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Por que um deficit na conta corrente pode ser um bom sinal para o Brasil?

Enquanto o Brasil mergulhava em sua pior fase da crise, a balança comercial brasileira também marcava seu melhor resultado na história. Ao mesmo tempo, no período que antecedeu a mesma, o país batia recordes após recordes em déficits na conta corrente. Inegavelmente, esse déficit culminou na crise em 2014, mas não precisava ser assim. Países como Austrália, por exemplo, registram déficits por quase 40 anos e não sofreram uma crise similar. O que foi diferente com o Brasil e o que devemos aprender sobre os déficits?
Por  Matheus Tavares dos Santos
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Enquanto o Brasil mergulhava em sua pior fase da crise, a balança comercial brasileira também marcava seu melhor resultado na história: um superávit de 64 bilhões de dólares.

Antes da crise, o Brasil atraia investimentos estrangeiros, quebrando recordes ano após ano entre 2008 e 2014. A grande confiança no setor produtivo do país e o alto grau de investimento dado pelas agências de rating garantia um acesso a capital barato. Assim, o inflow de capital era recorde. A abundância de recursos disponíveis facilitou o crédito ao consumidor, que somado a uma moeda forte, desestimulava a exportação e estimulava a importação de iPhones e viagens ao exterior. O Brasil tinha um déficit gigante; consumíamos produtos do mundo todo muito mais rápido do que conseguíamos vender.

Hoje, com um baixo grau de investimento e crescimento econômico, o capital estrangeiro ficou mais caro; e seu acesso, mais limitado, parando de financiar muito de nosso consumo. Altas taxas de juros e um dólar forte fizeram com que nossa dívida, de repente, ganhasse um peso muito maior. Precisávamos pagar essa dívida. Dessa maneira, o capital financeiro que uma vez entrava em abundância em nosso país foi revertido em outflows cada vez maiores para pagar o alto endividamento gerado pelo período de bonança.

Com consumo baixo, devido a uma população endividada, somado a um dólar alto, recorrer às exportações era o esperado enquanto as importações diminuíram. O superávit comercial, portanto, é uma consequência direta da crise, do alto endividamento e da necessidade de pagar nossa dívida.

Então por que um déficit seria um bom sinal?

Uma diminuição de nosso superávit comercial poderia sinalizar duas coisas: ou mercado interno começou a demonstrar força e voltou a aumentar seu consumo e demanda por produtos – que aumentaria nossa importação e diminuiria as exportações-, ou o investidor estrangeiro passou a demonstrar confiança no Brasil e voltou a investir no país, e o custo de nossa divida não se encontra mais tão pesado.

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Em ambos os casos, uma diminuição de nosso superávit significaria que nossa economia está ganhando momentum. Não é à toa que o pior momento da crise acompanhou o maior superávit, e também que nossos maiores déficits ocorreram durante o boom.

Um déficit geraria outra bolha?

Não é uma ciência exata, déficits e superávits comerciais não sempre significam as a mesma coisa. Desde 1980 a Austrália incorre déficits todos os anos, e esses déficits foram fundamentais para se tornar o que é hoje. Déficits podem ser tanto extremamente benéficos e estimular crescimento econômico, como podem ser a causa de grandes crises.

No caso brasileiro, foi a crise. Nosso endividamento financiou, literalmente, imóveis e viagens. O gasto do brasileiro com viagens passou de 2,4 bilhões de dólares, em 2002, para 25,6 bilhões, em 2014. Ademais, passou a representar quase 30% de todos serviços importados no país. Ao invés de importarmos softwares ou investir em pólos tecnológicos financiamos casas e viajamos para Miami.

No caso Austrália, Estados Unidos e Índia, seus déficits constantes e acesso a capital externo encontram seus destinos no setor produtivo. O endividamento desses países financiaram novas fontes de receita, permitindo a eles que continuassem a pagar e refinanciar suas dívidas, sem que essas se tornassem “pesadas”. O que não foi o caso das viagens ou “Minha Casa, Minha Vida”, por exemplo.

Concluindo, se o capital que entrou no Brasil tivesse aumentado a produtividade interna de maneira proporcional, seria provável que ainda poderíamos estar incorrendo déficits sem ter entrado em crise. Quando a economia brasileira começar a recuperar-se, nosso superávit irá diminuir, e, com o tempo, capital estrangeiro voltará a entrar. Entretanto, dessa vez, é fundamental que o acesso a recursos seja destinado a setores produtivos da economia e não a imóveis, olimpíadas, copas do mundo, viagens ou corrupção.

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Matheus Tavares dos Santos Matheus é analista de investimentos em fundos de hedge na maior asset management do mundo. Em cargos anteriores, ele foi trabalhou em um fundo de Venture Capital com foco na América Latina e teve experiencias em bancos brasileiros e norte-americanos assim como na bolsa de valores brasileira.

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