Fechar Ads

Como é ter um carro elétrico por uma semana em São Paulo

Por  Raphael Galante -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Caros leitores, digníssimas leitoras: o futuro do carro elétrico já chegou (na verdade, chegou de novo).

A história do carro elétrico remonta ao século XIX. Lá em meados de 1850, surgiram os primeiros automóveis elétricos – em 1900, quase 30% dos carros produzidos no EUA eram elétricos.

Aí veio um tal de Henry Ford (com a sua linha de produção) e atrasou (e ainda atrasará) o “renascimento do carro elétrico” por quase um século e meio. Mas isso é uma outra história…

Voltando ao nosso paranauê:

No ano passado, tivemos a oportunidade de verificar (e estudar com mais afinco) como estava se comportando o mercado de carro elétrico nas “Zoropa”.

O mercado europeu será o que adotará a matriz elétrica em seus veículos com maior rapidez. Um dos pontos principais é que a nova regulamentação de poluentes já entrou em vigor neste ano.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

E aí, amiguinho, não é que “a batata tá assando” para as montadoras de lá: a batata já assou!

Para você, leitor que for visitar algum país da Europa, preste atenção nas novas placas de trânsito. Na Espanha, no dia 02 de janeiro, o governo colocou as primeiras placas educativas proibindo a circulação de veículos poluentes que não atendem à nova norma (até o final do mês de abril está liberada a circulação de todos os veículos):

Placas para veículos elétricos na Espanha

Esse foi um dos principais motivos para a PSA (Peugeot-Citroen) arrematar a FCA (Fiat-Chrysler), já que a FCA não conseguiu desenvolver uma tecnologia para ter carros mais eficientes.

O pessoal da PSA está tão avançado nesta questão que, através do aplicativo EMOV (que é da FREE 2 MOVE; que é do grupo PSA) já disponibiliza veículos para locação por minuto na versão elétrica. Seja ele do basicão C-Zero; um utilitário de carga como o Berlingo ou até um completão como o DS3.

De fato, o grupo PSA, através da FREE 2 MOVE (lá nas “Zoropa”), entra em novos nichos de mercado: utilização do carro por minuto para brigar com os veículos de aplicativos ou fazer a locação de seus veículos nas concessionárias da marca (mas não vou falar nada sobre isso – locação – senão o pessoal das locadoras vai colocar o meu nome na boca do sapo).

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

FREE 2 MOVE aplicativo aluguel carros

E aqui em terras tupiniquins? Como anda o mercado de carros elétricos e/ou híbridos no Brasil?

A demanda deste tipo de veículo cresceu numa velocidade impressionante. Só no ano passado, o volume de vendas triplicou!

Foram pouco mais de 11,8 mil carros em 2019, contra 3,9 mil no ano de 2018.

Ok, você vai falar que, no meio de um mercado de 2,66 milhões de carros, vender apenas 12 mil elétricos/híbridos (0,45% sobre o total) é basicamente o desvio padrão de qualquer coisa.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Sim…mas vejamos por outra ótica. São quase mil carros elétricos e híbridos vendidos por mês. Ou 50 carros/dia!

E o “mais melhor de bom” é que o volume é crescente. Um histórico de vendas desse tipo de carro aqui no Brasil seguiu essa trajetória:

vendas de carros elétricos no Brasil

Mas a nossa grande dúvida foi: como se comportaria um carro elétrico por aqui? Afinal de contas, a gente depende imensamente de Itaipu; a recém-concluída Belo Monte possui um regime de trabalho francês (trabalha 8 meses e folga 4); grande parte das linhas de transmissão estão a desejar; sem contar que constantemente rola um “apagão de leve” em algum lugar do Brasil.

E aí, para facilitar a vida, decidimos fazer um test-drive com um carro 100% elétrico. Logicamente que conversamos com uma série de montadoras para pegarmos emprestado um veículo, e a única montadora “meia descompensada das ideias” para emprestar um carro para o estagiário – por incrível que pareça – foram os japoneses da Nissan.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Num primeiro momento, pensamos que era alguma pegadinha da marca com o estagiário… Afinal de contas, nem eu emprestaria um carro para mim mesmo!

Mas, não… eles REALMENTE emprestaram um carro para o estagiário! Eu me senti a própria Greta:

https://media.giphy.com/media/U1aN4HTfJ2SmgB2BBK/giphy.gif

 

A NOSSA EPOPÉIA!

