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Ideologia e moeda comum não combinam

A proposta de adoção de uma moeda comum entre o Brasil e a Argentina, assim como outros países, enfrenta desafios significativos devido às divergências econômicas, fiscais e monetárias entre eles
Por  Luiz Fernando Figueiredo -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Desde o início do novo governo, algumas das declarações do presidente Lula têm sido em defesa de uma maior unidade entre os países da América do Sul, acompanhadas da proposta de adoção de uma moeda comum, seja com a Argentina, seja com os países do Mercosul, seja com os países que compõem o bloco dos BRICS.

Esse debate envolve diversos argumentos a favor e contra, presentes em ambos os lados da história.

Pensando na realidade brasileira, bem como nos outros países também considerados “candidatos” a uma moeda única, observamos divergências tão significativas que torna essa iniciativa difícil de ser considerada crível.

Logo, a intenção deste artigo é discutir, levando em consideração o cenário brasileiro, os fatores que tornam mínima a possibilidade de adoção de uma moeda comum.

Para lembrar, a União Europeia foi estabelecida após um longo processo de preparação entre os países que se tornariam membros.

Sendo que a adoção da moeda única foi o último passo, após um enorme processo de ajustes e convergência das políticas em diversas áreas, como fiscal, tributária, trabalhista, monetária, entre outras.

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Para se tornar membro, o país passava por um processo extenso, com muitos compromissos em relação a políticas futuras.

Por isso, a ideia de sucesso de uma moeda comum está fortemente ligada ao alto nível de integração econômica, mobilidade da mão de obra, sincronização dos ciclos econômicos entre os países e política fiscal, entre outros fatores.

Caso essas condições não estejam alinhadas, essa iniciativa terá uma dupla consequência, sendo positiva para algumas economias e péssima para outras, com as primeiras se beneficiando da situação macroeconômica mais favorável das segundas.

Ao adotar uma moeda única, as economias geralmente centralizam as decisões monetárias em uma única autoridade.

Isso implica em uma importante perda de flexibilidade e capacidade de ajuste monetário, uma vez que surgiriam disparidades nas condições econômicas e financeiras entre as economias.

Pensemos no seguinte exemplo: Brasil e Argentina, com dois indicadores: inflação acumulada em 12 meses e taxa de juros básica da economia.

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O Brasil apresenta uma inflação acumulada em 12 meses de 3,94% e uma taxa Selic de 13,75% ao ano. Por outro lado, a Argentina possui uma inflação de 109% em 12 meses e uma taxa de juros de 97% ao ano.

Agora, imagine a autoridade monetária trabalhando no ajuste monetário nesse cenário. Essa disparidade certamente levará a um desequilíbrio.

Além da instância monetária, a frente fiscal também é de extrema relevância.

A adoção de uma moeda comum requer um elevado nível de coordenação fiscal entre as economias, incluindo o alinhamento das despesas governamentais, das políticas tributárias e das regras orçamentárias.

Acontece que alcançar essa coordenação é um grande desafio e geralmente requer uma longa preparação, sendo muitas vezes incompatível.

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Usando o mesmo exemplo acima, é importante lembrar que neste ano estamos testemunhando sucessivas revisões para baixo no crescimento argentino (atualmente em torno de -4,0%) e revisões para cima no PIB brasileiro.

O Brasil está passando por uma reestruturação de seu arcabouço fiscal, estabelecendo metas de resultado primário e implementando um processo progressivo de estabilização da relação dívida/PIB.

Encerraremos o ano com um déficit primário próximo de 1% do PIB (depois de um superávit de 1,3%) e uma relação dívida/PIB em torno de 76% do PIB (em comparação a 73%).

A Argentina, por sua vez, também trabalha com uma meta de resultado primário, porém o cenário para 2023 indica um déficit de 3,0% do PIB, sendo que a meta é um déficit de 1,9%. Além disso, espera-se que a relação dívida/PIB ultrapasse os 91% do PIB.

Além de tudo isso, é válido refletir sobre os impactos nos indicadores de política comercial.

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O saldo da nossa balança comercial está extremamente saudável, e espera-se que encerremos 2023 com um superávit próximo de 60 bilhões de dólares.

Por outro lado, o caso da Argentina é muito diferente, com um superávit de apenas 4,5 bilhões de dólares, afetado por choques no setor agropecuário que impactaram suas exportações.

Agora, considerando todos esses elementos, imagine a economia brasileira adotando uma moeda em comum com a Argentina.

Pense no impacto dessa decisão na nossa performance econômica, na redução da pobreza e na resolução de nossos problemas sociais. Teríamos condições melhores ou piores para abordar essas questões?

Além disso, pense em como nossos parceiros internacionais nos enxergariam. Será que teríamos mais crédito ou menos crédito? Vale lembrar que a Argentina deu um calote considerável na comunidade internacional há alguns anos. Essa história passada ajudaria o Brasil, agora inserido neste bloco, a se relacionar com o mundo e a obter crédito internacional e investimentos estrangeiros?

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Portanto, é crucial ter muito cuidado com ideologias desconectadas da realidade. Não faz o menor sentido nos tornarmos ainda mais vulneráveis do que já somos.

Este artigo tem a co-autoria do economista da Jive Investments Luan Takada

Luiz Fernando Figueiredo Presidente do Conselho de Administração da Jive Mauá. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.

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