Value investor precisa aprender a olhar para a macroeconomia, diz estrategista-chefe da XP

Segundo Fernando Ferreira, o investidor que olhar apenas para os números das empresas e o seu "valor intrínseco" pode ser pego desprevenido

Nicolas Gunkel

(Crédito: Divulgação)

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SÃO PAULO – Quanto maior a diferença entre o valor intrínseco de uma empresa e o preço pelo qual ela é negociada no mercado, maior a oportunidade para o investidor que olha para o longo prazo. Essa é a lógica básica por trás do value investing, escola de análise fundamentalista popularizada por nomes como Benjamin Graham e Warren Buffett.

“O value investor raiz fica feliz em um momento como esse [de queda das Bolsas], porque agora tem a oportunidade de comprar papéis com 50% de desconto”, explica Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP Investimentos.

“Enquanto muito investidor se assusta e pensa que é hora de vender porque não aguenta mais perder dinheiro, o value investor tem a cabeça de longo prazo e aproveita esses momentos para comprar mais.”

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Para o estrategista, é justamente em um cenário em que os preços oscilam muito rapidamente que o value investing se torna uma ferramenta poderosa para identificar distorções. “Isso porque não necessariamente o valor muda na mesma rapidez que os preços.”

Nem tudo são flores

Apesar de ser um entusiasta do value investing, Ferreira acredita que levar a ferro e fogo essa estratégia da análise fundamentalista também pode induzir o investidor a alguns erros. O primeiro deles é a tendência a superdimensionar a importância de indicadores das empresas — tais como rentabilidade, fluxo de caixa e qualidade de gestão — e subestimar o cenário macroeconômico.

“Sem dúvidas esses são aspectos extremamente importantes, mas a maior parte do mercado ignorou a parte macro. Desde janeiro, o coronavírus já dava sinais preocupantes na China”, afirma.

O gestor usa como exemplo o setor de shoppings centers, uma das principais vítimas da paralisação do comércio. “Um shopping pode ser extremamente seguro, com bom fluxo de caixa, management excelente. Passou menos de um mês, todos os shoppings estão fechados e a gente não sabe quando vão reabrir.”

A segunda ressalva do gestor é a de que apenas o olhar para o longo prazo característico do value investing não é suficiente para proteger o portfólio do investidor. Para Ferreira, uma gestão de risco eficiente exige diversificação, mesmo que o investidor tenha estômago para um horizonte curto de tempo.

“Muita gente acaba colocando um percentual em renda variável na carteira muito maior do que deveria. E aí quando o mercado cai 50%, as pessoas se assustam ou tem que vender a posição porque vão precisar do dinheiro.”

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Já estava caro?

Embora a paralisação geral da economia tenha tido um efeito brutal em toda a cadeia produtiva, Ferreira entende que o tombo dos mercados nas últimas semanas foi agravado pelo valuation já esticado de boa parte dos ativos de risco no início do ano.

“Muita gente não entendeu porque o mercado estava subindo tão forte. O fato é que isso estava vindo de dez anos, não menosprezando a pandemia”, afirma. O gestor ressalta que o S&P nunca havia caído 20% em apenas 15 dias.

Questionado pelo analista Thiago Salomão, o estrategista rejeitou a hipótese de que o valuation multibilionário de algumas companhias de tecnologia que passam anos sem dar lucro seja um sinal de que os preceitos do value investing mudaram.

Segundo Ferreira, o value investing é mais do que comprar ativos com múltiplos atrativos. “Se você olha para frente e vê aquela empresa ganhando market share em seus setores, e estima que ela pode multiplicar sua receita por até 10 vezes em três anos, você pode enxergar naquele ativo um valor muito maior do que o preço”, explica.

“Não é hora de ser herói”

Ferreira faz coro a uma série de gestores que passaram pelo Stock Pickers na última semana. Segundo ele, após a forte correção do Ibovespa nas últimas semanas, não é hora de bancar o herói e procurar oportunidades “fora do radar”.

“Quando a Bolsa está lá em cima e tudo está caro, você tem que procurar mais e fazer muito dever de casa. Agora [na baixa], não é hora de tentar ser herói, porque há grandes empresas, com caixa e balanços sólidos, que a gente sabe que vão sobreviver e passar por essa crise, e que estão extremamente baratas”, argumenta.

Ferreira reforça que companhias de menor capitalização podem não sobreviver a meses de paralisação. Por isso, olhar apenas para o longo prazo pode ser perigoso.

“Muitas companhias podem ficar no caminho, não conseguir sobreviver porque tem muita dívida, ou precisar de ajuda governamental, porque não sabem quanto tempo vai durar a quarentena. Então não dá para cair nessa armadilha.”

Entre as empresas que ocupam posições de liderança em seus setores, Ferreira acredita que haja “vários papéis com valor atrativo”. No setor de commodities, ele cita a mineradora Vale, que está “negociando a EV/EBITDA de 3,5 vezes”; no setor bancário, o Banco do Brasil se destaca, “com um P/L abaixo de 4 vezes”.

Proteger ou não proteger?

Apesar de defender que o investidor pessoa física tenha ativos de proteção em sua carteira, Ferreira não considera que essa deva ser uma preocupação obrigatória de gestores de fundos de ações.

Para ele, opções podem comprometer a performance do fundo no longo prazo e até criar redundâncias na carteira do investidor.

“Se você coloca seu dinheiro em um fundo de ações, não faz sentido aquele fundo ter proteção porque ele sabe que você está colocando um percentual do seu patrimônio nele”, explica.

Segundo o estrategista, o investidor pode proteger um portfólio mais arrojado com ativos de renda fixa, ouro, ações defensivas e derivativos — desde que conheça bem esses instrumentos.

Um pé lá fora

Ferreira também chamou a atenção para o home bias do brasileiro nos investimentos.

Ao aplicar todo o seu dinheiro no país, o investidor não apenas fica mais vulnerável à depreciação do câmbio, como também restringe seu cardápio a cerca de 1% do mercado mundial de ações.

“Se você é uma pessoa que gosta de fazer uma viagem internacional por ano, provavelmente tem um percentual relevante dos custos anuais dolarizados”, ressalta.

Segundo Ferreira, esse isolamento é particularmente preocupante porque impede o brasileiro de se expor a um dos setores mais promissores da economia: o das empresas de tecnologia. “Infelizmente, nosso setor de tecnologia na Bolsa [brasileira] é muito pequeno”, lamenta. “No pós-crise está muito claro que esse vai ser um setor ganhador. Acho que isso ninguém discute.”

Ele ressalta que a crise tem intensificado o uso de tecnologia por parte das empresas, que precisam manter suas atividades remotamente. “A gente está fazendo reunião via Zoom.

Muitas empresas vão perceber que gastar fortunas para viagens de negócios para duas reuniões não faz muito sentido. As viagens de negócios vão reduzir drasticamente depois da crise”, afirma.

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Nicolas Gunkel

Nicolas Gunkel é jornalista pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e editor de Conteúdo no InfoMoney