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Com a Selic em queda, o ajuste fiscal ficou (muito) mais fácil

O jogo virou e o sol começa a aparecer no horizonte - resta saber se vamos aproveitar a oportunidade
Por  Pedro Menezes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores.

Estávamos em julho de 2016, com o impeachment ainda em tramitação e a economia no porão do fundo do poço. Neste contexto, Daniel Leichsenring escrevia sobre a possibilidade da dívida pública ultrapassar 100% do PIB em meados da década de 2020, numa trajetória explosiva.

Naqueles tempos, era comum ouvir previsões do tipo. Muitos falavam até em risco de volta das taxas de inflação pré-Real. No caso de Daniel, suas projeções ganhavam peso maior. Não se tratava de um palpiteiro qualquer. Era o economista-chefe da Verde Asset Management, uma das gestoras mais respeitadas da Faria Lima, fundada por Luis Stuhlberger.

Três anos depois, estamos num país diferente. Hoje, o Tesouro Nacional publicou um estudo prevendo a estabilização da dívida ainda em 2020, quando chegaria a 81,7% do PIB, com pico de 81,8% nos dois anos seguintes e queda a partir de 2022. Ainda é alta para países emergentes, mas consideravelmente menor do que se previa há três anos.

“Hoje, a gente está num cenário impensável há três anos”, disse Mansueto Almeida, secretário do Tesouro, ao divulgar as últimas projeções. “O tamanho do ajuste para colocar a dívida em queda diminuiu”, complementou.

Ainda mais curioso é notar que o crescimento do PIB desde então, ao redor de 1% ao ano, foi menor do que nas previsões catastróficas de Daniel, iguais a 2%. A grande diferença está na taxa de juros. O economista-chefe do verde usava como hipóteses uma inflação na meta e Selic convergindo para um valor nominal de 10% ao ano.

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De lá para cá, taxa Selic entrou em queda livre. Ontem, chegou a 5% ao ano. No último Focus, boletim do Banco Central que reúne expectativas de economistas sobre a economia brasileira, a mediana das previsões para o fim de 2020 apontava para uma Selic a 4,5%.

A inflação do ano que vem é esperada em 3,59%. Como resultado, os economistas preveem uma taxa de juros real inferior a 1% no fim do ano que vem. É um cenário inédito na história do Brasil, sem qualquer paralelo próximo.

Os cortes da taxa de juros tem diversas consequências positivas. Uma delas é facilitar o processo de ajuste fiscal. A variação da dívida pública como porcentagem do PIB depende, principalmente, de três variáveis:

– A taxa real de juros, que corrige a dívida acumulada no passado

– A taxa de crescimento do PIB, que aumenta o denominador da relação dívida/PIB, diminuindo a razão total

– O resultado primário (déficit ou superávit) das contas públicas

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Leia também: Dos fundos ao crédito, juro na mínima histórica remodela mercado

Existem outras variáveis, como a receita de senhoriagem – aquilo que o governo arrecada ao imprimir moeda -, mas esta não é parte da política econômica. Pelo menos, não deveria ser.

Numa versão levemente simplificada da equação que determina a evolução da dívida/PIB, temos:

Variação da dívida/PIB = (Taxa real de juros – Taxa de crescimento do PIB) x dívida/PIB no período anterior – Resultado Primário

Igualando o lado esquerdo da equação a zero, é possível encontrar o resultado primário que estabiliza a relação dívida/PIB:

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Resultado Primário necessário para estabilizar a dívida = (Taxa real de juros – Taxa de crescimento do PIB) x Dívida/PIB no período anterior

Se a taxa real de juros for superior à taxa de crescimento do PIB, o governo precisa de superávits primários para evitar que a dívida pública cresça. Foi o que ocorreu na maior parte da história do Brasil.

Com a recente queda na Selic , a dinâmica da dívida pública mudou. A taxa real de juros em 2020 deve ser menor do que a taxa de crescimento econômico. Nesse cenário, que deve continuar por alguns anos, o Estado conseguiria estabilizar a dívida/PIB mesmo incorrendo em déficits primários.

Segundo cálculos do economista Manoel Carlos Pires, do Ibre/FGV, um crescimento de 2,2% combinado a uma taxa nominal de juros de 4,5% ao ano e inflação anual de 3,75% permitiria a estabilização da dívida mesmo com um déficit primário de 0,66% do PIB.

No projeto do orçamento de 2020, o governo prevê déficit de 1,6% do PIB, o que significa que a dívida/PIB deve seguir crescendo por algum tempo. Mas essa situação deve mudar até 2022, quando o déficit projetado é de apenas 0,3% do PIB.

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Por trás desses números, há um alívio imenso para as contas públicas.

A taxa de juros em níveis abaixo de 1% não é sustentável a longo prazo. Com a queda do desemprego e maior crescimento da economia, a inflação deve voltar a crescer e obrigar o Banco Central a subir a SELIC novamente. Mas a janela de oportunidades foi aberta: nos próximos anos, a estabilização da dívida/PIB ficará mais fácil. Da mesma forma, o impacto contracionista da política fiscal será menor, pois será compensado por uma política monetária expansionista.

Portanto, o momento é extremamente propício para reformas visando um aumento da produtividade e redução dos juros no longo prazo. Isso, é claro, além da contínua redução do déficit primário.

Em 2016, vivíamos a tempestade perfeita: falência da construção civil por conta de esquemas de corrupção, SELIC de 14,25% ao ano e inflação persistentemente acima da meta. O jogo virou e o sol começa a aparecer no horizonte. Resta saber se vamos aproveitar a oportunidade.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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