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Um retrato do tumultuado setor automotivo no “bastardo e inglório” ano de 2021

O fato é que – infelizmente – o Brasil entrou num clássico DeLorean, decidiu voltar no tempo para mais ou menos um ano atrás e reviver todo o caos de 2020
Por  Raphael Galante -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Caros leitores, digníssimas leitoras: encerrado o primeiro bimestre do ano e passadas as festividades do Carnaval, a lógica seria que agora o país começasse a andar.

Mas o fato é que – infelizmente – o Brasil entrou num clássico DeLorean, decidiu voltar no tempo para mais ou menos um ano atrás e reviver todo o caos de 2020.

Ou, se você preferir, estamos filmando uma continuação do ano anterior. E, como todos sabemos, quando fazem a sequência de algum filme, quase sempre rola aquela apelação generalizada, no melhor estilo Quentin Tarantino.

Então vamos rascunhar de como vem sendo o nosso “bastardo e inglório” ano de 2021.

1º – PcD

Dentre tantas coisas que vêm acontecendo, vamos começar pelo “menos complicado” de explicar: o público de veículos para Pessoas com Deficiência (PcD) em São Paulo tomou uma saraivada da margarina.

Para começar, viram a isenção de IPVA ser cancelada nas últimas badaladas do ano passado. Como o governo do estado de São Paulo se encontra quase em situação falimentar (neste caso, São Paulo não é o único estado nessa situação), eles decidiram cobrar IPVA do público mais necessitado.

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A margarina optou pela medida mais rápida. Vai ver ele pensou: “isso é mais fácil do que tirar doce de criança…”. Mas o ponto central é que não existe justificativa plausível (dentro da lei) para ele fazer essa alteração/cobrança. Mas, mesmo assim, ele cobrou… e muita gente entrou com ação no Judiciário, que deu ganho de causa para o público PcD. Então o margarina se deu mal? Médio…

Como a Justiça é meio rápida, teve uma boa quantidade de pessoas que pagaram o IPVA, seja integral ou a primeira parcela dele. Sabe o que o governo de São Paulo disse? Quando o processo chegar ao final (trânsito julgado), o governo fará a devolução dos valores. E aí está o problema.

No dicionário do Judiciário, o oposto de agilidade/rapidez é “trânsito julgado”. Ou, como diria o pessoal lá da quebrada onde moro: “Perdeu, meu irmão… perdeu!”

2º – PcD – Parte II

Acho que o pessoal do governo de São Paulo decidiu pegar o público PcD para Cristo. Outra bolada nas costas que eles tomaram foi a mudança na regra da troca de veículos de dois para quatro anos. OK… ele pode alterar a lei. Mas valendo só daqui para frente! E aí, o que eles fizeram? Pegaram todo mundo dos últimos anos.

Sabe o que está acontecendo? O pessoal PcD está entrando na Justiça para não entrar nesta nova regra. Sabe por quê? Porque a documentação que eles pegaram junto à Receita da Fazenda Estadual é tão clara e límpida que informa que a duração do benefício é por dois anos (24 meses). Além disso, na nota fiscal do carro vem a anotação de que o carro é “bloqueado” pelo prazo de dois anos por causa do benefício tributário.

O único ponto que o estagiário se ressente é não ter seguido a carreira do Direito… para os advogados mais “expertos”, o Brasil é melhor do que a Disney.

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3º – PcD – Parte III “Grand Finale”

Como na vida não existe nada tão ruim que não possa piorar, no dia 1º de março, o glorioso Governo Federal decidiu colocar a pá de cal para a caboclada do público PcD.

A medida alterou a regra de isenção do IPI. Antes, não havia limite de preço para a compra do carro PcD na incidência do imposto federal. Agora, o limite máximo é de carros com valor até R$ 70 mil.

O que isso quer dizer? Que a grande maioria que possuía uma deficiência “leve” (como mastectomia, por exemplo) necessitava de um carro que fosse automático. Com essa limitação – atualmente – só existem seis modelos à disposição.

Ou então, imagine um cadeirante que precisa de um carro com porta-malas grande (ou um espaço interno maior) para poder manusear a sua cadeira de rodas: o que ele poderá comprar com isenção? Talvez um Renault Kwid completíssimo! Que deve ser super prático para eles…

Como os preços dos carros estão aumentando mais rapidamente do que a gasolina, até o final do ano o pessoal PcD não terá mais nenhum veículo à disposição.

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E o que se sabe é que a retirada desse benefício é para cobrir o buraco que o governo criou para baixar o custo do diesel. Enfim… quem pode mais, chora menos.

4º – Veículos usados

Ok… o estagiário matou grande parte das aulas do seu curso de Economia, para ficar no bar da faculdade (entre “otras cositas mas”). Ele sabe muito bem disso e arca com as consequências. O ponto central é que o Secretário do Estado de São Paulo é o Henrique Meirelles que, além de ter sido presidente do Banco Central (por quase uma década), foi ministro da Fazenda.

E o porquê disso tudo? É que, se o estagiário (dentro daqueles momentos de lucidez) sabe (e entende) o princípio da curva de Laffer, então como o caboclo me decide aumentar o ICMS dos carros usados em mais de 200%?

NOTA EXPLICATIVA: a curva de Laffer é uma definição econômica que mostra o quanto o governo arrecada de impostos aplicando diferentes alíquotas. Segundo a curva, essa relação não é diretamente proporcional – ou seja, em determinado ponto, um aumento na tributação resultaria em uma receita menor do que antes.

