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O custo da escolha pelo atraso

Desde o princípio, o governo de Jair Bolsonaro elegeu EUA e Israel como principais parceiros ideológicos. Em 2021, ambos devem ser os primeiros a vacinar toda sua população, enquanto o Brasil paga o preço de uma escolha pelo atraso.
Por  Felippe Hermes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Foi em 11 de agosto de 2020 que o então presidente americano Donald Trump anunciou a aquisição da 6ª vacina contra a Covid pelo seu governo. Ao todo, a administração do republicano despejou um caminhão de recursos, US$ 11 bilhões, para adquirir vacinas em fase de testes.

12 dias depois, a vacina teuto-americana Biontech/Pfizer seria oferecida ao Brasil, e rejeitada por conter cláusulas que exigiam depósitos em garantia para o pagamento e a contratação de um seguro para cobrir eventuais efeitos adversos.

Em uma justificativa dada em janeiro deste ano, o governo brasileiro dizia ainda que “adquirir 70 milhões de doses causaria frustração aos brasileiros, pois exigiria definir prioridades”.

As 70 milhões de doses consideradas “frustrantes”, seriam hoje suficientes para imunizar os 15 milhões de profissionais da área de saúde e ao menos metade dos brasileiros acima de 60 anos. Trata-se de um número de vacinas cinco vezes maior do que aquele que já aplicamos até o momento.

O contraste entre presidentes que se consideram ideologicamente tão próximos não é o único. Em fevereiro deste ano, durante o Purim, um festival comemorado pelos judeus, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, lançou um comercial em que desmentia pessoalmente alguns mitos comuns sobre a vacinação.

Nenhum país do mundo vacinou tanto até o momento quanto Israel. Nenhum outro investiu tantos recursos em vacinas quanto os Estados Unidos. Até a eleição de Biden, Israel e EUA eram os dois maiores parceiros ideológicos do atual governo brasileiro.

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A despeito das críticas que se tenha a ambos os presidentes, Trump e Netanyahu seguiram uma lógica simples, ignorada pelo governo brasileiro: vacinar é eficiente sob qualquer aspecto. O custo de uma vacina é economicamente irrelevante diante dos seus efeitos.

Um estudo publicado em 2016 por pesquisadores da universidade Johns Hopkins, considerando 10 doenças evitáveis por vacinação como sarampo, encefalite, febre amarela, meningite e rubéola, concluiu que cada dólar gasto com vacinas gera um retorno de US$ 44 para a sociedade.

No caso brasileiro atual não é diferente. O custo de uma internação em UTI por coronavírus equivale a R$ 2.031 por dia, o suficiente para adquirir 125 doses da vacina feita pela AstraZeneca.

Levando em conta o tempo médio que um paciente fica em uma UTI-Covid, 11 dias, teríamos 687 pessoas vacinadas com duas doses para cada paciente que acaba internado em terapia intensiva.

Indo um pouco mais além, considerando os números friamente (o que não parece ser um problema para o presidente), podemos considerar ainda que o “Valor estatístico da vida”, um conceito atuarial que mede quanto uma pessoa contribui em riqueza para a sociedade ao longo da vida, está em R$ 3,1 milhões.

Na prática, com 66% de fatalidades em UTIs, teríamos um custo de R$ 2,04 milhões por vida perdida em meio a pandemia, sem contar os gastos de tratamento. Seriam ao menos outras 120 mil doses custeadas por essa economia.

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Com 1.900 mortes diárias registradas nesta semana, o país poderia “pagar” as vacinas de quase a totalidade da população a cada dois dias.

Levando-se em conta a estimativa do Ministério da Saúde de que poderemos ter picos com 3 mil fatalidades diárias em março, estamos falando de um dia para que os gastos com vacinação “se paguem”.

Usando este mesmo conceito estatístico, pesquisadores americanos do Instituto Becker-Friedman, da Universidade de Chicago (aquela mesma em que Paulo Guedes estudou), estimam que os Estados Unidos tenham economizado algo como US$ 7,4 trilhões de dólares por meio de políticas de distanciamento social. Isso representa cerca de 30% do PIB americano.

Considere ambos os números. Não é difícil perceber como a leniência e incompetência em lidar com a questão possui custos exorbitantes a serem pagos ao longo de anos pela população.

Porém, nossa escolha pelo atraso e a insistência em fórmulas mágicas não vai custar apenas bem-estar e recursos nos dias de hoje. Estamos neste exato momento planejando como iremos perder a próxima grande oportunidade dada pela conjuntura global.

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A retomada da economia mundial, com a vacinação acelerando em países desenvolvidos (a previsão é de que os Estados Unidos possam vacinar toda a população até maio), tem provocado uma alta no preço de commodities como o petróleo e o minério de ferro.

Dado nosso câmbio depreciado, isso significa que o Brasil conseguiria obter ganhos comerciais relevantes e surfar um novo superciclo de commodities, capaz de receber recursos e gerar empregos que seriam cruciais para a população se recuperar do baque em 2020.

O fato de estarmos em março de 2021 ainda discutindo quais vacinas iremos comprar e quando conseguiremos de fato acelerar a vacinação toma um tempo precioso do país lá na frente.

Como se fosse pouco, temos ainda uma disputa por curar os sintomas ignorando a doença. O governo voltou a subsidiar combustíveis, intervir na Petrobras e dar sinais de que pode mexer no setor elétrico.

Com uma mão, o governo assina subsídios, custeados por aumento nos impostos pagos por bancos (e consequentemente por tomadores de crédito). Com a outra, incentiva a alta do dólar.

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Nessa brincadeira, nossos juros futuros subiram cerca de 1,5% entre janeiro e março (caindo um pouco em função da manutenção do teto de gastos nesta semana). Isso significa um custo extra de ao menos R$ 90 bilhões em juros ao ano para o governo, além de um aumento futuro da relação dívida/PIB.

Também partiu do governo federal a promoção de uma disputa sem sentido em torno dos repasses federais para estados e municípios, misturando repasses obrigatórios como o Fundo de Participação dos Estados e Municípios com repasses pontuais na pandemia.

De quebra, as rixas políticas tornam uma miragem distante a ideia da aprovação de uma Reforma Tributária, em que a participação e apoio dos estados seria decisiva.

Travamos a recuperação da economia atrasando as negociações por vacinas e ajudamos a piorar tudo com intervenções populistas.

Não por coincidência, nossa perspectiva hoje é chegamos a 2031 com a mesma renda per capita de 2013. Teremos quase 20 anos, ou uma geração, com a renda do país em declínio ou estagnada.

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Se os anos 2010 foram uma “década perdida”, pelo andar da carruagem, estamos dispostos a dobrar a meta.

Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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