Por que juros muito altos no final têm pouco efeito?

Hoje vivemos um paradoxo incômodo: a política monetária está bastante apertada, mas a atividade continua resistente

Luiz Fernando Figueiredo

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Ao longo de 2024, o Banco Central elevou a Selic de maneira relevante. A taxa saiu de 10,50% para 13,25% ao ano em poucos meses, num movimento que parecia suficiente para esfriar a economia e reconduzir a inflação à meta. O mercado esperava desaceleração. O consumo deveria retrair, e as expectativas inflacionárias, enfim, se ancorar. Mas pouco disso aconteceu.

Hoje vivemos um paradoxo incômodo: a política monetária está bastante apertada, mas a atividade continua resistente. A inflação não dispara, mas também não cede como deveria. E a explicação para esse descasamento não está nas decisões do Comitê de Política Monetária. Está na maneira como o governo tem utilizado o crédito como substituto do estímulo fiscal. Enquanto o Banco Central tenta pisar no freio, o crédito oficial segue pressionando o acelerador.

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A alta da Selic não foi gratuita. No segundo semestre de 2024, as expectativas inflacionárias começaram a se desancorar com mais força. Semana após semana, o boletim Focus se distanciava da meta, reacendendo o debate sobre uma possível dominância fiscal, cenário em que a política monetária perde eficácia diante de um ambiente fiscal descontrolado.

Ainda sob a presidência de Roberto Campos Neto, o Banco Central manteve uma postura responsiva. Na transição para o comando de Gabriel Galípolo, chegou a sinalizar um aperto adicional de 300 pontos-base. Ao mesmo tempo, o cenário externo passou a colaborar. A vitória de Donald Trump nos EUA gerou incertezas, mas acabou favorecendo a valorização do real e a desaceleração de choques importados. O ambiente externo deu um respiro. A inflação interna, no entanto, seguiu resistente.

É nesse ponto que a pergunta se impõe: se o remédio foi forte, por que os sintomas persistem?

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A política monetária atua por diferentes canais. O câmbio: a valorização do real ajuda a conter preços de bens importados e outros indiretamente impactos por ele. A curva de juros encarece o custo de capital para aquele que é captado no mercado. O problema está no canal do crédito, que permanece aberto e aquecido, em grande medida aquele que é de alguma forma subsidiado.

Ou seja, mesmo com os juros elevados, o crédito segue crescendo. O financiamento habitacional continua forte, o programa “minha casa minha vida” foi estendido, o consignado também foi ampliado para novas faixas de público, e empresas, especialmente micro, pequenas e médias, têm acesso facilitado a crédito incentivado. Na prática, a economia ainda recebe estímulo, mesmo com o BC tentando desacelerar.

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Esse descompasso não é ao caso. É parte da estratégia do governo. Diante da limitação fiscal imposta pelo arcabouço e da pressão por resultados em meio à baixa popularidade, o Planalto recorre ao que ainda tem à mão: expansão de crédito por meio dos bancos públicos e de uma série de medidas parafiscais.

Como não pode aumentar gastos primários sem acionar alarme no mercado, o governo optou por ampliar o crédito direcionado em geral. A lista é extensa: mais recursos para o crédito imobiliário com taxas subsidiadas, reforço a linhas para MPMEs, expansão do crédito agropecuário e aumento da oferta de consignado. A ideia é clara: manter a atividade em marcha, mesmo que artificialmente, até as eleições.

O custo, porém, é alto. Toda essa liquidez jogada na economia aumenta a demanda agregada exatamente quando a política monetária busca reduzi-la. É uma disputa silenciosa, mas evidente, entre as duas principais ferramentas de política econômica do país. E no meio disso, está a inflação que não consegue ceder.

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Esse é o ponto central. A atividade demora a desacelerar não por falha técnica do Copom, mas porque há um ruído político na transmissão da política monetária. Trata-se de um ambiente em que o governo, ainda que indiretamente, atua contra a autoridade monetária.

É o clássico problema de falta de coordenação. Para a política monetária funcionar, é preciso coesão institucional. Quando o governo, mesmo sem romper as regras fiscais, contorna os limites com mecanismos parafiscais, o resultado é esse: inflação fora da meta, expectativas desancoradas, juros muito altos e por mais tempo do que seria necessário.

E alguém paga por isso. O contribuinte, o Tesouro, o próprio governo, que vê sua dívida encarecer. O crédito fácil hoje cobra juros altos amanhã.

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O Brasil não está imune à política monetária. O que acontece é que ela está sendo em grande medida neutralizada por decisões políticas que tentam sustentar a economia sem encarar os custos disso. O canal do crédito está congestionado porque foi transformado em instrumento de sobrevivência política.

A política monetária continua funcionando, mas sob protesto. A inflação segue no radar, o alvo ainda está lá. Mas alguém, dentro do próprio governo, insiste em puxá-lo discretamente para mais longe.

Este artigo teve a co-autoria de Italo Faviano economista da BuysideBrasil.  

Luiz Fernando Figueiredo é Presidente do Conselho de Administração da JiveMauá

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Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.