Todas as montadoras são iguais! Mas umas, são mais iguais que as outras!

Entendendo um pouco mais da crise que as montadoras vivem.
Por  Raphael Galante
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O ano mal começou, e vivenciamos uma enxurrada de matérias na mídia sobre demissões em massa provocadas por algumas montadoras (em geral, as do ABC Paulista).

Mas, afinal de contas, o que está acontecendo com as montadoras?

Bom… quando a gente conversa sobre este tópico com os nossos clientes, fazermos sempre uma analogia sobre a obra de George Orwell para explicar melhor (A Revolução dos Bichos).

A última parte do livro resume tudo:

TODAS AS MONTADORAS SÃO IGUAIS! MAS UMAS SÃO MAIS IGUAIS QUE AS OUTRAS!

E, infelizmente, aqui, as montadoras do ABC Paulista não fazem parte desta categoria.

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E porque elas estão assim? Vários fatores explicam, e vou tentar passar os principais:

ACOMODAÇÃO – Existe um ponto histórico que atualmente gera um ônus pesado sobre as “montadoras veteranas” (VW, Fiat, Ford e GM): se acomodaram. Como elas possuíam uma “reserva de mercado” que perdurou até uma década atrás, digamos que acabaram “dormindo em berço esplêndido”.  Ou seja, pararam no tempo, não se modernizaram e ficaram com fábricas enormes, imensas, verdadeiros elefantes brancos (assim como alguns estádios da Copa). E agora, com a segunda onda de investimentos e com a ampliação e construção de novas plantas, possuem um passivo gigantesco que não as permite concorrer com as novas plantas em agilidade, produtividade e custos.

CRESCIMENTO ECONÔMICO – O crescimento econômico que o país registrou no período de 2005 até 2012 foi excelente para a indústria automotiva! Nunca se vendeu tanto carro. O que foi ótimo. Mas existe o outro lado. Qual foi o outro lado? Com a economia “bombando”, as centrais sindicais fizeram o seu papel e muito bem, por sinal (palmas para eles) – o que verificamos é que, neste período, os aumentos dos salários e benefícios sempre foram acima dos índices de inflação, ou seja, houve ganho real por parte dos trabalhadores. O lado ruim é: tivemos queda de vendas em 2013, 2014 e teremos em 2015. Ou seja, as vendas estão em queda há três anos e os custos aumentando. Em geral, um Metalúrgico da região de Betim ganha -40% a menos que o do ABC Paulista e, em algumas funções, os metalúrgicos da nova fábrica de Goiana (PE) ganham -65% a menos.

SÍNDROME DO VENCEDOR: Não tem como… todas as marcas que entraram tanto na primeira onda de investimentos quanto nesta última tinham (têm) como foco bater nas “quatro grandes”.  Ou seja: “tenho que roubar mercado daquele que tem 25%, 20%, 18% do mercado”. Concluindo, as quatro grandes sofrem mais por ter um mercado maior.

FALTA DE PROTEÍNA: Acreditamos que alguns executivos de montadoras sofreram de falta de proteína na infância; o que justifica os erros homéricos que eles fazem. Vamos exemplificar com a VW, que demitiu recentemente 800 funcionários e foi o motivador deste texto (mas vale para todas).  O que aconteceu com ela? Eles tinham um veículo (Kombi) que era único no mercado, vendia quase duas mil unidades/mês e com uns três anos de antecedência já sabiam que o veículo seria descontinuado. Pergunto: O que fizeram? Da mesma forma que jogar Texas Holdem Poker com o seu carro novo, o “DOWN” foi uma temeridade… além disso, eles diminuíram a produção do Gol “pé-de-boi” e, aí, o pessoal da Fiat com o seu Palio “pé-de-boi” agradeceu muito e roubou a marca de carro mais vendido que era do Gol desde 1900 e guaraná com rolha…

Por fim, vou exemplificar com uma continha de padaria. Imaginemos o ano realizado (de vendas de veículos) de 2007, 2012 (recorde da indústria), 2014 e o de 2015. Para o ano de 2015, estimamos um mercado com retração entre -2,73% (no cenário positivo) e -5,29% (cenário negativo). Vamos trabalhar como uma média de -4%.

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A gente tem a seguinte tabelinha:

O que podemos concluir:

  • A VW vai vender em 2015, praticamente o mesmo volume de 2007 (ou -32% a menos que o seu recorde histórico). Se imaginarmos um aumento de custos by IGP-M na ordem de 70% (nos últimos 8 anos), ela está com um prejuízo violento! Mas vocês vão dizer que o preço do carro aumentou. Pois bem, quem quiser ir até o site da FIPE vai ver que o Fox 1.0 em janeiro de 2007 custava R$ 31.976, contra R$ 31.817 de janeiro de 2015. Ou seja, é prejuízo mesmo.
  • Percebemos que a choradeira maior é mesmo com o pessoal das montadoras veteranas do ABC Paulista. Não percebemos o quarteto asiático (Honda, Toyota, Hyundai e Mitsubishi) reclamando como eles.
  • Outras marcas também estão de mal a pior, e serão as próximas a abrirem o bico. A tabela é bem auto-explicativa.

O fato é que o ABC Paulista está definhando há muito tempo (culpa também da chamada “guerra fiscal”).  O trabalho na indústria automobilística existe, mas ele migrou de lugar, onde o custo de mão-de-obra é menos oneroso. Além disso, a mecanização e robotização das fábricas é uma tônica. Teremos menos funcionários, mas mais funcionários qualificados.

Soma-se, ainda, a esta tragédia grega, que o nosso principal mercado exportador (Argentina) foi pras cucuias. 

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Demitir alguém nunca é legal. Principalmente na indústria onde o custo de formação do profissional é caríssimo, e quando o mercado voltar a se recuperar, terão um gap imenso – de tempo – até fazer a reposição. Não foi a melhor alternativa, mas era a ÚNICA ALTERNATIVA.

Raphael Galante Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva

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