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Há cada vez mais bilionários no mundo, e um imposto não mudará isso

Os bilionários têm se beneficiado de maneira desproporcional da situação criada por bancos centrais ao reduzirem os juros. Criar um imposto sobre grandes fortunas não mudará a inclinação da balança.
Por  Felippe Hermes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Foi no verão de 1973 que o americano Jean Paul Getty tomou uma das mais controversas da sua vida, e que o tornaria ainda mais famoso. Seu neto havia sido sequestrado em Roma, na Itália, e os sequestradores pediam US$ 500 mil em resgate. Sua resposta foi simples:

“Tenho 14 netos e, se eu pagar o resgate, terei 14 crianças sequestradas para lidar”.

O caso, que terminou com o resgate do garoto de 16 anos após 5 meses, terminou quando os sequestradores enviaram pelo correio a orelha do rapaz.

O filme sobre o caso, de 2017, não poderia ter um nome mais simbólico: Todo o dinheiro do mundo.

O caso é que Getty era não apenas rico, mas MUITO rico. De fato, Jean Paul foi a primeira pessoa na história da humanidade a ultrapassar a marca de US$ 1 bilhão em patrimônio.

O primeiro bilionário da história da humanidade era praticamente um clichê: um avarento, ligado a indústria do petróleo e que coloca a racionalidade a frente da empatia pela família.

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De lá pra cá, os bilionários aumentaram de número, e cada vez mais rápido. Em 2019 eles eram 2.153, das mais diversas áreas.

Apenas em 2019, o número de bilionários aumentou em mais de uma centena, com negócios como um ferro velho online, um aplicativo de educação feito por um professor indiano, ou ganhos com a venda de tênis, que fizeram o cantor Kanye West sair da “falência” para um patrimônio de US$ 1,3 bilhão em apenas 4 anos.

O que não mudou porém, é a maneira como bilionários são encarados pela sociedade.

Sua própria existência acende um debate sobre o quão desigual tem se tornado o mundo. Ainda que os dados apontem que a desigualdade esteja caindo ao redor do planeta, a camada realmente rica da população tem aumentado.

O resultado é um slogan recente levantado por candidatos do Partido Democrata nos Estados Unidos que diz “nenhum bilionário deveria existir”, além de um crescente apelo por taxaçōes maiores sobre essa elite.

O slogan recente contrasta com outro, feito no início da década, o famoso “Nós somos os 99%”, do movimento “ocuppy Wall Street” (o centro financeiro americano).

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No caso passado, o debate se dava em torno do fato de que 1% dos americanos são milionários, enquanto uma boa parcela do restante vive com dificuldades e custos de vida crescentes em áreas como saúde, educação e moradia.

Mas para entender o porquê de termos saído tão rápido de uma discussão sobre milionários para outra sobre Bilionários, é preciso entender o motivo de eles estarem tão em evidência.

Afinal, porque há cada vez mais bilionários no mundo?

 Desde que Bill Clinton derrubou a lei Glass-Steagal, criada nos anos 30, os bancos americanos não possuem mais restrições para concentrar áreas como Bancos comerciais e de investimentos.

O resultado foi que, desde o final dos anos 90 (contando ainda com uma desregulamentação promovida por Reagan na década de 80), o sistema financeiro americano cresceu a taxas impressionantes.

Este processo, chamado de “Financeirização”, fez o papel dos bancos na economia se tornar cada vez maior e, consequentemente, concentrar mais recursos.

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Estes mesmos bancos, como você deve se recordar, estiveram no epicentro da crise de 2008 e, a despeito dos manifestos de economistas, o governo americano, e na sequência o Federal Reserve (o Banco Central americano), correram para socorrê-los.

Mas afinal, o que exatamente isso tem a ver com o aumento de bilionários?

A onda de resgate aos bancos, foi seguida por uma expressiva quantidade de dinheiro colocada na economia para “acalmar os mercados”, e consequentemente revigorar a economia.

Os resultados foram muitos, e alguns bem conhecidos. Os juros americanos, e ao redor do mundo, caíram a níveis nunca antes vistos. A economia americana entrou em pleno emprego. Até aí, você pode estar pensando que o resultado “não é tão ruim”, mas há alguns problemas.

Quando o dinheiro deixa de ter um custo, como no caso dos juros zero em que vivemos, os riscos aumentam e, consequentemente, os chamados ‘mau investimentos’ também.

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Isso ocorreu no Brasil com os subsídios do BNDES, e ocorreu nos Estados Unidos com os US$ 8 trilhões injetados no sistema financeiro pelo FED.

É bastante provável que essa onda de Investimentos ruins descambe para uma nova crise mas, até lá, há um efeito curioso.

Lucro não importa mais

 Com grana de sobra e podendo correr mais riscos, o mundo viu uma corrida sem precedentes de ativos “escaláveis”, aqueles que podem crescer de maneira bastante rápida.

Isso, somado ao boom dos celulares e consequentemente dos aplicativos, levou uma série de empresas a atuarem em setores tradicionais buscando desafiar as grandes.

