Acabou ou cai mais? Chefe de análise da XP diz o que espera da Bolsa agora

Fernando Ferreira: há duas razões principais para a mudança de tendência dos últimos pregões. O investidor que não se atentar a elas pode perder o bonde

Nicolas Gunkel

O Ibovespa teve dois dias seguidos de alta pela primeira vez desde o início de fevereiro e abriu pelo terceiro dia consecutivo em alta. Nos EUA, o Dow Jones teve a maior alta desde 1933. Esse é um sinal de que o pior da crise já passou? Não necessariamente.

Para Fernando Ferreira, chefe da área de análise da XP Investimentos, há duas razões principais para a mudança de tendência dos últimos dois pregões. Se analisadas isoladamente, contudo, elas podem iludir o investidor mais desatento.

Ferreira foi o convidado do Coffee & Stocks desta quinta-feira (26) e conversou com o analista Thiago Salomão sobre sua visão para o futuro do mercado de ações.

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Porque caiu…

Segundo Ferreira, um dos motivos da alta recente dos mercados globais passa por uma correção natural.

“Depois de fortes quedas, é normal ver fortes altas. Mas isso não necessariamente significa que tenhamos chegado ao vale da Bolsa (quando os preços estão mais deprimidos). Pode ser o início de um processo de bottom, pois é normal que haja essa volatilidade elevada depois de uma queda tão brusca como a que tivemos”, pontua.

Ou o cenário mudou?

Dito isso, o outro elemento responsável pela forte recuperação dos últimos dias foi a resposta mais incisiva de autoridades monetárias e governos de diferentes países. “Em 2008 deixaram os bancos quebrarem, e isso exacerbou demais a crise. Hoje essa discussão já passou, e está muito claro para os governos que não dá para deixar as empresas quebrarem, porque o efeito na economia é muito maior e mais prolongado”, defende Ferreira.

Segundo ele, a recessão de 2008 provou a importância do socorro do governo a empresas em momentos de crise. “A recuperação depois disso é muito mais rápida”, ressalta.

O governo americano aprovou ontem um pacote de US$ 2 trilhões, que inclui auxílio a empresas e famílias. Cada americano receberá um cheque de US$ 1200 e US$ 500 adicionais para cada filho. A cifra representa 10% do PIB dos EUA.

Outros países têm seguido na mesma direção. A exemplo dos EUA, a Alemanha está discutindo um plano fiscal de auxílio de 750 bilhões de euros, que também equivale a 10% do PIB alemão. “Ou seja, os governos estão ativos em anunciar grandes pacotes fiscais”.

Ferreira conta que conversou ontem com um economista global de um banco estrangeiro, que lhe apresentou o seguinte raciocínio: “Ele disse que não esperava que os pacotes seriam desse tamanho, e já excluíram o risco do pior cenário possível – o de recessão, com falências de empresas não conseguindo se levantar. O mundo deve se recuperar 60% do que caímos ainda em 2020 e voltar ao normal em 2021”, projetou, reforçando que a razão para essa melhora serão os pacotes anti-crises apresentados nos EUA e na Europa.

Pode cair mais?

Apesar de um cauteloso otimismo, Ferreira não descarta a possibilidade de novos tombos pela frente. “A bolsa caiu pouco mais de 40% do pico, mas quando olhamos para os últimos 30 anos, e como as bolsas reagiram em períodos de recessão global, vemos elas caírem entre 50 e 60%. Ou seja, poderia cair mais”, argumenta.

O que vai determinar isso, segundo ele, é a velocidade com que os governos e cientistas vão conseguir atuar no combate à pandemia daqui em diante. “Se a economia não voltar ao normal em 2 e 3 meses, o estrago será muito grande para a economia e a bolsa pode cair mais”.

E o Brasil nessa história?

