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Oportunidades para inserção internacional brasileira em um mundo pós-global

A ideia de que atualmente vivemos um mundo pós-global adquire espaço e tem alimentado a defesa de que o protecionismo é a melhor saída. Contudo, para o Brasil, o momento é de se internacionalizar
Por  Equipe InfoMoney
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

*por Diego Bonaldo CoelhoFelipe Mendes Borini

O século XXI, embora ainda em suas primeiras décadas, já pode ser considerado um período de inflexões nas expectativas quanto aos resultados propiciados pelo fenômeno da globalização. Afinal, os benefícios generalizados que eram esperados a partir das reformas institucionais de governança global pós-Segunda Guerra, dos adventos tecnológicos da Terceira Revolução Industrial e do predomínio das tendências econômicas mais liberalizantes e de integração regional da década de 1990, que, por seu turno, conformaram as bases mais sólidas da globalização, já foram colocados em xeque por relevantes atores sociais e governamentais mundo afora.

O marco zero desse processo remonta a crise de 2008, cujos impactos, em primeiro momento de natureza financeira, e, posteriormente, com repercussões no campo fiscal e da economia real, redesenharam um novo cenário, caracterizado por grandes revisões sobre as consequências da globalização para as economias nacionais. A muitos analistas, assiste-se, desde então, à formação e saliência de uma nova onda, que, de natureza política, é denominada “desglobalização”.

O prefixo “des” não é ocasional à caracterização do movimento emergente. Deriva do fato de que não se trata apenas de uma retórica contra à globalização, mas de esforços, por meio de políticas, inclusive, de tentar frear, ou ainda reverter, a conformação de uma economia de lógica e organização globais. São suas expressões a ascensão de discursos nacionalistas e conversadores, os quais reverberam em ações concretas, com destaque à intensificação de políticas mais severas às regras imigratórias e de maior protecionismo econômico e comercial. Casos enigmáticos podem ser encontrados no discurso vitorioso de Donald Trump nos Estados Unidos e algumas de suas medidas já em início de mandato, como a restrição à imigração e a saída da parceria transpacífica (TPP), da mesma forma que a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia, o Brexit.

Contudo, a despeito de um crescente na defesa do interesse nacional por diversos setores das sociedades, assim como a implementação de medidas governamentais que buscam restringir econômica e politicamente as interações globais, uma questão é fundamental: está, de fato, assistindo-se a um processo estrutural de desglobalização? E, nesse contexto, uma indagação para o Brasil é suscitada: quais seriam, então, diante desse cenário, os desafios da economia brasileira, particularmente o desempenho de suas empresas? 

Em primeiro lugar, é importante considerar que as retóricas e políticas nacionalistas e protecionistas em curso tendem, de uma maneira geral, a sustentar a legitimidade de suas ações na questão das perdas de empregos e rendas nacionais provocadas pela globalização. Assim, as restrições a estrangeiros e aos importados, por exemplo, seriam uma solução legítima para retornar a atividade econômica a uma lógica local, com melhoria do bem-estar nacional.

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Entretanto, ao que tudo indica, existe um problema nesse diagnóstico. Não quanto aos efeitos, mas em suas causas. É importante frisar que não se questiona a legitimidade da defesa de empregos e rendas nacionais, evidentemente. Contudo, atribuir à desglobalização uma nova frente de desenvolvimento econômico dos países, parece ser um equívoco que merece ser esclarecido. Pois, ao contrário do que tais movimentos defendem, os efeitos de perda de emprego e renda em alguns países não serão resolvidos com um retrocesso na organização global da economia, uma vez que os desajustes econômicos observados são consequências de um contexto histórico de mudanças de fronteiras tecnológicas e reorganização das economias nacionais, os quais, potencializados pela globalização, só serão superados na e pela evolução da globalização.

