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Em 2020, a pandemia do coronavírus é mais importante que a dívida pública

Agora, em março e abril de 2020, a política macroeconômica é uma ferramenta auxiliar para a política de saúde pública. Não é o momento para pensar na dívida pública, nem na demanda agregada
Por  Pedro Menezes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Qual deve ser a carga tributária no Brasil? Este é um debate ideológico por excelência. Cada um, conforme sua percepção de mundo, pode ter uma opinião distinta. E já que estamos neste assunto, qual a dívida pública que o Brasil consegue bancar a longo prazo sem complicações?

Março e abril de 2020 não são bons meses para responder esse tipo de pergunta. O momento não é propício. No curtíssimo prazo, o sistema de saúde pública precisa de dinheiro para lidar com a pandemia de Covid-19. Gastos com testes, máscaras insumos hospitalares e ferramentas de controle epidemiológico são necessários. Ponto final.

Você acha que o modelo do SUS tem diversos defeitos? Eu também. Mas precisamos aceitar a realidade: não dá tempo de reformar o SUS. Há vidas em jogo.

Os gastos a serem realizados nos próximos meses não podem ser escanteados por conta de receios com a dívida pública. Inclusive porque, caso a pandemia não seja controlada pela ação do Estado, o crescimento de longo prazo da economia brasileira pode ser permanentemente prejudicado.

Por um lado, o receio de gastar dinheiro público agora pode levar à extensão da quarentena por meses desnecessários. Como resultado, o setor privado permaneceria debilitado e com baixa capacidade de produção por mais tempo.

Outra consequência igualmente relevante está nas mortes que podem surgir. Se o Brasil perder 1% da sua força de trabalho para o Covid-19, a capacidade produtiva da nossa economia será atingida de modo permanente. Seria desastroso para um país crescer para resolver problemas do século 19, como a falta de saneamento básico.

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Em geral, meus textos aqui no InfoMoney defendem o rígido controle das contas públicas. Mas este não é o momento para preocupações fiscalistas, ao menos em relação aos gastos de curto prazo com assistência médica e controle epidemiológico.

Esta, por sinal, tem sido a recomendação dos mais renomados macroeconomistas. Peguemos os exemplos de Gregory Mankiw, pesquisador de Harvard e historicamente próximo ao partido Republicano dos EUA, e Olivier Blanchard, francês que já liderou o FMI e tem mais afinidade política com a esquerda. Mankiw e Blanchard, além de pesquisadores renomados, são autores de alguns dos livros didáticos mais utilizados no nosso tempo.

Segundo Mankiw, em texto escrito no seu blog, uma recessão global é provável e talvez seja o ideal. Sim, ele considera que talvez o melhor a fazer seja enfrentar uma crise econômica colossal para proteger idosos e integrantes dos grupos de risco.

Só esta opinião já mostra que vivemos uma situação sem qualquer precedente minimamente próximo na história econômica. Temos economistas dizendo que forçar uma crise é o melhor caminho.

Com relação ao que o governo pode fazer, Mankiw é bastante claro: não é o momento para pensar na dívida pública, nem em estímulos à demanda. O momento pede gastos em saúde pública e, num segundo plano, assistência para aqueles que tiveram sua renda afetada pela pandemia. Quando as vidas de nossos amigos e parentes estiverem seguras, pensaremos na dívida pública.

Quando Mankiw se diz contra estímulos à demanda, trata-se de uma tese rigorosamente oposta à tese de quem defende, no Brasil, o fim do teto de gastos. Blanchard, apesar de mais próximo à esquerda, vai na mesma linha.

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O economista francês defendeu que a Itália abandonasse completamente os planos de austeridade de curto prazo. Mas, segundo Blanchard, esses gastos públicos adicionais precisam cessar no minuto em que a pandemia deixar de ser um problema. O plano de curto prazo deve valer para o curto prazo.

De certa forma, o que eles dizem é simples: este não é um momento para pensar apenas em política macroeconômica, seja com viés anti-cíclico, querendo estimular a economia a todo custo, ou pró-austeridade, com excessivas preocupações referentes à dívida pública. Agora, em março e abril de 2020, a política macroeconômica é uma ferramenta auxiliar para a política de saúde pública. Vidas estão em jogo.

No presente momento, sequer faz sentido discutir a revogação do teto de gastos. Com o Congresso em marcha lenta devido à contaminação de Davi Alcolumbre e outros parlamentares, o ideal é focar as discussões em créditos emergenciais.

Para revogar o teto, é preciso convencer o governo, votar a nova PEC em dois turnos na Câmara e em mais dois no Senado. Quando a tramitação terminar, a pandemia já terá acabado.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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