A nossa jornada foi incrível! Uma vez acordado com o pessoal da Nissan, ficamos com o carro por cinco dias. Na hora de retirar o carro, fomos até a concessionária “X”. E aqui começamos a nossa aventura!

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Entrando no carro, o primeiro pensamento que tive foi o mesmo daquele senhor de 80 anos, que pega – pela primeira vez – um controle do PS4 para jogar Fortnite:

“- G-ZUIS! O que eu faço com tanto botão?” Sente o drama… o câmbio parece um mouse!

Painel do Nissan Leaf

Procura o manual, folheia daqui, uma consulta express no Google e, meia hora depois, o carro se encontra ligado e pronto para sair, certo? Errado!

Cadê o freio de mão para liberar o carro? O nome já é auto explicativo: “F-R-E-I-O D-E M-Ã-O”.

Novamente: procura o manual, folheia daqui, uma consulta express no Google e, meia hora depois, descobrirmos que o “freio de mão” virou “freio de pé”!

O CARRO

Tirando os percalços iniciais, a dirigibilidade do carro é fenomenal! O que chamou a nossa atenção inicialmente foi o silêncio “ensurdecedor” do veículo.

Pela falta do barulho do motor a combustão, aliada ao excelente isolamento acústico do carro (para uma pessoa que tem esposa, dois filhos e cachorro), foi como se eu tivesse redescoberto o significado da palavra “PAZ”.

Para vocês terem ideia, o Leaf tem o aspecto de um hatch médio “parrudo”. Igual ao falecido Hyundai i30, mas com um senhor porta-malas de 435 litros – como comparação, o do SUV mais vendido no Brasil (Jeep Compass), tem um porta-malas de 410 litros.

Outro ponto que merece destaque é na hora de manobrarmos para fazer uma baliza ou estacionar o carro. A quantidade de câmeras que o carro possui te dá a melhor visão possível. Você consegue ver todo o espaço em sua volta (e na frente também), eliminando qualquer tipo de ponto cego; além disso, por ser extremamente silencioso, o pessoal da Nissan colocou aquele “bip-bip” na hora que você engata a ré.

Cãmeras de estacionamento do Nissan Leaf

Mas o que realmente A-D-O-R-A-M-O-S no veículo foram as funções ECO e a E-PEDAL. A ECO faz diminuir a entrega da potência, aumentando a autonomia de rodagem do carro.

Já a função E-PEDAL (nova para nós) é mais ou menos como um super freio-motor. Mas a sacada aqui é que você sequer precisa pisar no freio (só em emergência). Isso já gera um impacto no custo de manutenção do carro. Sabe aquelas pastilhas de freio que você troca a cada 30 mil KM, aqui – teoricamente – você nem precisa mais trocar!

O conceito do E-PEDAL, é igual ao dos “carrinhos de autorama”: parou de acelerar, ele para quase na hora. Num primeiro momento você demora um pouco para se acostumar, mas depois você pega as manhas. Outro ponto é que isso serve para criar a “regeneração” de energia, ou seja, ganha-se mais alguns quilômetros de autonomia.

A autonomia que a Nissan fala é de 240 km mas, na cidade (como São Paulo) só o para-e-anda “normal”, aliado à restrição de limite de velocidade, faz com que isso aumente significativamente.

Como o estagiário é caiçara (“…meu escritório é na praia, estou sempre na área…”) decidimos testar a autonomia que a Nissan diz que o carro tem, fizemos um bate-volta (São Paulo – Santos – Guarujá – São Paulo) para ver como o carro se comportava. E aí que mora o perigo!

Para descer a serra, na plenitude do silêncio do carro, basta você pisar no acelerador que ele vai… Você sente os 150 cavalos de potência imediatamente… tanto que você precisa redobrar o cuidado para não ser multado por excesso de velocidade. Já para subir a serra, ficamos mais receosos pois a carga estava em menos de 35% – mas, mesmo assim, o carro veio de boa com sobra final de 15%.

E para carregar o Leaf? Quanto tempo demorei?

Bom… eu não gastei mais do que 1 minuto.

Oiê?

Sim… foi o tempo de eu pegar o carregador no porta-malas e colocar na tomada. Trabalhamos como o Leaf como se ele fosse um celular. O que a maioria de vocês, caros leitores, fazem com o seu celular na hora de ir dormir? Eu aposto um picolé de limão que vocês o colocam para carregar.

No caso do Leaf, o conceito é o mesmo. Chegou em casa, não vai mais usar o veículo ou vai dormir, coloque ele para carregar e use-o no dia seguinte.

