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Muito fígado e pouco cérebro: o custo do 3º round da reforma da Previdência

Naquilo que é matéria estritamente previdenciária, a reforma foi essencialmente preservada e isso é uma vitória do país
Por  Paulo Tafner
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

SÃO PAULO –  Depois de aprovada na Câmara Federal, a reforma da Previdência seguiu para o Senado. O relatório final do senador Tasso Jereissati foi aprovado na comissão, e as emendas colocadas em votação foram todas derrotadas. Seguiu para o Plenário e, lá, a emenda que suprimia do texto a redução da abrangência do abono salarial foi aprovada.

Essa pequena mudança tem enorme impacto fiscal: R$ 76 bilhões em dez anos, algo como 8,5% do impacto fiscal de todo o conjunto de medidas da PEC 006/2019, que trata da reforma da Previdência.

Além dela, já havia sido modificada pelo relator dois outros pontos com impactos fiscais: a retirada da definição de linha de pobreza para concessão do BPC e a não aplicação de regra de transição para aposentadorias especiais.

A primeira “custou” R$ 24 bilhões e a segunda, algo próximo a R$ 6,3 bilhões em dez anos. O saldo líquido do Senado, portanto, foi de uma redução da economia de aproximadamente R$ 107 bilhões, quase 12% do impacto fiscal previsto quando da chegada da PEC à casa.

Ao término da votação em primeiro turno no Senado, houve diversas manifestações. A oposição comemorou como se quase tivesse assumido o poder; o mercado reagiu negativamente, acreditando ser uma derrota da reforma; algumas autoridades esbravejaram exigindo compensação do recurso subtraído da reforma. Foram manifestações muito estridentes, mas pouco consistentes: muito fígado e pouco cérebro. Vejamos.

A principal “perda” decorreu da mudança do abono salarial. De fato, R$ 76 bilhões é muito dinheiro. É metade do que se espera economizar com a MP 871/2019, conhecida como MP antifraude, ou ainda 21% de tudo que se economizará no âmbito do RGPS com aposentadoria por tempo de contribuição, que concentra mais de um terço (37%) de toda a economia da PEC 006/2019.

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O fato, entretanto, é que não há razões nem para euforia de uns, nem para pânico de outros. A proposta de alteração do abono salarial incluída na PEC era, desde um início, digamos assim, “um reforço de caixa” embutido na proposta de reforma. Não é matéria previdenciária, nem tampouco matéria constitucional.

A não aprovação da matéria abre uma enorme oportunidade para que se discuta em profundidade esse benefício e se proponha um projeto de lei específico, aliás, com muito mais chance de aprovação, dado que se trata de matéria não constitucional.

Sob minha ótica, pode e deve ser extinto, liberando recursos que, pelo menos parcialmente, possam ser utilizados em programas mais focalizados no combate à pobreza e à extrema pobreza.

O abono salarial é um benefício caro e desfocado. Segue a lógica vigente de tantos outros benefícios existentes no Brasil: gasta-se muito e obtém-se muito pouco. O benefício é pago a trabalhadores que estejam cadastrados no PIS ou PASEP há pelo menos cinco anos e que, no ano anterior ao recebimento, tenham trabalhado em emprego formal por pelo menos 30 dias, com salário de até dois salários mínimos.

Até a lei 13.134/2015, pagava-se um salário mínimo uma vez cumpridos os 30 dias de trabalho formal. A partir dela, o cálculo é feito segundo o número de meses trabalhados, considerando que 15 dias ou mais trabalhado, contam um mês.

Assim, se um trabalhador trabalhou apenas um mês, receberá 1/12 avos de um SM; se trabalhou seis meses receberá ½ salário mínimo e; se trabalhou os 12 meses do ano anterior receberá o salário mínimo integral.

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Argumenta-se, em defesa do abono, que ele atinge os trabalhadores pobres, porque afinal é aplicável apenas aos que recebem até dois salários mínimos. É certo que atinge trabalhadores pobres cuja única renda familiar foi seu salário.

Mas é certo que atinge muitos outros trabalhadores que não são pobres. E é certo também que todos os informais – estes entre os mais pobres – não são cobertos pelo abono. E lembro ao leitor: eles são aproximadamente 42% dos que trabalham. Por fim, não atinge também os desempregados de longa duração – que são os mais numerosos e aqueles menos qualificados e mais pobres.

Assim é que um jovem trabalhador, ainda estudante universitário, filho de uma família de classe média ou alta também recebe o benefício. Ou seja, gastamos muito e mal. É como se pagássemos o preço de uma Ferrari para compramos um Fusquinha 68.

Há, portanto, enorme oportunidade para que o governo proponha um novo desenho para o abono salarial, talvez o extinguindo e dedicando parte dos recursos economizados para programas focalizados aos trabalhadores e famílias efetivamente pobres.

A lógica populista de que, para fazer política social, é sempre necessário gastar mais é absolutamente falha. É possível, sim, zelar pela responsabilidade fiscal e combater nossa tragédia renitente de pobreza e desigualdade.

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A reforma da Previdência, naquilo que é matéria estritamente previdenciária, foi essencialmente preservada e isso é uma vitória do país. Afinal, como aceitar que alguns trabalhadores pudessem se aposentar com idades inferiores a 50 anos de idade? Como aceitar que alguns poucos beneficiários pudessem acumular três, quatro ou mesmo seis benefícios, sem qualquer limitação? Como aceitar que alguns servidores públicos recebessem transferência líquida de valores superiores a R$ 5 ou R$ 6 milhões?

Esses problemas e outros foram tratados e preservados no relatório do senador Jereissati e aprovados no primeiro turno do Senado. Poderia ter sido melhor? Certamente. Há questões previdenciárias que terão que ser tradas à frente? Muitas. Como disse em outro artigo, tratamos do passado, mas não do futuro. Haverá nova visita da “Velha Senhora”, mas não há razão para euforias ou pânicos.

Agora é hora de irmos para o round final e virarmos essa página. Há outros e enormes desafios pela frente.

Paulo Tafner É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery

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