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O que o Bitcoin e o mercado de imóveis têm em comum?

Usar o Bitcoin é cada vez mais fácil. Há novos serviços de carteira, há exchanges facilitando a compra da moeda digital e, hoje em dia, basta um smartphone para conectar-se à plataforma e transacionar. Entender o funcionamento da tecnologia, porém, é outra história. Poucos conseguem de fato compreender como a rede opera e, sobretudo, como a segurança e a inviolabilidade do blockchain são alcançadas na prática. Quando explico aos leigos a lógica do Bitcoin, costumo recorrer a analogias que facilitem o entendimento. Com essa preocupação em mente, publiquei um post no ano passado intitulado “Dez formas de explicar o que é Bitcoin”. Fruto da minha atividade profissional, tenho notado, ultimamente, como a tecnologia guarda enormes semelhanças com outro mercado muito conhecido por todos: o mercado de imóveis.
Por  Fernando Ulrich -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Usar o Bitcoin é cada vez mais fácil. Há novos serviços de carteira, há exchanges facilitando a compra da moeda digital e, hoje em dia, basta um smartphone para conectar-se à plataforma e transacionar. Entender o funcionamento da tecnologia, porém, é outra história. Poucos conseguem de fato compreender como a rede opera e, sobretudo, como a segurança e a inviolabilidade do blockchain são alcançadas na prática.

Quando explico aos leigos a lógica do Bitcoin, costumo recorrer a analogias que facilitem o entendimento. Com essa preocupação em mente, publiquei um post no ano passado intitulado “Dez formas de explicar o que é Bitcoin”. Fruto da minha atividade profissional, tenho notado, ultimamente, como a tecnologia guarda enormes semelhanças com outro mercado muito conhecido por todos: o mercado de imóveis.

“Como assim?”, você está pensando, “Nada pode ser mais tangível que um imóvel. O Bitcoin, ao contrário, é algo digital, imaterial, que não se pode tocar”. Sim, a natureza do ativo é completamente distinta. A posse e o usufruto de um imóvel são palpáveis. A posse e o uso da criptomoeda, não – embora haja iniciativas para “materializar” uma unidade de bitcoin em moeda física, mas deixemos isso de lado por ora.

Mas a propriedade de um imóvel não difere tanto da de um bitcoin. Em realidade, são muito similares, se não até idênticas. Para entender meu raciocínio, vejamos como funciona uma transação imobiliária, comparando-a com uma transação de bitcoins.

A transação

Quando o dono de um imóvel, um apartamento, por exemplo, vende seu bem a outro, de que forma a transação é formalmente efetivada? No Brasil, como em grande parte dos países, uma “escritura pública de compra e venda” é o documento que comprova a autenticidade da transação. As partes devem comparecer a um cartório regional, onde a outorgante vendedora e a outorgada compradora têm suas assinaturas devidamente reconhecidas pelo tabelião em ofício, o qual é dotado de fé pública com poderes para formalizar juridicamente a vontade das partes. Lavrada a escritura pública, está autenticada e formalizada a transação imobiliária.

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Como funciona a transação na rede Bitcoin? Quando o dono de um bitcoin decide transferi-lo a outro usuário, ele usa sua chave privada para assinar a transação – equivalente ao papel e caneta do mundo físico –, a qual é validada por um minerador, uma espécie de tabelião voluntário da rede Bitcoin. Por meio da criptografia, o tabelião-minerador verifica e assegura a autenticidade da transação.

Enquanto no mundo físico a autenticidade da assinatura é comprovada por um tabelião – seja na forma presencial da parte, seja por semelhança –, no mundo digital, a assinatura é autenticada pela criptografia, que nada mais é do que simples comprovação matemática. Não há espaço algum para fraudes e falsificações, pois não é possível burlar as leis da matemática.

A lavratura da escritura pública é a efetivação da transação imobiliária, é a formalização jurídica da vontade das partes. No Bitcoin, a transação é uma mera mensagem propagada à rede pelo dono dos bitcoins, contendo a sua assinatura (chave privada) e a conta (o endereço) de destino dos fundos. A autenticidade pode ser comprovada por qualquer usuário da rede.

