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Cassinos: demoraram para legalizar ou ainda estamos em 1946?

Para arracadar impostos o governo estuda até legalizar os jogos de azar no Brasil. Hoje o blog do Terraço Econômico analisa o monopólio das loterias no país, e principalmente comparando com os cassinos legalizados de Las Vegas.
Por  Terraço Econômico
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

“Gastei muito dinheiro com bebidas, mulheres e carros. O resto eu desperdicei.”
(George Best, um dos maiores jogadores da história do Manchester United)

Imagine que alguns grupos da sociedade, por algum motivo, acreditassem que a água fosse o grande mal da nação. Acreditassem que ela fosse responsável por vícios e destruísse a vida de algumas pessoas. Imagine agora que o governo, com suas melhores intenções, resolvesse proibir o comércio e o consumo de água a fim de extinguir os malefícios desse bem à sociedade.

Evidentemente, nos momentos seguintes, uma vez que é impossível o ser humano parar de consumir água, a água continuaria sendo comercializada mas não através de um mercado legal como anteriomente e sim através de um novo mercado negro. Vendedores de água, antes considerados comerciantes, agora seriam considerados criminosos.

Havendo um aumento das barreiras de entrada para novos produtores dessa indústria em virtude de sua criminalização, este mercado seria composto por alguns poucos agentes. Com poucos players e altas barreiras de entrada esse mercado estaria cada vez mais lucrativo. Haveria o surgimento de algumas facções as quais teriam todos os incentivos para surbornar e comprar diversas autoridades. Práticas antes inexistente nos setor tornar-se-iam corriqueiras e essenciais aos negócios.

Naturalmente, também não seriam raros os casos de suborno a fiscais pelos usuários sempre que se flagrassem esse tipo de “infração”.  A violência inevitavelmente aumentaria entres os traficantes de água, com alguns grupos lutando pelos melhores pontos de venda, e mesmo os usuários passariam a sofrer os impactos dessa guerra ao tráfico de água.

Além da onda de surborno, corrupção e violência, a indústria de água responsável por gerar anteriormente inúmeros postos de trabalho – considerando-se desde os vendedores de filtros até as empresas que produziam os mais diversos “tipos de águas” – passaria a ter grande parte desses empregos extintos.

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Como última consequência, a qualidade da água, que passaria a ser fabricada em lugares clandestinos e irregulares, cairia drasticamente incorrendo em sequelas na saúde da população e fortes efeitos sobre os gastos do governo com hospitais e médicos etc. Em outras palavras, por mais fosse cerceada de boas intenções a simples proibição de um bem poderia gerar efeitos secundários como surborno, corrupção, violência, queda da qualidade do bem e extinção de empregos.

Mas essa parece uma situação um tanto quanto exagerada, certo? Mais ou menos, pois em todos os casos de proibição de algum bem pelo governo, e a consequente tentativa de acabar com um mercado existente, os resultados são incrivelmente semelhantes a isso. Isso porque se baseou na políticas públicas pelas intenções e não pelos resultados obtidos. Com a Lei Seca dos Estados Unidos em 1920? Aconteceu exatamente isso! Com a política antidrogas ao redor do mundo? Também!

Contudo, há outro caso de proibição que nem sempre vem à mente de imediato, mas tem as mesmas consequências práticas. É o caso da proibição dos jogos de azar.

Datada de 1946, a proibição dos jogos de azar correu sob o governo Eurico Gaspar Dutra. Com a justificativa que tais práticas destruíam a vida dos homens, os cassinos até hoje são proibidos no país. Entretanto, semana passada, no dia 17 de setembro, no frenesi de aumentar a arrecadação, o governo sondou alguns deputados sobre a possibilidade de legalização dos jogos de azar no Brasil. Salienta-se: isso ocorreu durante uma reunião realizada com a presidente Dilma Rousseff, ministros, políticos e líderes da base aliada. De acordo com as contas preliminares, a reintrodução de cassinos (e sua consequente tributação) daria um reforço de, aproximadamente, R$ 20 bilhões no caixa do governo.