A própria análise das reivindicações que compõem a agenda de desglobalização descortinam esse equívoco interpretativo do movimento, dado que se nutrem mais dos custos associados a ajustes oriundos da transição da base material tecnológica, e, consequentemente, do trabalho e do emprego com repercussões em renda, do que se associam, de fato, a um problema da lógica global de organização econômica. Caso mais notório é justamente a recente fundamentação da política comercial dos Estados Unidos, com declarações recorrentes da administração Trump de que o déficit comercial daquele país com a China seria um dos motivos da destruição de empregos nacionais. Inclusive, conforme já afirmou o presidente norte-americano em vários pronunciamentos oficiais, é objetivo de sua política comercial trazer de volta os empregos e as riquezas que foram retirados de seu país pelo comércio exterior.

Importante ressaltar que este raciocínio, em primeiro momento, só encontra aderência em alguns setores nacionais, porque arraigados no populismo. Feita uma análise mais apurada da realidade, será relativamente simples verificar que muitos dos empregos que a retórica presidencial norte-americana diz se esforçar para trazer ao país já não existem mais, tendo em vista a janela de transição tecnológica pela qual o mundo passa – o que será agravado nas próximas décadas, com contingente de empregos industriais tradicionais sendo destruídos e outros, de nova natureza, principalmente em serviços de alta produtividade, gerados. Ademais, a própria lógica da defesa da manufatura nacional diante da globalização, que tem culminado na retomada de políticas de conteúdo nacional, também pode ser problematizada, dado que a verticalização nacional de cadeias industriais seria um grande retrocesso. Pois, além de ser acompanhada por altos custos à produtividade das economias, negligenciará o fato de que as novas determinantes da competição internacional são dadas pela diminuição das fronteiras setoriais entre indústria e serviços na composição de valor adicionado. No novo contexto, indústria e serviços se misturam e abrem novas frentes de trabalho, emprego e valor.

Isso significa dizer que os movimentos e as políticas que pregam uma desglobalização, se acertam na identificação de alguns dos efeitos contemporâneos de ajustes inevitáveis, erram no diagnóstico de suas causas. A solução dos efeitos negativos e conflituosos ocasionados por uma mudança estrutural no emprego, no trabalho e nas novas determinantes da competitividade empresarial em curso no século XXI não está no retrocesso da globalização. Pelo contrário, o desmantelamento de uma organização internacional das atividades econômicas e das cadeias globais de valor, que, atualmente, são mais regionais do que globais, com um retorno a um comércio internacional de bens finais entre os países, seria desastroso, tendo em vista os custos de oportunidade envolvidos. Logo, é pouco provável que aconteça de maneira estrutural. É esperado que ocorra uma nova frente de temas e debates que podem ser incluídos em âmbito multilateral e mecanismos institucionais e de cooperação, como políticas de proteção social, por exemplo, mas que esse processo ocorra na e por meio da globalização e não contra ou fora dela.

Nesse sentido, ao que tudo indica, os movimentos nacionalistas e protecionistas em voga não devem se sustentar no tempo, ainda que, em certa medida, tragam pautas legítimas para setores de suas sociedades. O horizonte desse discurso e políticas está recluso a medidas e resultados de curto prazo. E, como ocorre em qualquer processo de mudança, particularmente no campo tecnológico, os conflitos são inerentes, encontrando no populismo de ocasião o último refúgio de sua sustentação.

Dessa forma, é difícil sustentar a hipótese de um mundo em desglobalização. Há mais retórica do que fato. A questão é saber o momento no qual os custos de oportunidade de continuar a investir nesses discursos e tipos de políticas ficarão evidentes e quais aqueles países que sairão (e como sairão) mais rapidamente dessa armadilha.

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Com isso, é fundamental refletir o Brasil nesse contexto de ajuste e transição. Para muitos analistas, aliás, o fato de uma guinada nacionalista e protecionista no mundo é positiva e encontra alinhamento com nossa estratégia nacional, uma vez que a economia brasileira é fechada; logo, não sofreria impactos mais severos. Por esse fato, inclusive, seriam justificadas algumas da políticas econômicas atualmente debatidas no País e que são aderentes a esse cenário, a exemplo das medidas de conteúdo nacional à indústria.

