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Transformando suor em ouro – ou, melhor, em PIB

Assim como não se constrói uma equipe campeã com apenas uma virtude, nenhum país vai se desenvolver de fato somente com juros baixos
Por  Guilherme Cadonhotto -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Quero falar hoje sobre um livro que estou lendo: Transformando suor em ouro, de Bernardinho, ex-técnico das seleções masculina e feminina de vôlei do Brasil.

O livro foca no que é necessário para se alcançar o sucesso no comando de uma equipe, seja no meio esportivo, seja no meio empresarial.

Gostei de alguns conceitos passados na parte inicial do livro: não existem talentos natos dentro de um grupo; controle o ego, ou o conceito de grupo estará destruído; a derrota não tem um sabor tão amargo se você deu o seu melhor para alcançar a vitória, entre outros.

Um dos pontos altos da leitura é quando Bernardinho apresenta o conceito de “roda da excelência”, que ele mesmo criou com base em um estudo de John Wooden, ex-jogador e treinador de basquete, chamado “Pirâmide do Sucesso”.

Para Wooden, era necessário organizar uma estrutura baseada em valores para estimular uma equipe.

Bernardinho se agarrou ao conceito e, com anos de estudos, desenvolveu a sua roda da excelência, para desenvolver a qualidade de uma equipe ou manter essa qualidade permanentemente elevada, algo que incluía conceitos importantes como motivação, comprometimento, disciplina, ética, trabalho em equipe e liderança.

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Em minha vida como analista de investimentos e economista, não pude deixar de fazer um paralelo com o Brasil.

Como economistas, sempre estamos em busca dos sinais que mostrem o sucesso de um país, ou seja, crescimento sustentável do PIB, redução da desigualdade, diminuição do desemprego, aumento da produtividade e da qualidade de vida, entre outros vários indicadores.

A verdade é que existe uma série de pré-requisitos para que os objetivos de um país sejam alcançados, exatamente como os requisitos pontuados por Bernardinho na construção de uma equipe bem-sucedida.

A diferença é que não estamos buscando vitórias e campeonatos, mas crescimento e aumento da qualidade de vida para todos.

Recentemente, grande parte dos economistas e analistas de investimentos passou a dizer que a economia brasileira vai decolar e crescer pelos próximos anos de maneira sustentável, e isso me incomoda. Não pelo fato em si, mas pelos motivos pelos quais acreditam que isso vai acontecer.

Dizem isso como se o juro, hoje em 2% ao ano, fosse o único fator para o crescimento de um país. E posso afirmar: ele não é.

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Existe um indicador interessante, elaborado pelo Banco Mundial, que nos possibilita ver quais são os entraves ao crescimento de empresas em um determinado país – e, consequentemente, os entraves ao crescimento do Brasil.

Divulgado anualmente, o indicador em questão é o Ease of Doing Business ou somente Doing Business – em tradução livre para o português, algo como a “facilidade para fazer negócios”.

É um agregado de dez índices para verificar qual é essa “facilidade” em se fazer negócios em uma determinada economia.

Alguns dos índices são: tempo necessário para se abrir uma empresa; facilidade de acesso à eletricidade; facilidade e custo do crédito; facilidade em se calcular e pagar impostos, e por aí vai.

Imagino que você agora já tenha uma ideia de que os conceitos que citei vão bem além do juro da nossa economia, né?

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E sabe o que é mais interessante? Existe uma correlação muito forte entre os países que estão mais bem posicionados no ranking do Ease of Doing Business e no ranking de desenvolvimento.

De um total de 190 países, o Brasil, que figura entre as dez maiores economias do mundo, está na posição número 124, uma colocação vexaminosa dada a nossa representatividade no cenário econômico mundial.

Estamos atrás de países como Somália, Uganda, Guatemala e vários outros com menor representatividade na cena econômica mundial.

Quer um dado ainda mais alarmante com relação ao Doing Business? O tempo que as empresas brasileiras levam para calcular e pagar impostos nos coloca na posição de sexto pior país do mundo nesse indicador. Isso para mostrar a complexidade de nosso sistema tributário.

As empresas brasileiras levam em média 1.500 horas por ano para calcular e preparar os pagamentos de impostos no Brasil. Isso é quase 70 vezes mais do que o que levam as companhias do primeiro colocado do ranking Doing Business, Bahrein, com um indicador médio de 23 horas por ano por empresa.

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E você ainda acredita que somente o juro baixo vai ser suficiente para que as empresas e, finalmente, o Brasil consigam crescer e prosperar?

Para que isso acontecesse, seria necessário que o Brasil continuasse caminhando incessantemente na direção das reformas; uma delas, a mais urgente de todas, a tributária.

Mas, pelo que já vimos na proposta apresentada, boa parte dos problemas tende a continuar aí. Vamos seguir, por exemplo, não cobrando por aumento no valor agregado de um bem, como é feito em países desenvolvidos ao redor do mundo.

A situação toda lembra o caso do México, que em 2002 estava em uma situação semelhante à do Brasil atual. Vale ressaltar que busquei essa comparação inspirado pela menção nas redes sociais de Leonardo Siqueira, economista e fundador do Terraço Econômico.

Lá pelo início dos anos 2000, o México reduziu sua inflação de mais de 100% ao ano para o patamar de 4% ao ano, e os juros saíram de níveis acima de 25% para 3%.

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Lembra o Brasil, não?

Lá, assim como no Brasil de agora, diversas pessoas apostavam em um ponto de virada, que a economia mexicana finalmente ia deslanchar. Mas, como um bom país latino-americano, havia um Congresso extremamente dividido e representado por vários grupos de interesse.

O México, portanto, não entregou a reforma tributária, assim como outras necessárias para aumentar sua produtividade e, de lá para cá, teve um crescimento pífio do PIB, que se equipara ao do Brasil.

Juros e inflação controlados por si só não são suficientes para alavancar o crescimento de um país.

O Brasil precisa focar em ações que aumentem sua produtividade e ajudem a acelerar seu crescimento, como uma reforma tributária eficiente, a redução de subsídios para setores ineficientes da economia e a abertura comercial do país.

Acredito que, assim como Bernardinho implementou nas suas equipes um método para alcançar o sucesso, uma série de fatores também é necessária para alcançarmos o objetivo de ter um ritmo de crescimento e desenvolvimento pujante na nossa economia.

E não é difícil identificá-los, alguns já estão bem mapeados no Ease of Doing Business.

Enquanto o Brasil não focar na resolução desses problemas, qualquer crescimento vai ser comparado a algo como um voo de galinha: rápido e curto.

E você, será que consegue imaginar o Bernardinho como presidente da Câmara dos Deputados ou do Senado? Será que ele rasgaria a sua camisa em um típico ataque de nervos como nos tempos de quadra, quando percebesse que cada deputado, senador ou representante do governo não está dando tudo de si para levar este país para a frente?

Na minha opinião, a reação dele seria até pior. Afinal, os pontos primordiais que o ex-técnico cita para a construção de uma boa equipe que consiga atingir bons resultados são comprometimento, superação, trabalho em equipe e, é claro, um objetivo em comum.

Abraços,

Gui Cadonhotto

Guilherme Cadonhotto Especialista em renda fixa da Spiti, técnico em Administração de Empresas e bacharel em Economia. Atuou na mesa de operações como trader de renda fixa na SulAmérica Investimentos e como analista de investimentos na asset da Porto Seguro. Acredita que simplicidade e bom humor, sempre presentes em suas publicações e vídeos, são essenciais para tornar a informação e a compreensão dos conteúdos de investimentos mais acessíveis a todos.

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