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Reforma tributária sem redução da carga tributária é fraude

A Reforma tributária que merece esse nome é aquela que seja capaz de reduzir a carga tributária que pesa sobre a iniciativa privada. É justamente isso o que os "consumidores de tributos" não querem discutir, preferindo adotar a solução da chamada Reforma tributária com "simplificação" ou "neutralidade".
Por  Alexandre Pacheco
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Financeiramente, o pagamento de tributos transfere rendas da iniciativa privada para o Estado. 

No Brasil, os índices oficiais estimam em aproximadamente 32% do PIB o montante das rendas tiradas dos cidadãos e entregues ao Estado a título de tributos (veja aqui), percentual que é objetivamente muito alto. O Governo Federal arrecada sozinho 22% do PIB a título de tributos, sendo que os outros 10% são arrecadados por Estados, Municípios e Distrito Federal.

Além de suportar essa transferência de renda, a iniciativa privada, principalmente as empresas, ainda assume um custo pesado no pagamento de tributos – são os chamados “custos de conformidade”, incorridos na emissão de documentos fiscais, no preparo da escrituração fiscal, assim como na apuração dos tributos e no seu recolhimento. Trata-se de efetivo desperdício, pois esse gasto, diferentemente dos tributos, não gera recursos financeiros para o Estado.

Nesse cenário de alta carga tributária e de altos custos de conformidade, há muita coisa a ser feita para melhoria do ambiente econômico da iniciativa privada no Brasil. E periodicamente, alguém aparece no noticiário com soluções para tratar desses dois problemas graves.

Estamos acompanhando pela mídia que o Governo Temer (que praticamente vem se sustentando com promessas, tentativas e esforços de reformas) está estudando iniciativas de Reforma tributária, sendo que o termo que mais se ouve nesses discursos é “simplificação”. Trata-se de um indicativo de que o Governo Federal quer reduzir os custos de conformidade, sem, portanto, comprometer-se com a redução da carga tributária – apesar de ser o maior ente arrecadador da República, recolhendo sozinho dois terços dos tributos brasileiros.

Se é bem verdade que reduzir os custos de conformidade pode trazer alívio para os empresários sem outros ônus para a Sociedade e para o Estado, a pergunta que se faz é: por que isso não foi feito ainda? Por que isso ainda é vendido como uma solução? Mas o Brasil é assim, um país em que o Governo propõe, planeja e discute o óbvio, ao invés de pura e simplesmente executá-lo. E ainda vende a ideia como se fosse algo genial, e não uma lição de casa, além de ocultar o fato de que o problema a ser solucionado foi criado por ele mesmo…

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Ao lado do discurso de “simplificação” tributária do Governo Federal, que ainda é muito vago por não ter resultado em uma proposta especificando-se os seus termos, foi instalada em 2015 a “Comissão Especial de Reforma Tributária” na Câmara dos Deputados, que ainda está em discussões preliminares, contando até com uma proposta de reforma apresentada pelo seu relator no mês passado (agosto/2017) – veja aqui.

O que chama a atenção é que, ao longo dos anos, estamos vendo diversas propostas de reforma tributária sendo discutidas com o Governo e com o Congresso Nacional tendo duas palavras-chave, que são muito do gosto dos políticos: uma delas é a “simplificação”, sobre a qual já falamos. E a outra, é a “neutralidade”.

Reforma tributária neutra é aquela que não traz perdas de arrecadação para o Estado – a Sociedade continua transferindo os extorsivos 32% de suas rendas para o Estado, sem nenhuma “perda” para os “consumidores de tributos”. Ou seja, a Reforma tributária “neutra” é feita transferindo-se a carga tributária de algumas categorias de contribuintes, que ganharão com a reforma (a exemplo dos empresários amigos do governo), para outras categorias de contribuintes, que perderão com a reforma (a exemplo dos empresários que não são amigos do governo, dos trabalhadores, dos autônomos e dos pequenos e médios empresários, que não são representados por lobbies).

No caso da “simplificação”, não há o que se discutir – há que se lamentar por ainda não ter sido feita, e ainda se exigir que seja começada e terminada amanhã cedo. É lição de casa que qualquer governo decente deve fazer sem alarde, ou eventualmente com alguma declarada vergonha por não ter feito isso antes. 

Em relação à “neutralidade”, pela transferência de carga tributária, a ideia é horrível por uma razão de princípio: os 32% de carga tributária são intoleráveis, e devem ser reduzidos – e esse é um forte consenso existente entre cidadãos e empresariado, que são os “pagadores de tributos”. Apenas não há consenso disso em meio aos “consumidores de tributos”, categoria que inclui a classe política, o funcionalismo público privilegiado com suntuosos benefícios e os empreendedores amigos do governo (os clientes do FGTS, do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e os grandes fornecedores do governo).

Reforma tributária com “simplificação” ou “neutralidade” é fraude. Só uma Reforma tributária merece esse nome e será do interesse dos pagadores de tributos: a que promova a redução efetiva da carga tributária. Mais objetivamente falando, a que reduza aqueles 32% sobre o PIB.

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E aqui vai a receita simples de Reforma Tributária, sem purpurinas técnicas ou enganação: 1 – reduzir o gasto público em um ano; 2 – reduzir a carga tributária no ano seguinte; 3 – repetir 1 e 2 até o Juízo Final.

Qualquer receita do governo que seja diferente dessa é perda de tempo e será mais um manjado exercício do velho hábito da política brasileira de esconder os verdadeiros beneficiários de suas ideias geniais.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

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