Entretanto, a análise aqui defendida para o Brasil possui outra fundamentação: como a desglobalização é uma questão conjuntural, cuja realização estrutural é pouco provável, a estratégia para o Brasil, ao invés de se alinhar a ela, deve ser a de buscar uma inserção internacional mais robusta. O objetivo é que, quando as retóricas protecionista e nacionalista se esvaziarem, o País esteja em melhores condições de competitividade. Inclusive, essa estratégia não seria uma novidade no cenário internacional, tampouco uma opção exclusiva do Brasil. Outros países considerados emergentes parecem ter observado as oportunidades dos novos desafios decorrentes pós-crise de 2008, levando a cabo processo mais intensivo da internacionalização de suas economias, ao invés de adotarem posturas isolacionistas.

Alguns números ilustram essa realidade. A própria recomposição da participação dos economias nacionais no Produto Interno Bruto (PIB) mundial revela que, nos últimos trinta anos, ao passo que países de alta renda, a exemplo dos Estados Unidos e daqueles pertencentes à União Europeia, reduziram a sua parcela, outros, como China e Índia, chegaram a praticamente quadruplicar a sua posição relativa. Esse processo de crescimento de participação de alguns países emergentes no PIB mundial foi acompanhado de uma forte internacionalização comercial e produtiva de suas economias. Nesse período, por exemplo, a China se tornou a maior origem de exportação no mundo, assim como assistiu a um aumento considerável do número de multinacionais de seu país.

O Brasil, por outro lado, não avançou a sua participação na economia global. O nível de abertura comercial da economia brasileira pouco evoluiu nos últimos anos, sendo, atualmente, uma das mais fechadas do mundo. As exportações do País, embora crescentes em períodos de expansão comercial internacional e acima da média mundial, sempre foram menores do que a de outros países emergentes, resultando em uma participação média no total relativamente estagnada. No caso dos investimentos diretos a situação é parecida. Mesmo o Brasil tendo aumentado os seus fluxos de investimentos para o exterior, ele é bem abaixo do observado para outras economias emergentes, com agravante de períodos com desinvestimentos. Não por acaso, o Brasil é um país com número relativamente pequeno de empresas multinacionais de grande porte e escopo de atuação regional e global. Essas características da internacionalização da economia brasileira são refletidas na baixa inserção das empresas do País nas cadeias globais de valor e nas dificuldades encontradas pelos setores nacionais para competir em valor adicionado nos mercados internacionais.

Dessa forma, defende-se que o momento atual seria o de um redirecionamento no padrão de internacionalização da economia brasileira, com objetivos de explorar oportunidades que outrora foram negligenciadas, embora diante de ambiente favorável à época. E, ainda que o contexto de discurso e políticas mais nacionalistas e protecionistas podem parecer entraves insuperáveis no momento, há espaço para avançar com essa agenda, tanto nos mercados dos países desenvolvidos quanto, principalmente, daqueles de países das regiões latino-americana, africana e asiática. Nestas últimas, ressalta-se, o Brasil possui diferenciais e vantagens consideráveis e passíveis de serem exploradas, seja por comércio, seja por investimento, que vão além das commodities agrícolas e minerais, a exemplo de setores da economia criativa (audiovisual, música e artesanato) e de manufatura (aeroespacial, implementos e máquinas agrícolas, moda e confecção, alimentos, entre outros).

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Todavia, para que, mais uma vez, não seja perdida esta janela, é prioritário que as mentalidades empresarial e econômica brasileiras sejam reprogramadas. Para que, antes tarde do que nunca, e à frente do que se propugna atualmente, percebamos que interesse econômico nacional não se confunde com nacionalismo, e de que precisamos do Brasil no mundo, com o mundo, apesar do mundo.

***

Diego Bonaldo Coelho
Professor de Relações Internacionais da ESPM e Coordenador do Observatório de Multinacionais da ESPM 

Felipe Mendes Borini
Professor do PMDGI/ESPM e Coordenador do Observatório de Multinacionais da ESPM

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