Por que um deficit na conta corrente pode ser um bom sinal para o Brasil?
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Enquanto o Brasil mergulhava em sua pior fase da crise, a balança comercial brasileira também marcava seu melhor resultado na história: um superávit de 64 bilhões de dólares.
Antes da crise, o Brasil atraia investimentos estrangeiros, quebrando recordes ano após ano entre 2008 e 2014. A grande confiança no setor produtivo do país e o alto grau de investimento dado pelas agências de rating garantia um acesso a capital barato. Assim, o inflow de capital era recorde. A abundância de recursos disponíveis facilitou o crédito ao consumidor, que somado a uma moeda forte, desestimulava a exportação e estimulava a importação de iPhones e viagens ao exterior. O Brasil tinha um déficit gigante; consumíamos produtos do mundo todo muito mais rápido do que conseguíamos vender.
Hoje, com um baixo grau de investimento e crescimento econômico, o capital estrangeiro ficou mais caro; e seu acesso, mais limitado, parando de financiar muito de nosso consumo. Altas taxas de juros e um dólar forte fizeram com que nossa dívida, de repente, ganhasse um peso muito maior. Precisávamos pagar essa dívida. Dessa maneira, o capital financeiro que uma vez entrava em abundância em nosso país foi revertido em outflows cada vez maiores para pagar o alto endividamento gerado pelo período de bonança.
Com consumo baixo, devido a uma população endividada, somado a um dólar alto, recorrer às exportações era o esperado enquanto as importações diminuíram. O superávit comercial, portanto, é uma consequência direta da crise, do alto endividamento e da necessidade de pagar nossa dívida.
Então por que um déficit seria um bom sinal?
Uma diminuição de nosso superávit comercial poderia sinalizar duas coisas: ou mercado interno começou a demonstrar força e voltou a aumentar seu consumo e demanda por produtos – que aumentaria nossa importação e diminuiria as exportações-, ou o investidor estrangeiro passou a demonstrar confiança no Brasil e voltou a investir no país, e o custo de nossa divida não se encontra mais tão pesado.
Em ambos os casos, uma diminuição de nosso superávit significaria que nossa economia está ganhando momentum. Não é à toa que o pior momento da crise acompanhou o maior superávit, e também que nossos maiores déficits ocorreram durante o boom.
Um déficit geraria outra bolha?
Não é uma ciência exata, déficits e superávits comerciais não sempre significam as a mesma coisa. Desde 1980 a Austrália incorre déficits todos os anos, e esses déficits foram fundamentais para se tornar o que é hoje. Déficits podem ser tanto extremamente benéficos e estimular crescimento econômico, como podem ser a causa de grandes crises.
No caso brasileiro, foi a crise. Nosso endividamento financiou, literalmente, imóveis e viagens. O gasto do brasileiro com viagens passou de 2,4 bilhões de dólares, em 2002, para 25,6 bilhões, em 2014. Ademais, passou a representar quase 30% de todos serviços importados no país. Ao invés de importarmos softwares ou investir em pólos tecnológicos financiamos casas e viajamos para Miami.
No caso Austrália, Estados Unidos e Índia, seus déficits constantes e acesso a capital externo encontram seus destinos no setor produtivo. O endividamento desses países financiaram novas fontes de receita, permitindo a eles que continuassem a pagar e refinanciar suas dívidas, sem que essas se tornassem “pesadas”. O que não foi o caso das viagens ou “Minha Casa, Minha Vida”, por exemplo.
Concluindo, se o capital que entrou no Brasil tivesse aumentado a produtividade interna de maneira proporcional, seria provável que ainda poderíamos estar incorrendo déficits sem ter entrado em crise. Quando a economia brasileira começar a recuperar-se, nosso superávit irá diminuir, e, com o tempo, capital estrangeiro voltará a entrar. Entretanto, dessa vez, é fundamental que o acesso a recursos seja destinado a setores produtivos da economia e não a imóveis, olimpíadas, copas do mundo, viagens ou corrupção.
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