Como não poderia deixar de ser, o Brasil tem suas peculiaridades nessa conjuntura. Ferreira ressalta que, diferentemente de outros países, o pacote anunciado até aqui é mais modesto, de apenas 2% do PIB. “O tamanho da ajuda aqui precisa ser maior, mas também temos uma restrição fiscal maior. Os EUA têm uma maquininha que imprime dólares, aqui não”, diz.

Apesar disso, o estrategista vê algumas boas oportunidades no horizonte, visto que a Bolsa brasileira foi a que mais caiu quando precificada em dólar. “Existem papéis que estão muito baratos. Por exemplo, o Banco do Brasil chegou a ser negociado a menos de 4 vezes o lucro há dois dias”, afirma.

Segundo ele, há várias ações que se encontram em situação semelhante, com múltiplos muito atrativos. Em uma das lives com Salomão no início da semana que vem, a analista Bettina Roxo irá dizer quais papéis são esses. Para participar de graça, basta clicar aqui.

Apesar de acreditar que muitos ativos estejam negociando a preços descontados, Ferreira deixa um alerta. “A mensagem que temos dado é de que não adianta tentar ser herói, só porque um papel caiu 90%. As pessoas acham que é uma oportunidade de compra sem conhecer a empresa, sem mesmo fazer o dever de casa. Você precisa estudar. Se a crise dura mais tempo, será muito duro para algumas empresas”, aconselha.

Mais do que nunca, segundo ele, é o momento de focar em empresas sólidas e de qualidade, que terão mais resiliência caso a crise venha a se alongar.

Crise de crédito?

Um espectador perguntou a Ferreira qual a sua opinião sobre um possível efeito cascata de falências no país, o que poderia afetar todo o mercado de crédito. Segundo o estrategista o mercado de crédito já está “bastante estressado”.

“Pelas nossas conversas com bancos e empresas, vemos que, apesar dos anúncios do governo, os bancos já estão segurando crédito. Muitas empresas já estão enfrentando dificuldades para rolar suas dívidas”, afirma. Para ele, esse cenário mostra a necessidade de o governo ser mais ativo.

Porém, um estudo feito pela XP mostra que o nível de alavancagem das companhias que compõem o Ibovespa é mais baixo hoje do que anos atrás. Desde 2015, essas empresas viram a relação entre a dívida líquida e o Ebitda cair, em média, de 7,0 para 2,5 atualmente.

Segundo o levantamento da corretora, os setores mais sensíveis ao endividamento são as companhia aéreas, varejo, bancos e distribuição de combustíveis. Mesmo assim, o risco será potencialmente maior para companhias privadas e menores, que “têm acesso mais restrito ao mercado de crédito”. Você pode ver quais empresas estão mais e menos alavancadas aqui.

Vai bater na inflação?

A curva de juros futuros abriu nos últimos dias, o que pode ser interpretado por alguns como uma expectativa de aumento da inflação. Para Ferreira, contudo, isso não significa necessariamente que o mercado esteja trabalhando com a Selic (taxa básica de juros) no patamar de 10%.

“A curva de juros está precificando um prêmio de risco muito alta. Isso significa que os fundos tomaram posição de juros projetando um empinamento da curva, que reflete um cenário de estresse. O BC sabe que cortar os juros agora não vai vai fazer a economia voltar, e o câmbio só iria continuar subindo”, argumenta.

O estrategista considera improvável que a inflação possa subir de forma consistente em um cenário recessivo. Segundo ele, a capacidade ociosa da economia brasileira tende apenas a aumentar a partir de agora. “É normal que produtos como o álcool gel possam subir de preço. Mas inflação constante no Brasil? Difícil de imaginar”.

A entrevista de Ferreira faz parte de uma série de conversas do Stock Pickers com os maiores especialistas em ações do Brasil. Para assistir a uma série inédita de 6 videoaulas com os principais gestores e analistas do setor, basta clicar aqui.

Nicolas Gunkel

Nicolas Gunkel é jornalista pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e editor de Conteúdo no InfoMoney