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O país da bagagem grátis

Discussão sobre cobrança de bagagens aéreas voltou à pauta no Congresso, retomando uma faceta que se acreditava estar superada no país: o intervencionismo nos preços
Por  Felippe Hermes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em um curto período de seis anos, conhecido como a Segunda Guerra Mundial, o mundo presenciou um avanço considerável de um setor embrionário: a aviação.

Nesse intervalo, o total de aeronaves militares cresceu de 2.500 para 300 mil. Ao final da guerra, a dúvida que permanecia era: o que fazer com esse excedente?

A aviação civil foi a resposta para boa parte dos casos. Com excesso de aeronaves, empresas aéreas de todo o planeta explodiram em número e volume de passageiros transportados.

O resultado, porém, variou de país para país. Nos Estados Unidos, o governo promoveu a competição, ainda nos anos 1960, levando à criação de dezenas de empresas de aviação nacional e regional.

No Brasil, como você já deve ter imaginado, o excesso de oferta incomodou algumas empresas já estabelecidas. A Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), fundada em 1927, e a Pan Air do Brasil, de 1929, foram algumas das empresas que puxaram a primeira “Conferência Nacional de Aviação Comercial”.

Ocorridas em 1961, 1963 e 1968, a CONAC reunia empresas e governo, e foi responsável por definir, por exemplo, a proibição da entrada de novas empresas, além de vedar a concorrência entre a aviação nacional e a aviação regional.

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Em suma, enquanto o mundo via um aumento de concorrência no setor, o Brasil ficava sujeito a regulações proibitivas.

Ao longo das décadas seguintes, a situação demoraria a mudar.

Foi apenas em 1992, junto a um processo de abertura comercial, que o país iniciou o processo de desregulamentação no setor aéreo.

O primeiro passo, claro, foi o fim das “bandas tarifárias” que, na prática, regulavam o preço que poderia ser cobrado nas passagens. Tal prática gerou a primeira guerra comercial de preços no país.

De 2001 em diante, o país passou a contar com um departamento focado em aviação civil e, consequentemente, teve uma mudança na prática de reajustes.

O governo que, até então definia os percentuais de reajustes das tarifas, parou de determinar tais valores (uma prática que ainda ocorre em setores como energia elétrica e saúde), permitindo a definição por parte das próprias companhias aéreas.

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Já em 2005, essa definição de liberdade de preços foi definida em lei, na mesma legislação que criou a Agência Nacional de Aviação Civil.

Passamos por um longo período de mais de quatro décadas em busca da concorrência.

Desde 2002, ao menos, o resultado foi uma queda considerável no preço médio das passagens, superior a R$ 800 antes e, hoje, inferior aos R$ 400 (na média de todo o país).

A despeito desses avanços em termos de preços, a aviação regional, um ponto central em um país continental como o Brasil, demorou a engrenar.

Até pouco tempo, mesmo viagens entre capitais demandavam conexões em hubs maiores como Guarulhos, Brasília ou Viracopos.

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O resultado, claro, é que morar no interior do país significava uma maior dificuldade para voar.

A entrada de empresas como a Azul, focada em aviões menores e cujo fundador, David Neeleman, possui larga experiência na área de aviação regional, representou um certo avanço.

Neste momento, a companhia de Neeleman oferta 120 destinos, contra 42 de gigantes como a Gol.

Um voo entre uma cidade como Campina Grande (400 mil habitantes) e Fortaleza antes demandava uma escala em Guarulhos, a milhares de quilômetros de distância.

Só há um problema: aviões menores possuem naturalmente menos espaço para bagagens, e claro, pessoas.

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O resultado é que, em aeronaves menores, mais bagagens acabam representando proporcionalmente maior peso do que em aviões maiores.

Este, claro, não é um problema para quem está acostumado com os aviões de 186 lugares de empresas como Gol ou Tam. Mas ele representa um custo elevado na aviação regional.

Na prática, encaramos dois grandes problemas quando a questão é a cobrança de bagagens: a primeira, e mais clara, é o fato de determinadas pessoas se beneficiarem por levar maior peso na aeronave, em um custo total que será dividido por todos os passageiros.

No segundo caso, está a inviabilidade de determinadas rotas regionais. Isso significa um maior custo para habitantes de cidades menores, que terão de passar horas a mais em estradas que, como você já deve saber se algum dia visitou o interior do país, não estão nas melhores condições.

No fundo, porém, o debate criado pelo Congresso Nacional em torno da cobrança de bagagens possui maior peso quando voltamos a todo aquele histórico regulatório.

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Muito mais do que definir como uma empresa deve repassar seus custos com peso nas aeronaves, se para o indivíduo que consumir este espaço extra ou para todos igualmente (sim, não existe a possibilidade de a empresa deixar de cobrar este custo), o debate sobre bagagens remete a um controle de preços puro e simples.

E para qualquer pessoa que se lembre da “aviação antiga”, não custa lembrar que todos os mimos e confortos se davam a um custo social inaceitável: a exclusão.

Após longas batalhas, felizmente voar deixou de ser um luxo e se tornou algo corriqueiro para milhões de pessoas.

Apenas entre 2000 e 20011, na primeira década pós desregulamentação, o número de passageiros no Brasil saltou de 37,3 milhões para 99,8 milhões, um aumento de 167%.

Na prática, ao se render a medidas como a aprovada nesta semana, de proibir a cobrança de bagagens, acabamos abrindo uma porteira para insegurança jurídica e o retorno de um período excludente.

 

Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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