O Brasil e sua mania de apagar incêndios: por que precisamos de uma política pública de bem-estar

Falamos de obesidade, ansiedade e sedentarismo como se fossem problemas individuais — mas são questões públicas, econômicas e culturais. O erro do Brasil é tratar saúde só como doença

Paola Machado

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Vivemos em um país onde a saúde pública, apesar de sua importância vital, é tratada como sinônimo de atendimento hospitalar. A lógica vigente é a de apagar incêndios: cuidar das doenças quando elas já se manifestaram, em vez de prevenir seu surgimento. O Ministério da Saúde concentra esforços majoritariamente em tratar — e não em educar. O Ministério do Esporte ainda tem foco quase exclusivo em alto rendimento e atletas profissionais. O Ministério da Educação, por sua vez, ignora o fato de que a base de tudo está na infância, negligenciando a atualização da educação física escolar e permitindo que as crianças passem cada vez mais tempo sentadas, desconectadas de seu próprio corpo.

Enquanto isso, o Brasil vê crescer silenciosamente uma epidemia de doenças crônicas evitáveis: obesidade, sedentarismo, transtornos de ansiedade e depressão. São problemas de base comportamental e cultural, mas que geram impacto direto nos sistemas de saúde, na produtividade econômica e na longevidade da população.

A ausência de uma política pública sólida de bem-estar custa caro. Literalmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, entre 2020 e 2030, a inatividade física poderá gerar US$ 300 bilhões em custos aos sistemas públicos de saúde — cerca de US$ 27 bilhões por ano. Uma análise publicada na The Lancet Global Health em 2023 reforça: a falta de ação efetiva contra o sedentarismo já representa US$ 47,6 bilhões anuais em despesas diretas com saúde no mundo. No Brasil, o impacto também é expressivo: R$ 290 milhões por ano do orçamento do SUS são atribuíveis à inatividade física, considerando apenas internações por doenças crônicas não transmissíveis (Câmara dos Deputados), e uma redução de apenas 10% nesse índice poderia economizar R$ 20,3 milhões anuais destinados à atenção oncológica (Fórum DCNTs).

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E ainda tratamos tudo isso como se fosse uma escolha individual.

Obesidade e ansiedade são problemas coletivos

A ideia de que comer mal, ser sedentário ou não “cuidar da mente” é culpa de cada um é uma armadilha que serve apenas para manter a lógica do descaso. Políticas públicas eficazes devem reconhecer o ambiente como o maior determinante de saúde: infraestrutura urbana, acesso a alimentos saudáveis, espaços para atividade física, educação para o autocuidado e campanhas culturais que valorizem o bem-estar como estilo de vida.

Hoje, quem quer ser saudável no Brasil precisa nadar contra a corrente. As cidades não oferecem infraestrutura, as escolas não têm programas modernos de movimento, os alimentos ultraprocessados são mais baratos que os naturais e o marketing das grandes indústrias reforça escolhas que geram dependência. O resultado? Uma população doente que culpa a si mesma pela própria condição.

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Esse modelo já não se sustenta. Países que lideram os rankings de qualidade de vida entenderam que o bem-estar precisa ser tratado como política de Estado. Um exemplo vem das chamadas “Zonas Azuis” — regiões como Okinawa (Japão), Nicoya (Costa Rica) e Icária (Grécia) — onde há maior concentração de pessoas que ultrapassam os 90 e 100 anos com boa qualidade de vida. Estudos como o Okinawa Centenarian Study mostram que, nesses locais, há baixa incidência de doenças crônicas, em grande parte graças a hábitos incorporados à rotina: movimento constante no dia a dia, alimentação baseada em plantas e minimamente processada, vínculos sociais sólidos, sono adequado e um forte senso de propósito. Embora o conceito de Zonas Azuis tenha críticas sobre a precisão dos registros e possíveis variações culturais, a essência é clara: quando o ambiente e a cultura favorecem escolhas saudáveis, a longevidade e a qualidade de vida deixam de ser exceção para se tornarem norma.

Em Singapura, o governo implementou o programa Healthier SG, que incentiva os cidadãos a se cadastrarem em médicos de família e aderirem a planos personalizados de saúde preventiva, oferecendo benefícios como consultas subsidiadas e recompensas financeiras para metas de atividade física e alimentação saudável. Na Noruega, políticas públicas incluem subsídios para academias e incentivos fiscais para empresas que promovem hábitos saudáveis, integrando a atividade física à política educacional e ao bem-estar no trabalho. Enquanto isso, no Brasil, seguimos tratando saúde como sinônimo de hospital, sem integrar de forma consistente a prevenção e a promoção de hábitos saudáveis às estratégias nacionais.

A obesidade atravessa gerações

Um estudo publicado recentemente pela Nature Communications (2025) confirmou que a obesidade pode ser transmitida não apenas por herança genética, mas por padrões epigenéticos, ou seja: comportamentos alimentares, níveis de estresse e estilo de vida dos pais influenciam diretamente a saúde metabólica das futuras gerações.

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Isso significa que uma população negligenciada hoje representa um ciclo contínuo de doenças amanhã. Não se trata mais de “ajudar quem precisa emagrecer”. Trata-se de entender que uma sociedade doente compromete seu futuro — e que políticas públicas de bem-estar não são gasto, são investimento.

Qual seria o caminho?

A boa notícia é que o Brasil tem todas as condições de liderar essa mudança, mas precisa assumir que saúde é uma construção coletiva. Abaixo, algumas diretrizes simples, baseadas em experiências internacionais de sucesso, que poderiam transformar nossa realidade:

O bem-estar não é uma utopia individual. É uma responsabilidade coletiva, uma necessidade econômica e uma urgência cultural. Enquanto continuarmos apagando incêndios, veremos mais corpos adoecendo, mais mentes colapsando e mais futuros sendo comprometidos por aquilo que poderia ser evitado: a ausência de uma política pública de prevenção.

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Paola Machado

Dra. Paola Machado é Doutora e Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP, especializada em Fisiologia do Exercício, Nutrição e Fisiopatologia da Obesidade. Com mais de 2000 textos publicados em portais renomados, ela se destaca como uma referência em emagrecimento, performance pessoal e rotinas de sucesso, traduzindo conhecimento científico em práticas acessíveis e eficazes. Siga no Instagram: @machado_paola