A pergunta a ser feita, antes de mais nada, é: por que raios os jogos de azar foram proibidos?

Um breve histórico…

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A exploração de jogos de azar era permitida no Brasil até 1946. A última partida de roleta no país foi realizada no cassino do Hotel Copacabana Palace em 30 de abril daquele ano. Na época, existiam cerca de setenta cassinos e 40 mil trabalhadores na indústria de jogos brasileira.

Anos antes no Rio de Janeiro, no entanto, estabelecimentos luxuosos multiplicavam-se. Um dos mais famosos era o Cassino da Urca. Grandes cantoras, como Carmen Miranda, ganharam fama naqueles majestosos salões. Em Petrópolis, região serrana do Rio, o Palácio Quitandinha foi inaugurado com pompa em 1944, sendo descrito como o maior cassino da América Latina.

Mas para infelicidade de muitos, Eurico Gaspar Dutra proibiu em maio de 1946 os jogos de azar. Curiosamente, a medida foi tomada depois de uma publicação de reportagem no jornal O Globo com o título “as fábricas do vício e do crime. A proibição, por conseguinte, gerou um forte abalo econômico sobre as cidades que viviam, principalmente, do turismo ligado aos jogos, como Petrópolis, Poços de Caldas entre outras.

O monopólio do governo e o submundo dos jogos do bicho…

Ainda  que houvesse justificativa plausível para a probição dos jogos de azar, o governo apresenta um comportamento totalmente incoerente, uma vez que, ao mesmo tempo que não só proíbe esses jogos no país como detém o monopólio desta atividade. É o caso das casas lotéricas, que são os únicos jogos de azar permitidos no Brasil. E, assim como  qualquer atividade humana que conte com um mercado existente, uma boa análise de cunho econômico pode ser bastante reveladora.

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Em primeiro lugar, pelo fato de o governo brasileiro deter o monopólio sobre esse tipo de jogo, destaca-se a total ausência de concorrentes cumpridores da lei no mercado. Mas, a princípio, sem qualquer outro concorrente, a tendência é que as casas lotéricas cobrem preços cada vez maiores sem o risco de perder seus “clientes” para algum cassino ou bingo que possa oferecer tickets mais baratos. Além disso, a qualidade do produto em questão também tende a cair. Oras, mas como? Fraudes. Dada a realidade criminal brasileira, considerando suas proporções e organização, é inevitável que grandes quantias de dinheiro ilícito sejam alvos de lavagem de dinheiro. E a lavagem de dinheiro, por sua vez, nada mais é do que um processo legal e, aparentemente, legítimo usado para fazer o dinheiro do crime parecer lícito.

Além disso, se o monopólio governamental gera jogos de azar a altos preços e sujeitos à fraude, a proibição propriamente dita gera um verdadeiro submundo e dimensão do crime. Sendo ou não proibidos, os jogos de azar serão sempre demandados. Os jogadores aficcionados em algum grau de risco e emoção, certamente não terão seus ânimos detidos pela possível perspectiva de se pagar uma fiança. “Não é porque existem destilarias que as pessoas bebem uísque; é porque as pessoas bebem uísque que existem destilarias”, já dizia o economista Ludwig von Mises. Assim sendo, havendo demanda por jogos de azar, criminosos sedentos por novas fontes de receita irão inundar o mercado.

Las Vegas: sem dúvida, exemplo do subdesenvolvimento econômico…

Vejam o caso de uma cidade que aceitou o mundo dos cassinos e ao invés de lutarem contra isso resolveram se beneficiar disso. Las vegas hoje é conhecido mundialmente como a capital dos jogos de azar, dos cassinos, das despedidas de solteiro. É a Disneylândia dos adultos. Mas essa nem sempre foi a realidade dessa cidade que nunca envelhece. Antes de atrair turistas do mundo inteiro, Las Vegas era apenas mais uma parte do deserto do Estado do Nevada.

