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O megapacote econômico do governo é positivo, mas é cedo para comemorar

Não é fácil passar uma PEC, quanto mais várias delas
Por  Guilherme Tinoco -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Nesta semana, finalmente, tivemos a oportunidade de conhecer os detalhes de parte do megapacote que a equipe econômica vem preparando nos últimos meses.

Foram encaminhadas três PECs ao Senado: a da Emergência Fiscal, a do Pacto Federativo e a dos Fundos. Elas serão seguidas, nos próximos dias, de textos sobre reforma tributária, reforma administrativa, programa de emprego e projeto para acelerar privatizações.

Como se vê, não foi pouca coisa. Se juntarmos com o que já temos tramitando no Congresso, como a PEC Paralela, o projeto do saneamento e as próprias propostas de reforma tributária, percebe-se que a agenda econômica ficou extensa, o que certamente vai tomar bastante tempo dos analistas.

Vou me debruçar sobre as propostas que vão saindo do forno. Para resumir em poucas: a essência das três PECs é a tentativa de reorganizar as finanças públicas do país, melhorando sua institucionalidade, ao mesmo tempo em que aprofunda o ajuste fiscal de curto prazo e permite uma considerável descentralização de recursos da União para estados e municípios.

Neste último caso específico, trata-se da receita do pré-sal. Além dos recursos da cessão onerosa (que, aliás, ficaram aquém do esperado), o governo vem prometendo uma transferência em torno de R$ 400 bilhões para os entes subnacionais em 15 anos .

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Claro que um liberal convicto poderia preferir que os recursos fossem utilizados para melhorar o resultado primário e abater a dívida pública mais rapidamente. Contudo, o governo preferiu utilizar como moeda de troca para forçar mudanças mais estruturais na despesa dos subnacionais e encerrar disputas jurídicas, como no caso da Lei Kandir.

Além disso, prometeu que, no futuro, não voltará a socorrer os estados. A partir de 2026, por exemplo, estará impedido de dar garantia para operações de crédito dos estados.

E quais são essas medidas estruturais? Bom, tem bastante coisa. Desde medidas de ajuste fiscal a serem automaticamente detonadas quando a despesa corrente atingir 95% da receita corrente, concentradas principalmente na folha de pagamento (vedação a contratações, aumentos salariais, etc.), passando pela obrigação de redução de gastos tributários.

A institucionalidade é reforçada por meio de medidas como a criação de um Conselho Fiscal da República, a orientação normativa do TCU, a permissão para que o contingenciamento alcance todos os poderes estaduais e municipais (o que só ocorre hoje para a União).

Isso é um pequeno resumo da PEC do Pacto Federativo. Tudo mais constante, portanto, o aumento de recursos transferidos aos entes subnacionais, juntamente com o controle mais rígido de suas despesas obrigatórias, pode garantir o aumento do investimento público dos governos locais, curiosamente uma política normalmente mais defendida por economistas que apreciam um estado maior.

Ainda sobre a PEC do Pacto Federativo, vale mencionar que há mais coisa prevista, como a unificação dos pisos constitucionais de saúde e educação, que permitem uma alocação mais flexível de recursos, a ideia de integrar as regras fiscais em todas as esferas de governo, bem como a introdução de limites para o gasto tributário da União, de 2% do PIB.

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Sobre regras fiscais, aliás, há previsão de introduzir limites para a dívida da União, mas sem pouco detalhamento. Como vemos, portanto, é muita coisa, que demorará algum tempo pra ser plenamente digerida e compreendida.

A PEC da Emergência Fiscal, por sua vez, consiste na introdução de medidas de urgência, em linha com as discussões já existentes no âmbito da PEC 438/2018, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).

Ela aciona gatilhos pelo descumprimento da regra de ouro, que, segundo o governo possibilitará a redução de R$ 12,8 bilhões em despesas obrigatórias em 2020, dos quais 25% serão usados exclusivamente para investimentos, caso seja aprovada a tempo. Os principais gatilhos dizem respeito ao funcionalismo.

Certamente é um conjunto de medidas importantes para ajudar no cumprimento do teto do gasto no curto prazo, uma vez que atua fortemente na despesa com pessoal, segunda maior rubrica do orçamento primário federal (depois da previdência, já endereçado com a reforma).

É um ajuste fiscal mais célere e instantâneo, mas que tende a gerar oposição das corporações de servidores. Detalhes ficam pendentes, como aqueles que envolvem a redução de jornada de trabalho.

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Por fim, a PEC dos fundos visa melhorar a efetividade na alocação dos recursos públicos, desvinculando recursos e extinguindo alguns fundos. O estoque não utilizado pelos fundos contemplados, que totalizam 281, está na casa de R$ 220 bilhões e, segundo o governo, poderia ser utilizado para abatimento de dívida.

Embora essa desvinculação de recursos seja meritória e dê mais flexibilidade ao gestor público, cumpre notar que, especificamente para abatimento de dívida, a medida parece não ser eficaz, uma vez que recursos parados na Conta Única, caso sejam colocados em circulação, ensejariam o aumento da liquidez com o consequente aumento de operações compromissadas.

Deve-se que tomar cuidado, portanto, para que o recurso de fundo que não é gasto e fica na Conta Única não seja utilizado para aumento de despesa primária. Em todo caso, a desvinculação mais ampla é positiva.

Fazendo uma análise preliminar do que foi anunciado essa semana, portanto, certamente existem mais pontos positivos do que negativos. O problema é que é muito cedo para comemorar.

Não é fácil passar uma PEC, quanto mais várias PECs. A tarefa fica ainda mais complicada quando lembramos que (i) trata-se de um governo que não se preocupa em construir uma base de apoio no Congresso, (ii)) algumas medidas terão forte oposição, por mexer em interesses específicos e (iii) são inúmeras medidas de uma vez, com muitos detalhes, ficando difícil para o Congresso (e analistas!) digerir tudo de maneira ágil.

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Vale lembrar que o calendário legislativo do ano já caminha para o final e que já existem muitos itens na pauta, como as já citadas PEC paralela e a Lei do Saneamento, para ficar em apenas dois exemplos.

Da parte do governo, também é importante notar que o pacote completo ainda está pendente de detalhamento, uma vez que as reforma administrativa e tributária, as medidas para facilitar as privatizações e o programa de emprego ainda serão apresentados (nos próximos dias).

É, de fato, muita coisa! Passamos a maior parte do ano focados exclusivamente na Previdência e agora o congestionamento vai ser grande. Se a estratégia foi correta, o tempo dirá. Torcemos para que sim.

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores.

Guilherme Tinoco Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.

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