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O petróleo é nosso, mas ele já não vale quase nada

Apenas nos últimos 12 anos, a Petrobras viu seu valor cair de US$ 300 bilhões para US$ 57 bilhões. No mesmo período, empresas de tecnologia como a Tesla deslancharam, o que não seria um problema, caso o Brasil não tivesse ligado seu futuro a um setor em decadência
Por  Felippe Hermes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Exatas duas semanas antes de o banco americano Lehman Brothers quebrar, dando início à crise de 2008, a Petrobras anunciava o resultado de seu primeiro campo no pré-sal, na Bacia de Campos.

As consequências daquela crise moldariam os anos seguintes, da mesma forma que o Brasil criaria, em torno do pré-sal, seus próprios dilemas, que corroboram para a crise de 2015.

De maneira discreta, um outro fato tomaria forma dali dois meses, quando, no Natal de 2008, a Tesla, empresa de carros elétricos de Elon Musk, seria salva da falência por um investimento da alemã Daimler.

O que esses fatos aparentemente desconexos possuem em comum?

Essa é uma pergunta cuja resposta pode ajudar a entender não apenas a situação delicada do Brasil, como a euforia que faz as grandes empresas de tecnologia valerem trilhões de dólares (e a Tesla sozinha valer mais que todas as montadoras globais somadas).

Voltando um pouco no tempo, em 2006, o Brasil anunciava a descoberta da camada pré-sal, a maior descoberta de petróleo do século 21, ocorrendo bem ali, naquele período histórico em que as commodities (como grãos ou petróleo), estavam no ápice, sustentadas principalmente pela China.

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A descoberta, que renderia algo em torno de 40 bilhões de barris de petróleo, foi até comparada com um bilhete de loteria. Afinal, o pré-sal um prêmio da natureza para um país que há anos vinha tentando se reorganizar, havia superado a inflação e colocado as contas em ordem.

Muito antes da primeira gota do óleo jorrar, começamos a fazer planos para a grana. Seria um passaporte para financiar saúde, educação e tudo o mais.

O problema? Em 1997, o país havia quebrado o monopólio da Petrobras, estabelecido em 1953.

A regra, que obrigou a estatal a concorrer com empresas privadas para operar as reservas de petróleo, foi fundamental para garantir que a produção saltasse de 500 mil barris diários para 1.7 milhão quando da descoberta do Pré-sal.

A Petrobras passou a contar com parcerias e maior acesso a recursos para investir, focando nas áreas mais rentáveis, enquanto pequenas empresas se aventuravam no resto.

Ainda assim, esse modelo foi colocado em xeque. O motivo, claro, é que se descobrimos tamanha riqueza, seria melhor repensar a forma como ela é explorada.

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Foi ali em 2006, que tiramos o pré-sal das regras em vigência, e decidimos criar novas regras. A Petrobras passou a operar sozinha os campos, enquanto isso.

No meio do caminho, a euforia fez a estatal ser avaliada em US$ 300 bilhões em 2008, e, posteriormente, protagonizar o maior processo de capitalização da história mundial, levantando R$ 120 bilhões em 2010.

Tudo parecia correr bem, já que os preços do petróleo seguiam em alta. Até que, por uma decisão política, os americanos começaram a pesar a mão em apoios para o setor de fracking, uma técnica de extração de um petróleo mais pesado e em solo.

A lógica ali era a seguinte: historicamente, os Estados Unidos sempre foram um grande produtor de petróleo. Por meio de parcerias com ditaduras como a saudita, ou governos espalhados pelo mundo, os americanos migraram para a importação, considerando que o petróleo nessas regiões era mais barato. Um barril na Arábia Saudita pode custar até seis vezes menos do que no Golfo do México.

A escalada de tensões políticas, porém, fez os EUA voltarem a buscar a independência energética. A despeito das críticas de ambientalistas, o governo Obama se empenhou em elevar a produção.

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O resultado foi a contínua queda do preço do barril de petróleo na última década.

Enquanto isso acontecia, o Brasil seguia sem um modelo de concessões para o pré-sal, e com uma petroleira se endividando para arcar sozinha com todo processo de produção no pré-sal.

Neste período, criamos ainda uma lei que obrigava a utilização de conteúdos nacionais para equipamentos da Petrobras.

Fizemos ainda o uso da estatal para construir refinarias como Abreu e Lima, a refinaria mais cara do planeta (uma parceria com a Venezuela que foi abandonada pela estatal do país vizinho, nos obrigando a bancá-la sozinhos), subsidiar a indústria naval e estaleiros de empreiteiras nacionais, além do combustível, evitando, assim, aumentos no índice de inflação.

Tamanha farra custou caro. A petroleira brasileira se tornou a empresa mais endividada do planeta, e foi perdendo capacidade para investir.

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Quando chegamos a 2013, o fatídico ano que levaria os brasileiros às ruas, o governo havia acertado o novo modelo de concessão.

