A geração mais conectada da história é também a mais cansada: o paradoxo do corpo que para

Com tanta informação sobre saúde, como ainda somos tão sedentários, ansiosos e improdutivos? A resposta está no excesso, não na falta

Paola Machado

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Nunca tivemos tanto acesso a conteúdos sobre saúde, treino e bem-estar. A cada rolar de tela, surgem dicas de exercícios, receitas “fit” e vídeos motivacionais. Paradoxalmente, nunca fomos tão sedentários, ansiosos e improdutivos. O problema não está na falta de informação, mas no excesso, que gera confusão, fadiga mental e inação.

Esse cenário não surgiu por acaso. Desde a infância, moldamos o corpo e a mente para permanecer sentados. Quando uma criança nasce, seu instinto natural é se mover. Ela rola, engatinha, tenta andar, busca estímulos físicos. Mas, ao entrar na escola, inicia-se um processo de domesticação do corpo: longas horas sentada, com pausas mínimas de movimento. Esse padrão se repete no ensino médio, na faculdade e, depois, na vida profissional.

Se colocarmos números na mesa, o quadro fica ainda mais claro. Considerando um calendário de 200 dias letivos por ano e uma carga horária média de 5 horas/dia, com cerca de 85% do tempo escolar passado sentado (média observada em estudos internacionais sobre comportamento sedentário em sala de aula – Journal of Science and Medicine in Sport, SAGE Journals), uma criança que atravessa toda a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio acumula aproximadamente 11,5 mil horas sentada apenas na educação básica. 

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Somando uma graduação média de 4 anos (≈ 3.000 horas-aula, 90% sentadas), chegamos a cerca de 14 mil horas nessa posição até o fim da faculdade — o equivalente a quase 600 dias ininterruptos ou 5 anos inteiros de “jornadas de 8 horas” sem se levantar.

Ou seja, não estamos falando de um detalhe pedagógico, mas de um molde de comportamento que condiciona o corpo a permanecer parado. Pior: cada vez que uma criança se levanta para se mover, muitas vezes é repreendida, aprendendo desde cedo que movimentar-se é “erro”. Depois, exigimos que esse adulto seja ativo, resiliente e produtivo.

Dados internacionais reforçam esse quadro: estudos mostram que estudantes passam, em média, cerca de 63% do tempo escolar em comportamento sedentário — ou seja, sentados. Em uma jornada de 4 a 5 horas diárias, isso representa aproximadamente 130 minutos por dia apenas em sala de aula, acumulando milhares de horas ao longo da formação escolar. E, pior: cada vez que a criança se levanta, muitas vezes é repreendida. Assim, desde cedo, movimentar-se passa a ser percebido como um desvio do “comportamento esperado”. Depois, cobramos que esse adulto seja ativo, resiliente e produtivo. 

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O corpo humano é programado para economizar energia. A inatividade reforça essa tendência, tornando o movimento cada vez mais raro e custoso. O resultado é um ciclo vicioso: menos movimento → menos condicionamento → mais esforço para se mover → mais sedentarismo.

O custo dessa escolha silenciosa é alto. Globalmente, a OMS calcula que entre 4 e 5 milhões de mortes anuais poderiam ser evitadas se a população fosse mais ativa, com um impacto estimado de US$ 27 bilhões ao ano em custos médicos. Estimativas extras propõem que a inatividade física gera efeitos econômicos ainda maiores, com US$ 47,6 bilhões por ano em custos diretos. No Brasil, o cenário também é preocupante: as complicações de obesidade, como diabetes, doenças cardiovasculares e osteoarticulares, representam um custo direto acima dos US$ 2 bilhões por ano para o SUS — e outras estimativas apontam US$ 654 milhões por ano em gastos médicos diretos apenas com sobrepeso e obesidade.

E o paradoxo se acentua: vivemos hiperconectados, com academias acessíveis, aplicativos de treino e conhecimento científico à distância de um clique. Mas, sem mudança de estratégia pedagógica e cultural, continuaremos formando adultos que não sabem incorporar o movimento à rotina.

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O movimento deveria ser ensinado como um pilar de educação, e não apenas como disciplina extracurricular. Educação física não é só “jogar bola” ou “fazer alongamento” — é alfabetização corporal. Assim como aprendemos a ler e escrever, deveríamos aprender como nosso corpo funciona, quais músculos e articulações usamos em cada ação, como o movimento influencia nosso cérebro e como ele se conecta com matérias como física, matemática e biologia.

Matemática poderia ensinar cálculos de potência e gasto energético; física poderia abordar força, aceleração e alavancas corporais; biologia poderia integrar fisiologia e nutrição. Essa integração criaria gerações com mais autonomia e consciência sobre o próprio corpo.

O impacto econômico de uma sociedade que se move é imenso. Prevenir é mais barato do que tratar — mas, para isso, é preciso investir em políticas públicas e currículos escolares que coloquem a educação em movimento no mesmo patamar das demais áreas de conhecimento. Isso não é utopia; é estratégia de sustentabilidade em saúde.

Caminhos para virar esse jogo

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Paola Machado

Dra. Paola Machado é Doutora e Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP, especializada em Fisiologia do Exercício, Nutrição e Fisiopatologia da Obesidade. Com mais de 2000 textos publicados em portais renomados, ela se destaca como uma referência em emagrecimento, performance pessoal e rotinas de sucesso, traduzindo conhecimento científico em práticas acessíveis e eficazes. Siga no Instagram: @machado_paola