Vamos desenhar para eles entenderem melhor:

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Qual é o grande problema do mercado de carros usados? Segundo alguns estudos, no ano de 2019 foram pouco mais de 3,766 milhões de carros usados vendidos no estado de São Paulo. Uns 565 mil foram de pessoas físicas para pessoas físicas (o que não gera o pagamento de ICMS); outros 640 mil passaram por todo o trâmite do pagamento de imposto; e tivemos 2,56 milhões de unidades que, na teoria, poderiam ser tributadas.

Agora… imaginando esse aumento de mais de 200% no imposto, você acha que esse bolo de 2,56 milhões de veículos que poderiam ser tributados vai aumentar ou vai diminuir? Eu aposto um picolé de limão que, dos 17% de carros usados que pagavam ICMS em São Paulo em 2019, menos da metade vai recolher o tributo neste ano.

Em vez de o governo criar/implementar ferramentas para agregar o pessoal que se encontra na informalidade, ele, na sua “jenialidade”, faz o contrário…

Mas enfim, o estagiário aqui queimou boa parte dos seus neurônios no bar da faculdade. Já o glorioso secretário, que foi ministro da Fazenda e presidente do Banco Central, deve saber melhor do que eu o que está fazendo…

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5º Falta de insumos

A GM foi a primeira a dar “férias” aos seus funcionários, por causa da falta de peças para a produção de carros. Amiguinhos…. essa preocupação vinha desde outubro/novembro do ano passado, quando todos já sabiam que não haveria material suficiente para produzir os veículos no primeiro semestre deste ano.
Pessoal, falta tudo! Desde as peças mais básicas até os componentes que são importados. Em alguns casos, algumas montadoras solicitam encarecidamente para o seu concessionário devolver a embalagem de papelão, pois falta até isso para fazer o despacho da peça. Gente… falta papelão!

Normalização de 100% da situação só no segundo semestre – desde que não haja nenhuma hecatombe nuclear no meio do caminho. Enquanto isso, teremos um primeiro semestre apontando que para uma ou outra marca faltarão componentes para determinados veículos.

Feito o preâmbulo do que vem acontecendo (e acontecerá) no setor automotivo, vamos ao resultado do ano.

Com 158,2 mil carros vendidos em fevereiro, o setor registrou queda de 2,7% sobre o mês passado (162,6 mil) e tombou 17,7% sobre fevereiro do ano passado (192,3 mil).

No acumulado deste primeiro bimestre somamos 320,7 mil carros novos vendidos contra 376,4 mil sobre o mesmo período do ano passado. Ou seja, retração de 14,8%.

A situação do setor é meio “desconfortável”, mas o cenário ainda é de recuperação. Basta levarmos em consideração que no ano passado tivemos dois meses parados. Se isso não acontecer novamente neste ano, ainda sim registraremos um bom crescimento nas vendas.

E qual é o grande destaque deste ano? É o pessoal da antiga FCA (Fiat-Jeep) ou atual STELLANTIS (Fiat-Jeep-Peugeot-Citroen).

A Fiat, depois de muitos anos, voltou a ser a líder de vendas. É a marca mais desejada deste ano, com o grande destaque das suas picapes como a Toro e o grande sucesso de vendas – a Fiat “pato” Strada.

O sucesso da Fiat e Jeep está sendo avassalador. Enquanto o mercado registra queda de quase 15% nas vendas, as duas marcas possuem crescimento médio por volta de 22% (22,8% na Fiat e 20,6% na Jeep).

De fato, das 15 principais marcas do setor automotivo (98% do mercado), apenas quatro estão registrando crescimento nas vendas. Além das duas já citadas, temos a Peugeot (que faz parte do grupo) com evolução de 6,6% e a CAOA-Chery, com crescimento de quase 10%, fazendo jus ao conceito de que o Dr. Carlos Alberto de Oliveira Andrade possui o “Toque de Midas”.

A Fiat conseguiu deter 20% de todo mercado de veículos novos, e o grupo STELLANTIS fechou esse primeiro bimestre com share de quase 29%. Pessoal, o grupo (em especial a Fiat) está voando neste ano: a Fiat abriu uma vantagem de mais de 11 mil carros sobre a segunda marca mais vendida, que é a Volkswagen.

Se o pessoal da Fiat ficou com o nosso “Troféu Joinha” como a marca mais desejada (por enquanto) deste ano, o nosso prêmio “Caindo Mais Do Que Jaca Madura” foi a Ford. E, com certeza, ninguém retirará esse título dela.

Ex-quarta força do mercado, atual nona colocada e indo para a décima posição, a Ford registra tombo de 60% nas vendas neste primeiro bimestre – lembrando a eles que, em geral, do chão não passa!

A saída da Ford ainda vem dando muito o que falar e o assunto ainda vai render muito…

Neste mês, a marca vendeu 3,7 mil veículos, queda de 54% sobre janeiro, quando tivemos 8,1 mil carros comercializados, ou retração de 75% sobre fevereiro do ano passado, quando tivemos 15,1 mil carros vendidos.

O pior de tudo é que a marca de 3,7 mil carros vendidos em fevereiro não é (ainda) o fundo do poço da marca. Deste total, quase 2,3 mil são dos veículos que ela descontinuou, como o Ecosport e a linha Ka (Hatch e Sedan). Apenas 1,45 mil unidades de produtos da “nova Ford Brasil” foram vendidas.

Esse tenderá a ser o tamanho da Ford no Brasil. Uma marca que comercializará uns 1,75 mil carros/mês. Considerando o melhor ano da marca (2008), quando ela vendia quase 28 mil carros por mês, a marca vai sofrer uma retração de 94%.

E aí, o que achou? Dúvidas, me manda um e-mail aqui. Ou me segue lá no Facebook, Instagram, Linkedin e Twitter.

Raphael Galante Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva

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