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Capitalização: um modelo alternativo para a Previdência

O sistema de repartição atual, mesmo após a reforma, é insustentável. Não há escapatória: teremos que caminhar para a capitalização
Por  Paulo Tafner -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Nos dois últimos artigos, tratei dos custos de implantação de um benefício universal e do custo de transição para um regime híbrido com capitalização.

Uma coisa é certa: o sistema de repartição atual, mesmo com a reforma da Previdência (EC 103/2019), é insustentável. Não há escapatória: teremos que caminhar para a capitalização. Nesse artigo detalho uma proposta alternativa com capitalização, com benefício básico universal.

O benefício universal ou renda mínima para o idoso seria nos moldes desenhados e apresentados em artigo de 29/11. Esse benefício não estaria vinculado à contribuição.

Para todos os idosos que atingissem certa idade, digamos 65 ou 67 anos, seria garantida uma renda mínima de aproximadamente R$ 700 (a preços de hoje). E isso independeria de ter ou não contribuído.

Mas se o trabalhador tivesse contribuído por apenas um ano, seu benefício seria um pouco maior. Se contribuísse cinco anos, seria maior ainda. Quem contribui mais recebe mais. Esse é o princípio.

Como afirmei nesse mesmo artigo de 29/11, esse benefício teria enormes vantagens: a) tornaria o custo de administração quase nulo, pois dispensaria qualquer condicionalidade, além do cumprimento da idade e estar vivo; b) seria praticamente imune a fraudes; e c) evitaria a extrema pobreza na velhice.

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O custo deste benefício é dado por seu valor (70% do salário mínimo de 2020) e pela demografia. Assim, quanto mais gente chegar aos 65 anos, maior será sua despesa.

Da mesma forma, quanto mais as pessoas vivessem (depois de atingirem 65 anos) maior seria o volume de benefícios ativos e, consequentemente, maior seria a despesa com esse benefício.

Feitas as contas, verificamos que essa universalização teria um aumento líquido de despesa de apenas 0,1% do PIB, considerado uma trajetória do PIB bastante conservadora. Se o PIB crescesse a um ritmo mais forte, o resultado poderia não gerar nenhum aumento de despesa.

Antes de tratarmos da capitalização propriamente dita, é importante salientar que, em um modelo como este, caberia ao estado garantir apenas o benefício universal para quem nada contribuiu e 1 salário mínimo para aqueles que tivessem contribuído sobre essa base por pelo menos 15 anos (poderia progressivamente ser elevado para 20 anos).

Essa, portanto, é a dimensão da pressão fiscal, pois sempre é possível – e até provável – que o volume de recolhimentos seja inferior ao volume de pagamentos.

Porém, para benefícios superiores ao salário mínimo (SM), estes seriam cobertos com as contribuições excedentes e seriam “aplicados” nessa conta gráfica, gerando benefício determinado pelo volume de depósitos e seu rendimento.

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E como seria a parte de capitalização?

As contribuições e os recolhimentos continuariam exatamente como são hoje. Mas, para cada trabalhador, seria criada uma conta gráfica com seus depósitos e de seu empregador da parcela que excedesse o salário mínimo.

Esses “depósitos” seriam reajustados pela inflação e remunerados pela variação da produtividade média da economia.

Quando o indivíduo atingisse os requisitos para a aposentadoria, seu benefício seria calculado pelo saldo de sua conta dividido pela esperança de vida e pago em parcelas mensais. Também aqui é possível utilizar parte ou todo depósito corrente do FGTS.

Note que, por ser uma conta gráfica, não haveria perda de um real para financiar o sistema antigo. E mais: quando o sistema antigo entrasse em extinção, poderíamos converter as contas gráficas em contas financeiras, permitindo aplicações mais arriscadas e mais rentáveis.

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Essa modalidade de capitalização é conhecida como capitalização nocional. Modelos nocionais são utilizados em diversos países, como Itália, Suécia e Polônia. Cada um tem suas peculiaridades, mas todos têm o mesmo fundamento.

O termo não me agrada, pois entendo ser mais correta a expressão repartição nocional. Isso porque o princípio é de repartição, mas emula uma capitalização.

Tecnicamente, poderíamos denominar esse sistema como de repartição com contribuição variável. O mais importante, porém, é deixaríamos para trás o insustentável sistema de repartição com benefício definido.

Para muitos analistas, também esse sistema tem “custo de transição”. Como já afirmei nessa coluna, não gosto desse termo, porque o acho errado. Mas é possível também em um sistema nocional superar esse obstáculo, a depender da forma como se implanta o sistema.

Se o sistema fosse aplicado a uma geração futura – para aqueles que ainda não entraram no mercado de trabalho –, então não haveria nenhum custo de transição.

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Se incorporasse atuais ativos, haveria custo, pois o custo de transição nada mais é do que o valor do passivo atuarial do sistema. Isso porque, para migrar para esse novo sistema, seria necessário saldar a dívida já existente com os trabalhadores.

Algo como garantir que seu benefício seja determinado em parte pelo que receberia no sistema antigo e parte pelo sistema novo.

O custo de transição é a transferência líquida de recursos (déficit) que existe no sistema antigo. Quanto mais gente se transferir para o sistema novo, maior será o custo de transição.

Assim, se houvesse uma mudança abrupta e fosse aplicado a todos os atuais ativos de qualquer idade, esse custo seria quase 1 PIB.

Se fosse limitado aos mais jovens, digamos todos os que tivessem até 30 anos, as estimativas indicam que o custo de transição seria algo próximo a R$ 300 bilhões.

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É possível, portanto, calibrar as regras de adesão ao novo sistema em função do montante aceitável do custo de transição.

Se estamos convencidos de que a capitalização é inevitável, então nada melhor do que planejarmos essa mudança. E mais: sabemos que há inúmeros modelos de capitalização, mas seja qual for, é sempre possível mitigar os custos de transição.

No próximo ano, faremos um seminário para discutir alternativas. Flavio Ataliba generosamente aceitou abrigar esse seminário em Fortaleza.

Estou convencido que nós, técnicos, poderemos oferecer à nação alternativas viáveis para a implantação de um modelo de capitalização que seja robusto e garanta a previdência do futuro.

Paulo Tafner É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery

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