Fizemos o maior leilão de petróleo do planeta, garantindo a Petrobras como operadora dos blocos, mas atraindo estatais chinesas e petroleiras europeias (nenhuma empresa americana se interessou em participar).

O leilão do campo de Libra seria histórico, arrecadando R$ 15 bilhões para o governo. Para se ter uma noção do tamanho do processo de venda, todos os leilões anteriores feitos desde 1999, arrecadaram R$ 8,9 bilhões.

Passamos todo o período de maior valorização do petróleo na história sem atrair um mísero centavo em investimento externo, tudo para garantir que o governo criasse um modelo no qual ele levaria uma parte maior.

Quando colocamos em prática o novo modelo, o resultado foi um desinteresse quase global. Afinal, o petróleo estava muito abaixo dos US$ 160 de uma década antes.

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O problema aí não foi apenas a demora em se atrair recursos e em retirar o pré-sal do oceano para colocar o dinheiro ganho com ele na educação e saúde. O problema foi uma completa miopia em entender as mudanças mundiais.

Não apenas os americanos adotaram uma política de independência energética, como também criaram uma solução para a crise de 2008 que ajudaria a inflar empresas de tecnologia, como foi o caso da Tesla.

Apesar de não ter recebido recursos do governo em 2008, como a General Motors ou a Ford, a Tesla é filha direta da “solução” para a crise.

Solução, no caso, pode ser traduzido como: inundar o mundo de dinheiro barato.

Para sair da crise, o Federal Reserve, Banco Central americano, colocou US$ 3,9 trilhões nos bancos, enquanto os bancos centrais da Europa e do Japão seguiram no mesmo caminho.

Na prática, isso derrubou os juros ao redor do mundo para níveis extremamente baixos. Como consequência destes juros menores, o mundo viu uma mudança nos parâmetros de Investimento.

Para entender isso é relativamente simples, pense nos juros como o custo do dinheiro ao longo do tempo. Quanto menor eles forem, menor é o custo que você terá de imediato. Isso significa que, com juros tão baixos como os atuais, investidores podem apostar em empresas que passarão a dar retorno daqui cinco,10 ou 20 anos.

Essa pressão menor por retornos imediatos, garantida pela impressão de grana, fez empresas consideradas boas geradoras de caixa, mas com baixo crescimento, serem consideradas menos atrativas no momento.

Bancos, petroleiras, seguradoras etc, passaram a ser negociadas a múltiplos bastante tímidos, com investidores pagando por elas em torno de dez vezes seus lucros.

Enquanto isso, empresas de tecnologia que crescem muito rápido e ganham mercado foram premiadas com múltiplos muitas vezes considerados surreais. Há casos, como o da Tesla, em que essas empresas são negociadas a 700 vezes seu lucro!

A conta que se faz é a seguinte: considere uma empresa como a Amazon. Ela vale 140 vezes seu lucro para 2021. Parece muito esperar 140 anos, certo? Certamente que sim, mas este não é o caso. Considere que a Amazon aumente seu lucro em 35% ao ano. Isso significa que, em cinco anos, ela vai estar lucrando algo muito mais modesto, como 15 a 20 vezes seu lucro.

Mas, afinal, o que há de especial na relação entre a Tesla e a Petrobras?

Esse novo paradigma de juros criou uma mudança radical no perfil de investimentos, mas não apenas isso.

A sociedade avançou em questões ambientais. Ao longo da década, ela passou a se preocupar muito mais com o meio ambiente.

Soluções tecnológicas para os problemas ambientais passaram a ser mais valorizadas, e empresas com grande impacto ambiental, como uma empresa de petróleo, se tornaram menos atraentes.

Veja, isso não se resume a Petrobras, claro. A gigante Exxon Mobil, que por anos foi a maior empresa americana, também vale bem menos hoje do que há 12 anos.

A diferença, porém, é que nós, enquanto país, apoiamos nosso desenvolvimento na Petrobras. Por mais anacrônico que seja, criamos uma ideia de que a indústria do petróleo seria nosso passaporte para a riqueza no século 21.

Enquanto o mundo trata os dados e a tecnologia como o petróleo do século 21, nós nos amarramos ao século 20.

Se em 2008 a Petrobras valia US$ 300 bilhões, enquanto a Tesla era avaliada em US$ 500 milhões, em 2020, a estatal brasileira vale US$ 57 bilhões, e a empresa de Elon Musk US$ 370 bilhões.

Nossa crise, e a dificuldade de sair dela, não nasceu ao acaso. Traçamos uma linha reta em direção ao desastre e insistimos nela.

O pré-sal se mostrou viável. Possui hoje inúmeros campos extremamente produtivos, mas ainda assim, produzimos mais e melhor, algo que vale cada vez menos.

Este é o custo de apostar todas as suas fichas em uma única cesta.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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