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*Por Renato Marinho
O Brasil e o mundo estão tentando conter o avanço do COVID-19. Nesse cenário pandêmico e inédito no século XXI, emergem no debate público questões filosóficas profundas a respeito das liberdades individuais.
O Estado pode prender ou multar cidadãos que não cumprirem as recomendações de isolamento? O governo pode usar dados privados de celulares para monitorar a localização das pessoas? Por fim, até que ponto o Estado pode interferir na vida do cidadão sem violar seus direitos?
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Sem pretensão de responder a essas questões, este artigo busca contrapor o conceito de “lei natural”, contida no livro A ética da liberdade de Murray Rothbard, com o conceito de “lei positiva”.
A ética da liberdade é uma obra de filosofia política fundamentada no conceito de “lei natural”. Assim como as leis da Física, por exemplo, o ser humano possui uma natureza própria, que é universal, imutável e atemporal. Essa natureza do homem deriva de uma ética, resumida na frase “aquilo que satisfaz o que é melhor para a natureza dessa espécie (humana)”.
Em outras palavras, em questões fundamentais e independente de leis, distinguimos o certo e o errado. Sabemos naturalmente que é errado roubar a liberdade de uma pessoa, forçando-a a trabalhar em troca de nada. Sabemos que é errado tomar a propriedade de alguém à força. Os exemplos são numerosos. Contudo, em última instância, a liberdade é o direito natural mais relevante da natureza humana, e dentro deste direito se encontram a liberdade de ir e vir, de expressão, de crença, dentre outras.
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Por outro lado, a “lei positiva”, ou direito positivo, consiste em um conjunto concreto de normas jurídicas (leis), construídas de forma cultural e relativa, garantidas pelo Estado e dependentes de uma manifestação de vontade, seja da sociedade ou de uma autoridade. Como esse direito se baseia em um ordenamento jurídico, sua validade é territorial e temporal. Esse conceito nos parece mais correto porque estamos inseridos neste sistema jurídico desde meados do século XIX.
A tabela abaixo auxilia a compreensão de ambos os conceitos:
“lei natural” | “lei positiva” | |
Definição | É um direito pressuposto, sendo superior ao Estado. | É definido e aplicado pelo Estado |
Validade | Universal, imutável e atemporal | Territorial, mutável e temporal |
Punição | O sujeito infrator não necessariamente sofre sanção jurídica | Sofre sanção jurídica |
Exemplo | Direito à liberdade e à vida | A Constituição Federal |
Inserindo o debate filosófico no contexto da crise atual, devemos nos questionar se realmente faz sentido entregarmos parte de nossa liberdade ao Estado em troca de uma suposta segurança ou “bem maior”, e qual o verdadeiro custo disso.
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Vale ressaltar que a nossa Constituição prevê essa troca em caso de estado de sítio: ou seja, existe uma lei que obriga, por exemplo, a permanência dos cidadãos em localidade determinada, responsabilizando judicialmente qualquer indivíduo que a descumpra. Contudo, não nos encontramos em estado de sítio, sem falar que seria prudente questionar essa lei.
Por fim, com base nas explanações anteriores, devemos refletir sobre essas questões: devemos ser passivos em momentos de crise, quando há o risco de uma escalada autoritária do Estado, em nome de uma suposta segurança? O Estado, amparado por alguma lei ou não, deveria realmente fiscalizar e punir as pessoas em uma pandemia? Não seriam os cidadãos os mais interessados em sua própria saúde, devendo tomar decisões baseados nas informações disponíveis na sociedade? Não devemos estar mais atentos em relação aos precedentes perigosos que podem ser abertos?
A história serve de exemplo para comprovar que a “lei positiva” nem sempre caminha ao lado da ética (“lei natural”). Não podemos esquecer que a segregação racial estava prevista na lei americana até 1964, nem que o tráfico de escravos costumava ser uma forma de comércio legalizada. Não podemos e não devemos nos esquecer de inúmeras lições aprendidas nos últimos séculos. Os exemplos citados são mais extremos e as épocas eram outras, contudo, a essência da mensagem persiste ao longo da história: devemos sempre nos manter muito vigilantes quanto à nossa liberdade, e tratá-la como um direito inegociável.
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*Renato Marinho é administrador de empresas, formado pelo IBMEC-RJ, possui mais de 5 anos na indústria da moda, e é Gerente de Produto na C&A Brasil.
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