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Como a previdência está sufocando os estados – e o que pode melhorar com a reforma

Além da contribuição patronal, deve ser necessário um total de recursos públicos de R$ 243,4 bilhões de reais, algo como 3,5% do PIB previsto para 2019, para cobrir o déficit previdenciário dos estados neste ano. O mais grave: todo esse recurso beneficia pouco mais de 3 milhões de brasileiros que estão no topo da distribuição de renda
Por  Paulo Tafner -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em geral, as análises sobre os problemas de nossa previdência estão focadas no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e pouco se diz sobre os Regimes Próprios da União, Estados e Municípios, exceto para se mencionar os privilégios de aposentadorias superlativas ou a pensão para filhas de militares.

É muito pouco para um problema que é grave e que ameaça diretamente a vida da população, especialmente a parcela mais vulnerável, que depende dos serviços prestados pelo Poder Público.

Atualmente, os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Norte estão com atrasos de pagamentos de servidores ativos, inativos e pensionistas e também pagamentos de fornecedores. A lista tende a crescer durante o corrente ano, podendo chegar a uma dezena ou mais os estados sem capacidade de honrar em dia seus compromissos.

Afirmar que isso é consequência de populismo fiscal ou de corrupção está oceanometricamente distante da realidade, ainda que tanto irresponsabilidade fiscal quanto corrupção tenham sua dose de contribuição.

O desequilíbrio da previdência está na raiz desse problema. A cada dia, a despesa previdenciária para pagar servidores públicos aposentados e pensionistas tem drenado recursos para que o Estado cumpra seu dever maior e sua razão de existir. A situação é evidentemente mais grave nos estados, pois cabe a eles a prestação de três importantes serviços: saúde, educação média e segurança púbica.

São serviços de que a população mais pobre depende bastante, pois tem seus filhos em escola pública e não dispõem de planos privados de saúde. É também a população mais pobre que depende mais intensamente dos serviços de segurança pública.

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Acontece que todos esses serviços são intensivos em mão de obra: em média, do total de servidores públicos dos estados, 90% deles estão alocados nessas áreas. Dessas três categorias, duas – professores e policiais militares – têm regras especiais de aposentadoria, que lhes permite se aposentar com idades extremamente baixas.

É frequente a existência de muitos aposentados para cada servidor ativo, degradando a sustentabilidade do sistema previdenciário. Governadores têm dito que, para cada coronel da ativa, têm 15, 20 e até 40 coronéis na reserva. O mesmo – porém em menor intensidade – ocorre com os professores.

No corrente ano estima-se que a necessidade de aportes financeiros para cobrir o déficit previdenciário dos estados atingirá R$ 144,6 bilhões. Para a União, esse montante está estimado em R$ 98,8 bilhões.

Em resumo: além da contribuição patronal, a União e os estados terão que desembolsar adicionais R$ 243,4 bilhões de reais, algo como 3,5% do PIB previsto para 2019. E o que é mais grave: todo esse recurso beneficia pouco mais de 3 milhões de brasileiros que estão no topo da distribuição de renda.

Nessa escalada, o contribuinte brasileiro que enfrenta toda sorte de adversidades para suportar uma carga tributária média de 33% do PIB tem parte expressiva de seus recursos deslocados para o pagamento dessa obrigação, retirando recursos que deveriam ser destinados para a adequada prestação de serviços e a realização de investimentos públicos que podem reativar a economia, além de gerar externalidades positivas para toda a sociedade.

Tenho dito em diversas palestras que o Brasil está “pulando o carnaval à beira do precipício”, querendo dizer com isso que parte de nossa elite não está dando a devida atenção ao colapso fiscal que está muito próximo. O Estado está sendo sufocado por suas previdências, deixando o contribuinte – que afinal é quem sustenta o sistema – à míngua.

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É necessário, portanto, que medidas sejam tomadas para recuperar a saúde fiscal do país. A proposta de reforma da previdência encaminhada ao Congresso (PEC 06/2019) apresenta alguns caminhos nessa direção.

Em primeiro lugar, a reforma propõe a elevação da idade mínima para 65 (homens) e 62 (mulheres) a ser aplicada a todos os trabalhadores, inclusive os servidores públicos.

Para as duas categorias mencionadas, também há previsão de aumento de idade para obtenção do benefício (60 anos para professores e 55 anos para policias, para ambos os sexos nos dois casos). Aposentadorias precoces – em alguns casos com menos de 45 anos – simplesmente deixarão de existir, corrigindo grave defeito e privilégio.

Além disso, haverá aumento da alíquota básica de 11% para 14%, progressividade de alíquota em função da remuneração e autorização para estabelecimento de alíquotas extraordinárias para mitigação do desequilíbrio previdenciário, a exemplo do que já ocorre com fundos de pensão existentes no país, como Petros, Postalis, Funcef e muitos outros.

A lógica é absolutamente correta: compartilhar os custos dos sistemas previdenciários entre segurados e sociedade, subvertendo a regra atualmente em vigor que determina que a sociedade banque toda a insuficiência financeira.

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É um passo inicial, mas vai na direção correta. Em minhas contas – ainda preliminares – estimo que, se esses itens forem aprovados, além obviamente das idades mínimas e da regra de transição, o passivo previdenciário dos estados que atinge quase 70% do PIB poderá ser reduzido em mais de 35%.

Não resolve, mas representará o fôlego necessário para que os estados possam voltar a prestar o mínimo necessário de serviços públicos pelos quais a população paga. E paga caro.

Resta agora enfrentar o árduo e melindroso debate sobre o tema e combater as poderosas corporações que – como sempre – defenderão o “direito do povo pobre” como argumento para tentar barrar a redução de seus próprios privilégios.

Como tenho insistentemente dito, não há direito sem base material. Não há direito em que a parte que paga o custo não assinou o contrato. Não há direito que justifique o maior programa de transferência de renda de pobre para rico, como diz, corretamente, José Marcio Camargo.

Paulo Tafner É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery

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