Placa para veículos elétricos na Espanha
(Raphael Galante)

Ok, cara-pálida! Concordo contigo…. mas, se por acaso eu esquecer de carregar o Leaf, assim como faço de vez em quando com meu celular?

Bom… tem um app (PlugShare) que mostra onde podemos encontrar todos os postos de carregamento. No caso da cidade de São Paulo, você estará muito bem servido:

App PlugShare

Mas, tem um problema, que é o mal que aflige todo mundo que precisa de um carregador de celular. Na hora do aperto, o que perguntamos?

“…você tem um carregador para o telefone X ?” Não… só para o telefone “Y”, “Z” ou qualquer outra coisa. Esse que é o grande mal dos carregadores de celular (e dos veículos elétricos) – não existe um padrão único. E aí, quando você vai ver onde tem carregador do Leaf, você começa a se desesperar:

App PlugShare

Aqui vai uma dica para o pessoal da Nissan. A Volvo e a BMW (em São Paulo) espalharam alguns pontos de carregamento. No caso da Volvo existe alguns que ficam no Pão de Açúcar (por exemplo) e os da BMW em postos de gasolina.

Como a máxima do pessoal do marketing é “nada se cria, tudo se copia”, vocês poderiam fazer algo parecido, ou então providenciar um adaptador para usar os postos de carregamento das duas montadoras.

Uma sugestão é colocarem um carregador (rápido) em suas revendas, mas que esteja em um lugar de fácil acesso para o consumidor. Colocar dentro da oficina ou no showroom o carregador (onde as concessionárias só trabalham – em geral – de segunda a sexta em horário comercial), não é ser muito inteligente.

Outro teste que fizemos foi exatamente este, ficar quase sem bateria para tentar carregar em algum ponto.

No caso do Leaf, dos sete postos disponíveis em São Paulo, a grande maioria fica em concessionária (fizemos o nosso teste no final de semana), e os pontos de abastecimento só em horário comercial. Aí isso vira um perrengue para quem precisa dar uma carga no carro – além da maioria não ser de carga rápida.

Mas para não me alongar mais no meu “causo”, o carro tem muita tecnologia embarcada. Na estrada (tanto na cidade) o carro informa quando é o melhor momento para fazer uma ultrapassagem com segurança; se começa a “comer a faixa”, o carro sinaliza e apita; tem um sistema de anticolisão inteligente, que evita bater na traseira de alguém.

O custo para carregar o carro vai variar entre 25 a 30 kWh. Como o kWh custa na faixa de R$ 0,60, o gasto gira entre R$ 15 a R$ 18 para poder rodar os seus 250 km. Ou seja, fazendo aquela conta de padaria, o seu custo por quilômetro rodado será de uns R$ 0,06 contra uns R$ 0,30 nos carros à combustão. Ou seja, o carro à combustão gasta 5 vezes mais do que o elétrico.

Resumo da ópera:

• O Leaf é um monstro de carro! Para quem precisa rodar muito e com estilo na cidade, o veículo é muito interessante;

• Devido à quantidade de tecnologia embarcada, foi um dos únicos veículos onde eu poderia dizer que você paga um “preço justo” pelo que oferece;

• A falta de um carregador universal ou de um plug adaptador joga contra. Se a Nissan trabalhasse com a sua rede de concessionárias (com um ponto de abastecimento rápido e acessível em cada), isso não seria problema. Sem isso, o carro fica restrito a um raio de 250 km.

• Futuro? Qual é demanda por carros elétricos usados? Quanto ele valerá daqui uns 8 anos, quando a garantia da fábrica já se foi? Hoje o Leaf tem autonomia de 240 km. Qual será a autonomia do Leaf fabricado em 2022 ou do 2025 ou do 2028? Tenderá a ser bem maior, o que desvalorizará ainda mais o Leaf dos dias de hoje?

• E, aproveitando o meu meme da Greta lá em cima, o que será feito das baterias no futuro?

Conclusão final: Se eu tivesse dinheiro, provavelmente compraria um Leaf. Mas fiz as contas e percebi que precisaria trabalhar 72 anos para poder juntar dinheiro e comprar um, então eu vou continuar usando a bike do Itaú.

P.S.: Não… não é uma matéria paga… Afinal de contas, é mais fácil tirar dinheiro dos “brimos” do que dos orientais!

 

E aí, o que achou? Dúvidas, me manda um e-mail aqui. Ou me segue lá no Facebook, Instagram, Linkedin e Twitter.

Raphael Galante Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva

Compartilhe

Mais de O mundo sobre muitas rodas