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Um país (des)regulado

No Brasil os órgãos do Executivo e as suas autarquias criam regulações quando entendem que é necessário. Esta prática gera burocracia e insegurança jurídica. É essencial que exista uma redução do número de regras, bem como se estruturem métodos para a avaliação da eficiência das políticas regulamentadas. Só assim será possível reduzir o alto custo produzido pela demora dos processos.
Por  Bruno Alves Pereira
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O Brasil não segue regras quando vai regulamentar. Os órgãos do Executivo e as suas autarquias podem criar regulações como e quando querem, sem que adotem um procedimento comum. Por isso, existem muitas normas publicadas, o que gera burocracia e insegurança jurídica.

O país edita anualmente entre 80 e 100 mil atos normativos. Já os Estados Unidos publicam a cada ano entre 2,5 mil e 4 mil normas. Há muitas explicações para esse fenômeno, que passam pelas diferenças nas estruturas federativas dos dois países e pela influência do direito consuetudinário americano, mas os principais motivos são a falta de controle e de transparência por aqui.

Um exemplo da falta de controle no Brasil é a indeterminação dos tipos de atos que são publicados pela administração federal. Existem instruções normativas, portarias, resoluções, decisões e algumas dezenas de designações para regras, que são utilizadas sem acuidade; há casos de políticas criadas por portarias. Isso é contraditório em um país com um Legislativo atuante, que discute mais de 40 mil proposições. Uma política deve nascer por lei, não por norma infralegal.

Da mesma forma como os órgãos são livres para publicarem as suas iniciativas, também o fazem como e quando têm vontade. Algumas vezes, fazem consulta pública – outras, não. Certas vezes, o que decidem tem efeito imediato – outras não. O sabido é que raramente é feita a avaliação de eficiência do que muitas vezes é apenas letra morta. As regras se avolumam e não raro há conflitos entre atos de um mesmo órgão ou de órgãos diferentes.

Há um insaciável voluntarismo normativo. Porém, algumas decisões de interesse público são mantidas como de caráter interno. Pareceres técnicos e outros tipos de documentos de referência para as tomadas de decisões não são publicados e são ignoradas determinações da Lei de Acesso à Informação (12.527/11), que já representou um importante passo para a transparência governamental.

Embora enviada todo ano, a Mensagem ao Congresso Nacional do presidente da República não é levada a sério para a programação das políticas e normas do Executivo. Poucos órgãos fazem algum planejamento para edição de atos. E se não fosse pelas agendas das agências reguladoras, não haveria qualquer referência temporal para a edição das normativas executivas no Brasil.

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Contudo, o objetivo aqui não é só criticar, mas apontar soluções. Nesse sentido, vale lembrar que o decreto 4.176/02 definiu normas e diretrizes para elaboração de atos normativos do Executivo. É preciso que suas orientações sejam seguidas, servido como base para um “Guia do Processo Regulatório”, nos moldes do que há em países europeus e nos Estados Unidos.

O guia deveria estar em destaque nos sites do Planalto e Imprensa Oficial. É uma ação simples, que se associada a algumas outras iniciativas poderia direcionar o governo no caminho da consolidação, codificação e saneamento de normas temáticas, o que motivou a publicação desse decreto há mais de 15 anos.

No entanto, é importante aprender com o passado. Em 2002, a Casa Civil criou um monstro, previsto no decreto, chamado Grupo Executivo de Consolidação dos Atos Normativos, que contava com 160 juristas. Não houve a consolidação, mas ao menos foi criado o portal de pesquisas legislativas do Planalto.

O equívoco do governo naquele momento foi tentar resolver com um único tiro um problema que depende de um exercício constante. Não é a reunião de um grupo de juristas que será capaz de ordenar as normas do país. É necessário um sistema que confira previsibilidade e ordem à elaboração das normas, o que irá permitir a sistematização contínua dos atos normativos.

Não adianta enxugar gelo. Com o volume atual de normas publicadas, nunca será possível organizar nada. Por outro lado, se não houver uma estrutura para reunião contínua das regulações de todos os órgãos e autarquias, as regras vão continuar a ter conflitos latentes.

Aqui também a comparação com os Estados Unidos pode ajudar. Desde 1946, o Administrative Procedure Act estabeleceu em lei uma fórmula comum para a elaboração de atos normativos pelo Executivo Federal americano. Por isso, há previsibilidade nos regulamentos de órgãos da administração direta e agências reguladoras. É simples para qualquer um acompanhar a criação de normas.

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Como regra geral, é preciso se publicar um aviso de proposta regulatória, abrir espaço para a consulta pública e dar um prazo de adaptação de 30 dias antes da norma passar a ser efetiva. Há exceções que flexibilizam esse procedimento, mas a lógica para a elaboração dos atos é padronizada.

Outro exemplo americano são as regras para se permitir a manifestação pública e a análise do custo-benefício da ação regulatória, em especial para pequenos grupos e setor com limitada representação (E.O. 12866, OMB Circular A-4, E.O. 13563, Regulatory Flexibility Act e o Unfunded Mandates Reform Act).

Os Estados Unidos têm menos de uma dúzia de normas que definem como deve ocorrer a regulação. Não é preciso muitas regras. O importante é que elas sejam cumpridas e que não haja um atropelo não justificado dos procedimentos. Para tanto, é necessária previsão legal de um procedimento padrão e manuais que orientem os tomadores de decisão.

O Brasil tem lutado há muitos anos com o excesso de regras e com a burocracia. Nas décadas de 70 e 80, o país teve até um Ministério da Desburocratização. De tempos em tempos, a ideia de recriação do órgão ganha força, inclusive, recentemente, no governo Temer. Mas esse não é o caminho. Como já foi dito, não há uma bala de prata. São necessárias regras de planejamento, que irão aos poucos saneando o ímpeto regulatório.

Claro que é importante o esforço imediato para a desburocratização, mas sem a redução do número de regras e sem métodos para a avaliação da eficiência das políticas regulamentadas não será possível a sua consolidação em códigos e outros instrumentos de sistematização e aprimoramento de normas. Com isso, a insegurança jurídica, a barafunda regulatória e a inércia burocrática seguirão tendo um alto custo para a sociedade.

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