Te disseram que não há déficit na previdência? Estão te enganando

Leonardo Siqueira, editor do Terraço Econômico, analisa os números do sistema de aposentadorias brasileiro e aponta as alternativas para solucionar o rombo da Previdência
Por  Terraço Econômico
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*por Leonardo Siqueira, editor do Terraço Econômico

Os números da Previdência Social em 2016 confirmam: o INSS apresentou um déficit de R$ 149,7 bilhões. Para se ter uma ideia, o orçamento do Bolsa Família em 2016 foi de R$ 28 bilhões. Ou seja, o rombo da previdência é 5,35 vezes os gastos do maior programa social do mundo!

Termos técnicos como déficit e superávit podem fazer o brasileiro compreender a situação da previdência como algo complexo. Não, não é! De maneira simplificada, a previdência funciona assim: uma massa de trabalhadores custeia aqueles que estão aposentados. Se as contribuições são maiores do que os saques, então há superávit. Se os saques são maiores que as contribuições então há déficit.

Em 2015, a contribuição da massa de trabalhadores não foi suficiente para pagar os benefícios dos aposentados: ficou abaixo em R$ 85 bilhões. Em 2016 esse valor foi de R$ 149,7 bilhões e em 2017 espera-se R$ 181 bilhões de déficit. Essa situação pede urgentemente uma reforma da previdência. Sem reforma, o rombo nas contas públicas do país continuará crescendo.

Mas começou a circular a notícia de que o déficit da previdência não é mais do que uma farsa. Segundo os adeptos desta corrente, o governo teria dinheiro – e de sobra – para pagar a aposentadoria dos trabalhadores. Vídeos na internet, textos e gráficos tentam provar que o governo manipula os números.

A ideia é sedutora e por isso cai no gosto da população. Mas será que o governo tem mesmo dinheiro para pagar os aposentados?

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Imagine que um amigo descubra que tenha câncer. Após a confirmação de alguns exames, um médico sugere uma quimioterapia, que é sabida ter fortes danos no curto prazo. O amigo então procura um segundo médico que diz não ser necessário tratamento nenhum. A doença não existe! Oras, é extremamente tentador querer acreditar no segundo médico, aquele que diz que não há doença. Mas crer ou não na doença não fará ela deixar existir, principalmente quando os exames já comprovaram sua presença.

Os “médicos” que dizem que o Brasil não está doente têm o seguinte argumento: não se pode olhar isoladamente para as contas previdenciárias, ou seja, quanto os trabalhadores financiam o INSS e quanto os aposentados recebem deste sistema. O correto seria analisar o orçamento de toda a Seguridade Social. A Seguridade engloba, além das aposentadorias e pensões (a previdência em si), assistência social e saúde. A ideia tem força, pois está na Constituição de 1988.

Nessa forma de cálculo, entra um volume maior de despesas, que vão do SUS ao Bolsa Família. Em contrapartida, as receitas também são muito maiores, porque incluem contribuições sociais criadas para financiar toda a Seguridade, como CSLL, PIS/PASEP e COFINS.

De acordo com essa “metodologia” (com muitas aspas), o rombo do INSS, que em 2015 foi de R$ 85 bilhões, se tornaria em um superávit de R$ 11 bilhões. Que tentador não? Talvez o segundo médico esteja certo…

Não, não está! Este número não é real, pois, aqueles que o utilizam, não consideram nelas três coisas: as desonerações da contribuição previdenciária, a previdência dos servidores da União e Desvinculação de Receitas da Seguridade. Calma, explico.

O governo Dilma desonerou a contribuição previdenciária de vários setores da economia. O cálculo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), principais defensores dessa tese, inclui esses recursos (que não foram arrecadados) como receitas da Seguridade. Ou seja, estão contabilizando um dinheiro que não entrou!

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Além disso, a Anfip não considera as receitas e despesas da previdência dos servidores públicos e militares da União, quando na verdade deveria incluir. Da mesma forma que gasto com professor é de educação, gasto com aposentado, do setor público ou privado, tem que ser Previdência.

Por fim, a Desvinculação de Receitas da União (DRU) permite ao governo usar livremente até 30% da arrecadação de contribuições sociais em áreas que não a Seguridade. A Anfip contabiliza esses recursos como receitas da Seguridade.

A DRU foi criada em 1994 para dar mais flexibilidade à forma como o governo pode gastar os recursos arrecadados com impostos. Isso porque a Constituição prevê que alguns desses tributos são carimbados, ou seja, devem ser destinados para áreas pré-determinadas. A DRU, criada por emenda constitucional, alterou essas regras, permitindo que o governo utilize livremente 20% dessas receitas.

De maneira resumida, a diferença entre os resultados é porque a associação, além de contabilizar volume diferente de receitas, desconsidera algumas despesas em sua metodologia.

Considerar X ou Y nas contas do governo é uma questão contábil e não vai aliviar o fato de que o Brasil apresentou em 2016 um déficit primário total (todas as receitas do governo menos as despesas, excluindo os juros da dívida) de R$ 154 bilhões. 97,0% do déficit graças à previdência. Ou seja, o país está com câncer! E este câncer está crescendo ano após ano.

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Em 2000, a parcela da população brasileira com mais de 60 anos representava 8,2% do total da população. O câncer ainda era pequeno e tivemos um déficit de R$ 10 bilhões. Hoje, essa mesma parcela da população representa 12,1%. Não por acaso, o câncer cresceu e em 2016 esse sistema gerou um déficit de 149 bilhões de reais.

A pergunta que fica é? Quem paga esta diferença?

O contribuinte! Isso porque o governo irá tirar o recurso de outros lugares para alocar nisso. E esse problema vai ficar pior! Hoje, para cada beneficiário há 8,75 contribuintes e tivemos esse rombo. Em 2050, para cada aposentado haverá apenas 2,83 contribuintes. É necessário mudar….

Para isso, a sociedade – pois é ela quem irá decidir qual caminho a seguir – tem três opções para apoiar, não mais do que isso:

  1. 1- Ou se aumenta o tempo ou a parcela que a força trabalhadora contribui durante o tempo de serviço;
    2- Ou se reduz o valor do benefício dos aposentados;
    3- Ou a sociedade não escolhe mexer na primeira nem na segunda opção, pois consideram isso um “direito”. Nessa opção será o contribuinte que vai pagar essa diferença.

A primeira opção é o que a reforma da previdência está tentando fazer, aumentando o tempo de contribuição com uma idade de aposentadoria maior. A segunda opção é juridicamente ilegal. E a terceira é a que a sociedade irá escolher se optar por não fazer a reforma, como sugerem alguns grupos da sociedade.

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Acontece, que com essa terceira escolha – mesmo que não se queira – a sociedade estará mexendo no dinheiro da saúde, no dinheiro da educação e no dinheiro da segurança pois é de lá que o dinheiro irá sair, uma vez que o orçamento é limitado.

Infelizmente o Brasil está com câncer. E, mesmo que o tratamento seja doloroso, é melhor os brasileiros acreditarem no médico que deseja prescrever um tratamento do que na ideia sedutora de que nada está errado. Não caiam na tese de que o déficit da previdência é uma farsa. Esta é a maior farsa de todas. Até porque, reitera-se: dizer que o problema não existe não fará com que ele desapareça.

Terraço Econômico O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.

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