único país democrático — em cúpula liderada pelo presidente russo Vladimir Putin; e enviou uma comitiva ao Irã. E, ainda, posicionou-se contra a plataforma X (o antigo Twitter) e a Starlink, colocando em xeque liberdades protegidas pela Constituição americana.

Cada um desses movimentos, por si só, poderia ser administrado. Juntos, produziram um filme clássico de afastamento e entregaram de bandeja os argumentos que os EUA precisavam para retaliar. O Brasil está tendo as exportações taxadas em 50% não por ser mais desleal. Mas por ter se apresentado como antagonista, em vez de parceiro.

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Enquanto o mundo negociava, o Brasil hostilizava. Reino Unido, União Europeia, Japão, Filipinas, Vietnã e Índia buscavam acordos comerciais com os EUA — mesmo sob pressão tarifária. Nem depois de avisos, recuamos. Dobrar a aposta virou rotina. 

A justificativa oficial dada pelos EUA para a retaliação foi como sendo resposta à interferência brasileira na liberdade de expressão, a proteção às plataformas digitais e, mais recentemente, à segurança de ativos de empresas estratégicas americanas.

Mas é ingenuidade achar que as motivações reais sejam apenas essas. Sem dúvidas, a razão de fundo é econômica e geopolítica.  O Brasil buscou interferir em processos que afetam empresas com interesse militar e global na região. Aproximou-se de regimes hostis aos EUA. Tentou se posicionar como liderança de uma nova ordem monetária. Fez tudo o que era necessário para chamar atenção de quem não se provoca gratuitamente.

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Parte dessa escalada antagonista também se explica por um movimento doméstico calculado.

Diante de uma economia com perda de tração, crescente desequilíbrio fiscal, baixa popularidade e isolamento político no Congresso, o presidente Lula optou por adotar uma bandeira nacionalista de confronto externo — não por visão de estadista, mas por conveniência populista.

O gesto pode ter rendido sim algum ganho momentâneo de narrativa. Mas se configura, na prática, como uma “vitória de Pirro”, aquela que tem efeitos prejudiciais ao vencedor. Nesse caso específico, é uma vitória que agrava as tensões com o principal parceiro comercial do Brasil, prejudica setores produtivos exportadores, afasta investimentos estratégicos e compromete a credibilidade externa do país. E, talvez o mais irônico de tudo: ainda faltam um ano e três meses até as eleições, tempo mais do que suficiente para que os efeitos econômicos dessa escolha recaiam sobre quem a protagonizou.

O Brasil não precisava ter assumido esse papel. Não havia vantagem tática, nem retorno estratégico e a diplomacia foi instrumentalizada por narrativas domésticas. Mas ainda há espaço para correção. Desde que se entenda a gravidade e a urgência do momento, o nosso isolamento é reversível.

Como reverter o cenário

Arrisco aqui a dizer o que é preciso fazer. Para começar, restabelecer o pragmatismo externo como norte da política internacional brasileira. Precisamos descontaminar as relações exteriores de disputas internas e agendas judiciais.

Além disso, as lideranças empresariais e institucionais precisam ser mobilizadas em torno de uma pauta estratégica comum.

E o Brasil precisa ser reconectar ao Ocidente; sem submissão, mas com clareza de onde estão os interesses nacionais reais.

Nesse processo, o Judiciário brasileiro tem um papel essencial. Ao garantir segurança jurídica, estabilidade institucional e respeito às liberdades fundamentais, pode ajudar a reconstruir pontes com os EUA e com o mundo, reafirmando o Brasil como uma democracia funcional, comprometida com valores compartilhados.

O Brasil tem vantagens únicas em meio à reorganização global. É uma democracia estável (ainda que com ruídos). Possui energia limpa, escala agrícola e mercado interno relevante. Tem localização estratégica no Atlântico Sul, com potencial logístico e produtivo.  É destino natural para cadeias produtivas que buscam resiliência fora da Ásia.

E, talvez o mais importante de tudo: ainda goza de um nível de tolerância internacional que permite a reabilitação.

O Brasil pode ser parte da solução — se tiver humildade para sair do palanque e voltar à mesa.

O mundo está mudando. A liderança americana já mudou. A janela está se fechando.

O Brasil pode insistir na fantasia de protagonismo rebelde. Ou pode agir como uma nação madura, que entende a diferença entre autonomia e isolamento.

O que está em jogo não é uma disputa ideológica. É a relevância do Brasil no novo mapa do poder global. E, como em toda encruzilhada da história, quem escolher o papel errado pode passar muito tempo tentando voltar ao palco.

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Walter Maciel

CEO da AZ Quest desde 2011