Hype de bebês reborn expõe dificuldade de distribuição e relevância do jornalismo

Barulho em torno de bebês reborn contrasta com seu modesto mercado, evidenciando um desafio na curadoria de notícias e na distribuição de conteúdo jornalístico

Flávio Moreira

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Imagem gerada por inteligência artificial / ChatGPT
Imagem gerada por inteligência artificial / ChatGPT

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Você não deve mais aguentar ouvir falar sobre os bebês reborn. Eles se tornaram um dos assuntos mais falados nas redes sociais. Vídeos de “adoções”, maternidades cenográficas e influenciadores emocionados conquistam milhões de visualizações.

Mas, fora da bolha digital, esse mercado é bem mais modesto do que as métricas de engajamento fazem parecer.

O mercado real por trás do hype

Dados da coluna de Renato Dolci, no InfoMoney, indicam que o mercado global de bebês reborn movimentou cerca de US$ 200 milhões em 2024. Parece impressionante, mas é uma fração do setor de bonecas, que ultrapassa os US$ 24 bilhões por ano.

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No Brasil, onde as buscas por “bebê reborn” lideram no Google Trends, as vendas são modestas. A loja “Minha Infância”, em Belo Horizonte, por exemplo, vende entre 20 e 30 unidades por mês, com faturamento em torno de R$ 40 mil. Esse número só triplica em datas comemorativas como o Dia das Crianças e o Natal.

Há muito barulho para pouco volume de vendas. E essa desconexão entre interesse digital e mercado real expõe um problema central para o jornalismo.

O que viraliza nem sempre vende

Essa diferença gritante entre o interesse online e as vendas reais levanta uma questão incômoda com como os critérios de noticiabilidade mudaram na era digital.

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Antes, no auge dos jornais impressos, o que determinava a cobertura era a relevância social, impacto público e atualidade. Não era perfeito, mas havia uma lógica mais consistente entre a importância de uma história e seu espaço nas manchetes.

Com a distribuição garantida pela venda física e a assinatura, os veículos tinham mais liberdade para cobrir temas complexos, que exigiam investigação profunda e não dependiam exclusivamente de popularidade instantânea.

Hoje, a lógica é a de que o que importa é o que viraliza. E se funciona uma vez, precisa ser explorado até a exaustão. Temas que despertam forte apelo emocional, como os bebês reborn, acabam recebendo cobertura desproporcional. Não importa se o fenômeno é limitado a um nicho ou que destoe dos critérios e hierarquias de noticiabilidade.

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A armadilha dos algoritmos e o risco para o jornalismo

Essa inversão de prioridades é um efeito do modelo de distribuição atual, que depende de algoritmos de plataformas como Google, Facebook e TikTok. Essas ferramentas empurram conteúdos que provocam reações rápidas, mas raramente refletem a importância ou a profundidade do assunto.

Isso cria uma pressão constante para que jornalistas produzam o que é mais provável de viralizar, mesmo que não seja o mais relevante.

No caso dos bebês reborn, essa dinâmica resultou até em propostas de legislação para regular o uso dessas bonecas em serviços públicos de saúde, mesmo sem registros oficiais de atendimentos médicos a bebês reborn no Brasil.

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Além disso, alguns casos de supostos atendimentos a bebês reborn em hospitais e ambientes profissionais viralizaram sem o rigor de checagem de fatos, ampliando a percepção equivocada sobre a relevância desse tema.

Isso é um exemplo claro de como a busca por engajamento, sem o filtro jornalístico, também pode ser um estímulo ao surgimento de fake news, minando ainda mais a confiança do público nas mídias tradicionais.

Como recuperar a relevância no jornalismo digital

Para os veículos de comunicação que querem sobreviver nesse cenário, é preciso repensar suas métricas e prioridades editoriais. A lógica do clique fácil pode ser atraente no curto prazo, mas prejudica a credibilidade no longo.

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Em vez de focar apenas no que gera tráfego, é hora de equilibrar o que é popular com o que é importante.

Jornalistas nunca foram e nem devem ser os donos absolutos da definição do que é relevante para a população. O jornalismo, historicamente, sempre caminhou entre o que considera essencial para o interesse público e aquilo que o público está disposto a consumir.

Há uma dificuldade histórica em transformar temas importantes, mas complexos, em formatos palatáveis, acessíveis e interessantes para o público geral. Assuntos que exigem aprofundamento ou que não oferecem um apelo emocional imediato acabam ficando restritos a nichos especializados ou sendo ignorados.

Por isso, incluir a audiência como critério principal de noticiabilidade é um caminho perigoso. Embora pareça uma forma de se manter relevante, essa estratégia pode comprometer o papel social do jornalismo, que é informar com responsabilidade e profundidade.

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Flávio Moreira

Flávio Moreira é jornalista especializado em estratégia e inovação no mercado de mídia. Atualmente, atua como Coordenador de Parcerias e Estratégia no InfoMoney, tendo passado por posições de liderança como Editor-chefe de Assinaturas e Novos Projetos no UOL, Head de Conteúdo no Torcedores.com e Gestor de Comunidades FIFA na Electronic Arts. Além de sua trajetória profissional, Flávio é autor de uma newsletter sobre tendências e inovação para publishers, que conta com mais de 6 mil assinantes em busca de insights sobre o futuro da comunicação.