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Plano de Saúde não é SUS

Pagamos horrores em tributos para sustentar o SUS e, ao mesmo tempo, todo mundo quer saúde privada com preços controlados pela lei ou pelo Poder Judiciário.
Por  Alexandre Pacheco
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A Ministra Cármen Lúcia suspendeu uma resolução da ANS que tinha por propósito mudar regras de coparticipação e de franquias dos planos de saúde, como estamos vendo pelo noticiário.

Por trás dessa decisão há a preocupação compreensível de que os preços cobrados pelos planos de saúde aumentem consideravelmente com essa nova norma.

Vamos deixar de lado, neste texto, a importante discussão sobre o péssimo conceito de agências reguladoras e da sua “captura” pelos agentes do mercado, o que trataremos em outra oportunidade. Por hora, vamos tratar do nível de cinismo com que a saúde no Brasil é tratada pelas autoridades públicas, que sempre apresentam soluções legais e judiciais que causam para toda a Sociedade consequências piores do que o problema inicial, e também pela população, que acredita que cabe ao Estado controlar preços privados.

Vamos começar pelo óbvio.

No Brasil existe o SUS (Sistema Único de Saúde SUS), que promete a todos o atendimento médico e hospitalar gratuito. Se todos os brasileiros têm atendimento garantido no SUS, faz muito mais sentido obrigar o Estado a dar atendimento digno usando os pesados tributos que pagamos, do que forçar as operadoras privadas a fazerem caridade, não é mesmo?

Agora vamos dizer outra obviedade.

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A Constituição diz que “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Também diz que “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Não diz, nem poderia dizer, que “a assistência privada de saúde é dever das operadoras de saúde”, ou que “o Estado deve administrar a saúde privada”. Isso porque o termo “livre” significa, ou deveria significar, que os operadores privados de saúde (médicos, clínicas e hospitais particulares, assim como laboratórios, planos e seguradoras) podem atuar sem interferência do Estado, de modo que sejam orientados apenas pelas necessidades dos seus clientes.

Mas no Brasil não é assim que as coisas funcionam, e nada importa o que a Constituição diz, inclusive.

Pagamos horrores em tributos para sustentar o SUS e, ao mesmo tempo, todo mundo quer saúde privada com preços controlados pela lei ou pelo Poder Judiciário. Em matéria de saúde, sempre aparece no Brasil um administrador público, uma agência reguladora ou um juiz disposto a atender a essa “demanda” do povo, fazendo “justiça” com o dinheiro dos outros. Aí, surgem leis, regulamentos ou liminares aumentando coberturas de planos de saúde sem previsão em contratos ou controlando os preços privados.

Leia mais: STF suspende aumento de até 40% valor de participação em planos de saúde

É absurdo que administradores públicos, agências reguladoras e juízes interfiram em negócios privados, ainda mais quando temos saúde pública, gratuita e universal. No entanto, o que menos vemos são autoridades públicas trabalhando para melhorar o SUS e juízes obrigando o Estado a dar atendimento digno pelo serviço público – muito mais comum atualmente é ver autoridades públicas e juízes obrigando operadores de saúde a tratarem doenças que não têm cobertura contratual e limitando a correção de mensalidades…

Estamos caminhando para o seguinte cenário, por excesso de intervenção do Estado: SUS de péssima qualidade (isso já temos), operadores de saúde competentes saindo do mercado ou deixando de entrar (isso também já temos) e operadores de saúde destruídos (os administradores públicos, as agências reguladoras e os juízes estão trabalhando diariamente para que isso aconteça, com o apoio da maioria da população).

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Mas esse quadro sinistro nunca vai ser problema para administradores públicos ou juízes, porque eles têm atendimento médico de alta qualidade pago pela sociedade – ou alguém já viu algum senador, deputado ou juiz no SUS? Os mais prejudicados, no final das contas, são a maioria da população, inclusive os mais pobres, que têm cada vez menos opções de plano de saúde no mercado.

Afinal de contas, quem é louco de operar em saúde em um país como o Brasil, com os administradores públicos e os juízes que temos, e com um povo que, ao mesmo tempo, quer saúde pública universal e gratuita e, ainda, saúde privada gerada magicamente por decreto?

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

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