A nova pirâmide invertida do jornalismo

Jornalismo deve parar de priorizar apenas a velocidade para valorizar a confiança como principal ativo. Para se manter relevante, é essencial oferecer conteúdo útil, confiável e adaptável

Flávio Moreira

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Quando eu entrei no jornalismo, o  segredo do sucesso era publicar rápido. Publicar “Morreu famoso” antes do concorrente valia mais do que o fato de a matéria era boa ou não. 

Era um jogo baseado em velocidade. De certa forma, ainda é, pois ranqueia melhor em mecanismos de busca quem publica primeiro, mas só se agradar o algoritmo. 

Com a chegada das redes sociais, passamos a deixar de lado o que eram nossos critérios do que é notícia e passamos publicar o que tende a aparecer mais e viralizar no feed. 

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Com tanta coisa mudando, o que será que vai funcionar para o jornalismo dos próximos 10 anos? Tentando fazer um exercício de futurologia, gosto de acreditar que o publishers que (re)conquistarem a confiança do público estarão muitas casas na frente. 

E ela é o topo de uma pirâmide que passa também por utilidade, forma e canal. 

Relevância é o clickbait do bem

Antigamente, a gente pedia pro leitor cofiar no que a gente publicava simplesmente por sermos jornalistas. Agora, ele responde: “prova”. Se você não tiver uma reputação, um histórico e identificação com os valores do usuário, dificilmente seu conteúdo terá vida longa.  

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Confiança virou o produto e todo o resto é embalagem.

Ela é construída no longo prazo, mas pode ser destruída em segundos. E não basta ser confiável, é preciso parecer confiável. Isso envolve desde a transparência na apuração até o tom adotado na manchete e publicações em redes sociais.

O público está cada vez mais sensível a sinais de viés, manipulação ou exagero, e qualquer ruído pode quebrar o vínculo. Por isso, a confiança não é um selo que se conquista uma vez, é uma prática diária em todas as camadas da operação jornalística.

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Utilidade: jornalismo ou tutorial?

O leitor não quer só saber se o PIB cresceu. Ele quer saber se pode parcelar o ar-condicionado em 10x sem virar inadimplente. Se o jornalismo não resolver a vida dele, ele vai preferir buscar a resposta em fontes mais questionáveis com uma resposta satisfatória.

Essa lógica obriga os veículos a repensarem não só o conteúdo que produzem, mas também como ele se encaixa nas necessidades cotidianas da audiência. Não basta mais noticiar, é preciso contextualizar, explicar e aplicar.

Um conteúdo útil é aquele que responde a uma dúvida real, que orienta uma decisão prática ou que antecipa um problema do leitor. O jornalismo de utilidade é, em última instância, o que transforma informação em ferramenta de ação.

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Formato: texto, vídeo ou dança no TikTok?

Pode acontecer de um jornalista escrever uma matéria de 3 mil toques explicando toda a reforma tributária. Aí ele se frustra quando a publicam como um carrossel de Instagram com emojis de foguete que rende mais engajamento que todas as reportagens somadas desde 2013.

Às vezes, a gente acha que está escrevendo um ensaio pra revista Piauí, mas a audiência só quer um meme explicando o juro real.

Canal: aquele que muda toda semana

O canal é volátil. Já passamos por fóruns, blogs, redes sociais, newsletters, aplicativos, mensageiros e até assistentes de voz. Cada nova plataforma promete ser a próxima grande vitrine, mas quase todas acabam sendo substituídas ou perdem relevância com o tempo.

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O segredo está em não se apegar. A relação com o público precisa ser maior do que a plataforma que a abriga. O conteúdo precisa ser portável, adaptável, e acima de tudo, independente de canal. Porque o canal muda. A confiança e a utilidade permanecem.

A nova pirâmide do jornalismo é meio esquisita, meio mística e muito real. Não adianta gastar energia no canal, no formato ou na pose de “especialista em inovação” se você não tiver confiança.

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Flávio Moreira

Flávio Moreira é jornalista especializado em estratégia e inovação no mercado de mídia. Atualmente, atua como Coordenador de Parcerias e Estratégia no InfoMoney, tendo passado por posições de liderança como Editor-chefe de Assinaturas e Novos Projetos no UOL, Head de Conteúdo no Torcedores.com e Gestor de Comunidades FIFA na Electronic Arts. Além de sua trajetória profissional, Flávio é autor de uma newsletter sobre tendências e inovação para publishers, que conta com mais de 6 mil assinantes em busca de insights sobre o futuro da comunicação.