Como as redes sociais estão respirando os últimos anúncios do Tarifaço

O debate bateu cerca de 600 milhões de visualizações, expondo cerca de 70 milhões de usuários

Renato Dolci

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O “Liberation Day Tariff” de Donald Trump, alíquotas de até 50% sobre a maioria das exportações brasileiras, reveladas em 30 de julho – explodiu nos feeds minutos depois de o despacho presidencial sair. Três dias depois, o Supremo Tribunal Federal manteve quase intacto o decreto que eleva o IOF sobre crédito, câmbio e previdência. A combinação desenhou um cenário de crise fiscal-comercial que, entre 30 de julho e 1 de agosto, produziu cerca de 2,3 milhões de publicações no X (antigo Twitter) e mais 1,5 milhões de menções em Facebook, Tiktok, Youtube e Instagram. Desse total, 3,57 milhões focou na tarifa de 50% e 230 mil miraram o IOF; as demais juntaram as duas pautas como faces do mesmo problema. Calculando alcance e impressões por usuários ativos e taxa média de engajamento, o debate bateu cerca de 600 milhões de visualizações, expondo cerca de 70 milhões de usuários.

A alusão à soberania nacional puxou o sentimento negativo contra a tarifa: 69% dos internautas criticam o impacto econômico ou o viés político da medida, anunciada como retaliação pela “perseguição” a Jair Bolsonaro. Do lado oposto, 22% celebram a punição ao governo Lula e o ministro Alexandre de Moraes; o restante (9%) oferece leitura neutra ou puramente informativa. Já o IOF, debate que continua em alta na boca do brasileiro, concentra 75% de rejeição de perfis de direita e de influenciadores de finanças pessoais, enquanto 15% defendem o imposto como esforço de ajuste fiscal depois de o STF confirmar a espinha dorsal da medida.

As hashtags revelam quem tenta capturar a narrativa. #RespeitaOBrasil, empurrada por @LulaOficial e ministros, sustenta que a resposta virá na OMC. #ChegaDeDitadura, impulsionada por deputados de oposição, conecta o tarifaço a um “estado taxador e ditatorial”. #MaisImpostoNao viraliza entre contas de turismo e educação financeira, traduzindo o jargão tributário em dor de bolso – dólar, passagens, eletrônicos. E #TACO (“Trump Always Chickens Out”), criada para ironizar “clássicos” recuos de Trump, voltou quando a Casa Branca publicou a lista de setores poupados de tarifa cheia, entre eles aviação, suco de laranja e terras-raras.

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A guerra de cliques também tem general de carne-e-osso. @LulaOficial somou 8,2 milhões de visualizações em três posts sobre retaliação “responsável”, enquanto @NikolasFerreira, @BolsonaroSP e @CarlaZambelli ampliaram críticas a Lula para 5 milhões de visualizações e 1,9 milhão de interações, pelo menos 18% delas impulsionadas por perfis automatizados ou bots, segundo amostra de perfis com altos padrões repetitivos, muitos alegando que o tarifaço é o “custo do comunismo”. Do outro lado, criadores de conteúdo ligados à política transformam a alta de carne e cerveja em meme sobre churrasco inviável. Esses posts geram o dobro de compartilhamentos em relação aos posts estritamente políticos, sinalizando que a dor no bolso engaja mais do que a ideologia.

Na imprensa, @g1 e @folha publicaram mais de 215 matérias em 72 horas, funcionando como hub de checagem para ambos os lados.

Os números econômicos alimentam o buzz. Projeções de consultorias setoriais apontam risco de quase US$ 6 bilhões ao ano em exportações de café, frutas e manufaturados caso a alíquota de 40-50% se mantenha. A Embraer respirou com o corte da tarifa a 10% sobre aviões, mas investidores já falam em atraso de pedidos; na mineração de terras-raras, a exceção fortalece a posição brasileira em possíveis contenciosos comerciais. Do lado fiscal, o governo calcula que a manutenção do IOF evita perda de 12 bilhões de reais em 2025, cifra que, no debate online, virou argumento para acusação de “dupla cobrança” ao contribuinte.

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No curto prazo, o governo tenta empurrar a tarifa para a arena diplomática, antecipar a eleição de 2026 e justificar o IOF como pilar do arcabouço fiscal; a oposição aposta no efeito bumerangue do preço do café e do dólar turismo. O desfecho comercial ainda cabe às mesas de negociação, mas a guerra de narrativas já tem placar parcial: política aduaneira e tributária hoje se mede em impressões por minuto, não em páginas do Diário Oficial. Nas redes e nas pesquisas, o tarifaço soa como vitória política, mas derrota econômica. Quem ignora esse barômetro arrisca-se a perder a próxima rodada, a taxa ainda nem entrou em vigor e já se impôs como o maior (e até o momento, melhor) abalo eleitoral do governo Lula.

Nota metodológica – Foram coletados 3.830.021 via APIs do X, Facebook, Instagram, Tiktok e Youtube entre 30/07 e 01/08/2025. Os números de interações, sentimento e alcance provêm de uma amostra de 340 mil menções. O sentimento foi classificado por modelo NLP supervisionado; margens de erro estimadas em ±3 p.p..

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Renato Dolci

Renato Dolci é cientista político (PUC-SP) e mestre em Economia (Sorbonne). Atua há mais de 15 anos com marketing digital, análise de dados e pesquisas públicas e privadas de comportamento digital. Já desenvolveu trabalhos em diversos ambientes públicos e privados, como Presidência da República, Ministério da Justiça, FIESP, Banco do Brasil, Mercedes, CNN Brasil, Disney entre outros. Foi sócio do BTG Pactual e atualmente, é diretor de dados na Timelens, CRO na Hike e CEO na Ineo.