Mas a compra e venda de um imóvel não terminam apenas com uma escritura, porque esta apenas comprova a autenticidade da transação, mas nada diz sobre a real propriedade do imóvel. E se o proprietário já vendeu seu apartamento a outro comprador, o que seria um “gasto-duplo” do seu imóvel? Como pode o comprador assegurar que o vendedor é o real proprietário e usufrui de pleno direito sobre o bem?

O Registro

A esse fim se destina a instituição do Registro de Imóveis, que, em território nacional, tem origem legal lá na década de 1850. Por exemplo, quando um empreendimento imobiliário é incorporado, são criadas no Registro de Imóveis as matrículas individuais para cada unidade. Após a compra de um apartamento por um cliente, lavra-se a escritura de compra e venda, devendo-se levá-la a registro para averbar a transmissão de titularidade.

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Assim, garante-se a efetiva propriedade do adquirente sobre o imóvel comprado. Quando o apartamento for novamente vendido, deverão as partes celebrar o ato em escritura pública, registrando-a, para concretizar em definitivo a transmissão de titularidade. O Registro de Imóveis é a entidade responsável pelas atualizações na matrícula do imóvel, é ele quem mantém e arquiva esse documento vital ao mercado imobiliário.

O Registro, por sinal, é um arquivo público; qualquer interessado em adquirir um imóvel pode consultar a situação do bem no órgão, basta saber o número da matrícula. Toda a “vida” de um imóvel está devidamente registrada na matrícula, desde a data em que ela foi criada, documentando, assim, todas as transmissões de titularidade realizadas.

É pela consulta no Registro que um comprador pode comprovar que o dito vendedor é o real proprietário do imóvel objeto da transação e que ele não foi vendido a outrem. Se o dono do imóvel lavrou outras escrituras de compra e venda, mas que nunca foram levadas a registro, a transmissão de titularidade não ocorre. Vale o que está no Registro. E o primeiro comprador a averbar a escritura na matrícula do imóvel terá a garantia de ser o novo proprietário, com plenos direitos sobre o bem adquirido.

No protocolo Bitcoin, o funcionamento é bastante parecido. Depois de propagada na rede, um tabelião-minerador valida a autenticidade da transação e, subsequentemente, a registra no blockchain. Essa é a parte fundamental. O registro no livro-razão do Bitcoin conclui definitivamente a troca de titularidade de uma unidade da moeda digital. Quem a transferiu não mais detém a propriedade sobre o bitcoin; o destinatário agora é o real proprietário e único capaz de transferi-lo a outros usuários.

Análogo ao Registro de Imóveis, o blockchain é público. Qualquer usuário pode verificar toda a vida de uma unidade de bitcoin, visualizando as transmissões de titularidade em ordem cronológica desde o momento de sua criação. Mas, ao contrário do registro imobiliário, a identidade dos proprietários não é sabida na rede. As transações são públicas, mas os endereços dos remetendes e destinatários não revelam nenhuma identidade.

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O custo para usar o serviço do Registro de Imóveis não é nada desprezível. Mas, para cidadãos brasileiros, pelo menos, não há alternativa. Por lei, somente o Registro é dotado de fé pública para desempenhar a função crucial de proporcionar a segurança jurídica nas transações imobiliárias.

Na rede da criptomoeda, tabeliões-mineradores validam e registram as transações voluntariamente em um processo competitivo, em que o ganhador – e efetivo registrador – recebe a recompensa de novos bitcoins. Qualquer indivíduo pode se candidatar ao “cargo” de tabelião-minerador. Basta investir em maquinário especializado para realizar o ofício. Para entender melhor a grande inovação da tecnologia por trás do Bitcoin, recomendo este post.