No início sendo sendo dominada pelo crime organizado, aos poucos a cidade passou a ser transformada pelos Cassinos. Os primeiros grandes cassinos eram gerenciados ou financiados por figuras da máfia. No final da década de 1960, com a chegada do bilionário Howard Hughes, que comprou diversos cassinos, hotéis e estações de televisão na cidade, corporações legítimas começaram a comprar hotéis-cassinos, trazendo à máfia seu extermínio pelo governo federal ao longo dos vários anos seguintes. Com o jogo liberado no estado, a rede hoteleira aproveitou a oportunidade. Os primeiros começaram a ser erguidos em 1941 e hoje, são mais de 200 hotéis espalhados pela cidade.

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Mas Las Vegas vem se reinventando a cada dia e os jogos não são mais a sua razão de ser. Isso porque dos anos 70 aos dias de hoje, as receitas provenientes dos jogos cairam de 60% para 47% quando a cidade passou a ser centro de grandes eventos. De julho a agosto, Vegas se transforma na cidade dos esportes, sediando os prêmios da Liga Nacional de Hóquei (NHL), lutas do UFC, a liga de verão da NBA e até oficinas de basquete da seleção americana.

Las vegas, exemplo de subdesenvolvimentismo e crime organizado. Brasil exemplo de bom combate aos mercado de jogos.

A liberdade de escolha

Se legalizar os cassinos e jogos de azar possibilita o governo gerar empregos, arrecadar impostos e acabar com esse submundo ainda não forem argumentos suficientes devemos lembrar da liberdade de escolha do indivíduo. George Best, um dos maiores jogadores do Manchester United de todos os tempos sintetizou isso. “Gastei muito dinheiro com bebidas, mulheres e carros. O resto eu desperdicei”, dizia. Além disso, por mais estúpida que possa parecer a decisão de apostar o próprio carro em um par de ás no Poker, a liberdade do indivíduo deve prevalecer. É simples, basta seguir os conselhos de Chico Xavier “Eu permito a todos serem como quiserem, e a mim como devo ser”. Você pode não gostar de algumas, mas não deve interferir na escolha de ninguém se ela não fere a um terceiro.

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Aliás em Economia, justifica-se a intervenção do Estado sobre determinada prática sempre que um terceiro é lesionado pela decisão inicial de um indivíduo. Pois bem. A pergunta, então, a ser feita é: em qual caso a decisão de alguém em jogar nos cassinos interfere na vida de um terceiro? Sinceramente, os autores que vos escrevem não conseguiram pensar em caso algum. O jogo de azar no Brasil, trate-se desta forma, de um crime sem vítima; ou seja, trata-se de uma conduta que não deveria ser banida pela lei em primeiro lugar.

Poderia o leitor argumentar que a família do jogador, na verdade, é quem arcará com as livres decisões de seu membro em uma mesa de blackjack ou roleta. É verdade. Mas, para tanto, aí estão instituições como a moral e a Igreja, que podem controlar os ímpetos do sujeito compulsivo sem quitar de toda a sociedade sua Liberdade de apostar algumas “verdinhas” em saguões iluminados e musicalizados de bons cassinos. Ao Estado, cabe a função de garantir que nenhum assaltante se aproveite e surrupie algumas fichas da gentil e bondosa senhora sentada à mesa do bingo.

Em suma, ser livre também implica em ser livre para errar. Ou para contar cartas, quebrar a banca e ganhar muito dinheiro.

Como bem diria Nelson Rodrigues, subdesenvolvimentismo não se improvisa: é o resultado do esforço de séculos. O Brasil tem agora dois caminhos a serem percorridos. Ou seguimos o exemplo de Las Vegas e Macau e, pelo respeito às escolhas individuais do cidadão, gerar empregos e aumentar a arrecadação com esse setor; ou podemos continuar a ser o país do jogo do bicho, do submundo dos caça níqueis e do monopólio governamental. Está na hora de começarmos a julgar as políticas públicas pelos seus resultados e não por suas intenções.

 

Leonardo de Siqueira Lima
Economista pela FGV e desejo de jogar blackjack sem ser considerado um criminoso

André Perez Bollini
Graduando em Administração de Empresas pela FGV e defensor ávido do Liberalismo

Terraço Econômico O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.

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