Hoje em dia, no Brasil, cada municipalidade tem um registro imobiliário isolado e sem conexão com os demais. Se um imóvel for registrado em circunscrição diversa, o ato é inexistente. É como se cada município tivesse seu próprio “blockchain”. No Bitcoin, se a transação não for registrada no blockchain principal (o que tem a corrente mais longa), para fins práticos, a transação jamais ocorreu.

A propriedade sobre um imóvel só se adquire pelo registro. A propriedade sobre um bitcoin só se adquire pelo registro no blockchain. Uma transação não confirmada na rede é idêntica a uma escritura que jamais foi levada a registro. Como diz o ditado popular – com embasamento legal –, “Quem não registra não é dono”. No Bitcoin, se não está no blockchain, você não é dono. A titularidade de um imóvel depende do registro, assim como a titularidade de um bitcoin depende do registro no blockchain.

No mercado de imóveis, é a força da lei que confere a uma entidade centralizada o poder sobre a irreversibilidade da transação; no Bitcoin, é a força computacional investida no blockchain que torna praticamente impossível reverter qualquer transação.

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A posse e o usufruto de um imóvel são coisas palpáveis. Basta ter as chaves e usá-lo como bem entender. A propriedade, no entanto, depende do registro cartorial. O pleno direito sobre o imóvel é garantido pelo registro. O proprietário tem o pleno domínio sobre o bem. Ele pode dispor livremente dele quando quiser. No passado, o registro era feito em livros físicos. Com a era da computação, a titularidade de um imóvel pode ser registrada eletronicamente.

Quando um imóvel é vendido a outra pessoa, a propriedade permanece no mesmo local, o que é óbvio. A única mudança ocorre na titularidade do bem. Há apenas uma transmissão de propriedade.

No protocolo do Bitcoin, a lógica é semelhante. Bitcoins não se movem fisicamente de um dono a outro. Uma transação registrada no blockchain apenas configura a transferência de titularidade do ativo; as unidades de bitcoins permanecem “imóveis”, existentes apenas como registros no blockchain associados a um endereço específico (uma chave pública). O real proprietário dos bitcoins é quem tem a chave privada correspondente à chave pública, pois somente ele pode assinar uma nova transação e transferir fundos a terceiros.

A posse de um apartamento é um conceito físico; a propriedade, não. Já no bitcoin, ambas, a posse e a propriedade, são intangíveis. Tanto a titularidade de um imóvel quanto a de um bitcoin podem ser meros registros eletrônicos – não há necessidade de um documento físico. Isso tem implicações importantes.

O futuro potencial

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As características básicas de funcionamento do blockchain são bastante similares às do mercado imobiliário. Isso é um feito notável porque confere enorme segurança às transações da rede Bitcoin, mas sem incorporar a morosidade usual em um processo de registro de imóveis – que pode levar dias – nem as complicações do mundo físico (verificação e autenticação de assinaturas por notários, presença física no cartório, etc.). No blockchain, as transações ocorrem em tempo real; o registro, em poucos minutos.

No fim das contas, as implicações de uma tecnologia como a do Bitcoin são impressionantes, porque o registro no blockchain nada mais é do que uma simples anotação digital contendo a titularidade do ativo em um livro-razão praticamente imutável. É um simples registro de informação. Mas uma informação que não pode ser alterada ou apagada posteriormente.

Isso quer dizer que podemos usar a inovação para registrar outras informações que não a transferência de unidades da moeda digital, como a titularidade de um imóvel. De fato, isso não apenas é possível como já vem sendo testado pelo governo de Honduras para o registro de terras.

Isso tangencia um tema que pouco explorei neste blog até o momento: o potencial da tecnologia para outros fins que não somente o dinheiro digital. A grande verdade é que o Bitcoin é muito mais do que apenas dinheiro. O registro de imóveis é mais do que uma analogia para entender a inovação; é também um forte candidato a sofrer disrupção, uma atividade secular que pode ser sacudida pela tecnologia do blockchain. Mas isso já é assunto para posts futuros, quando tratarei das invenções chamadas de Bitcoin 2.0, Crypto 2.0 ou simplesmente tecnologias do blockchain.

Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

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