Foi assim com as Fintechs, como o Nubank aqui no Brasil, ou com a Uber, o Rappi, a Netflix, e tantas outras empresas que se tornaram parte do nosso cotidiano.

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Boa parte delas não dá lucro, e sequer tem expectativa de que venha a dar lucro.

Como isso é possível? Todas elas recebem montanhas de recursos de fundos de investimentos para operar e ganhar mercado, na esperança de que lá na frente elas sejam tão grandes que irão enfim começar a lucro.

Por trás destas startups, há uma imensidão de empreendedores que esperam criar o próximo “unicórnio”, os seja, empresas que valem US$ 1 bilhão.

Dentre as que conseguem, saem inúmeros “novos membros do clube do bilhão”.

E se startups que conseguem crescer independente de não terem lucro já formam muitos deles, o que acontece com as empresas que dão lucro e conseguem crescer? Justamente o que você deve estar pensando: crescem ainda mais.

Como o mega investidor Ray Dalio comentou uma vez, “dinheiro é lixo”, o que significa em outras palavras que a quantidade de grana no mundo é tão grande, que você precisa comprar algo que possa gerar riqueza. Ficar com dinheiro parado é certeza de prejuízo porque ele cada vez vale menos.

Tudo isso é o que se chama de “inflação de ativos”. Casas, empresas etc, ficam cada vez mais caros em uma velocidade maior do que os bens que compramos no dia a dia.

Empresas como a Amazon, Apple, Google, Facebook, que têm ganhos crescentes, tornaram-se um porto seguro para colocar este dinheiro, uma vez que os juros pagos pelo governo são próximos de zero, ou negativos.

Onde está a fortuna dos bilionários?

 Antes de entender como corrigir essa questão, é importante entender como um bilionário se forma.

Vamos usar como exemplo Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, com US$ 200 bilhões de patrimônio.

Jeff fundou sua empresa em 1994, uma loja pra vender livros online, e por 20 anos utilizou todos os recursos gerados na empresa para reinvestir na Amazon, fazendo ela se tornar cada vez maior.

Até o início da década a empresa praticamente não dava lucro, mas “gerava caixa”, ou seja, ela criava recursos para crescer.

Isso faz com que os investidores paguem não pelo que a empresa lucra e distribui. Na bolsa, onde as ações da Amazon são negociadas diariamente, investidores atribuem um múltiplo para a empresa.

Como a Amazon reinveste para crescer, e tem taxas de crescimento elevada, investidores pagam até 140 vezes o seu lucro atual, na esperança de que em alguns anos, a empresa lucre e consiga distribuir bons resultados.

Com tamanha montanha de recursos criada pelos bancos centrais, os investidores esticaram os múltiplos, inflando o valor das empresas e o tal “patrimônio dos bilionários”.

Determinar o patrimônio a ser taxado é um desafio e tanto, mas este não é o único motivo pelo qual o Imposto de Grandes Fortunas tem sido abandonado no mundo.

Como o resto do mundo taxa os mais ricos?

 Até os anos 90, o imposto sobre patrimônio, ou grandes fortunas, era bastante comum. Segundo a OCDE, 12 países aplicavam o imposto.

No ano de 2017, porém, apenas 4 ainda cobravam este tipo de imposto.

O motivo para isso é uma questão de retorno. Ricos possuem mais incentivos para escapar de impostos, contratando bons contadores e criando empresas em locais mais amistosos.

Na França, que remodelou seu imposto em 2018, a estimativa é de que US$ 220 bilhões tenham saído do país, dando ao tributo o apelido de “imposto inglês”, por incentivar a migração de franceses para o país vizinho.

Na prática, o IGF respondia por 0,47% do PIB em arrecadação, menos de 1% do total arrecadado pela França.

Na Suíça, o imposto equivale a 0,16% do PIB em arrecadação, e é cobrado apenas em algumas regiões sobre cidadãos que possuem mais de US$ 50 milhões.

No Brasil, uma estimativa do Senado federal aponta que o imposto poderia arrecadar R$ 6 bilhões. Outra, feita pelo sindicato da receita, aponta que poderia arrecadar R$ 40 bilhões.

Pode parecer muito, mas o efeito diante de um orçamento com R$1,6 trilhão em gastos é irrisório. Se considerar a participação distribuída aos Estados, estaríamos falando aí de 2% do total de gastos.

Muito barulho por quase nada.

Há outros impostos, porém, que poderíamos rever. Um dos mais conhecidos é o imposto sobre dividendos, que tributa a distribuição de lucro.

Não é verdade, como dizem candidatos à presidência, que o Brasil não tribute o lucro. Cobramos, e muito, das empresas. Nosso imposto sobre lucro das empresas é o maior do planeta, em 34%, contra 26% dos Estados Unidos e 21% da Suécia por exemplo.

Ocorre que para cobrar impostos sobre dividendos, teríamos de reduzir o imposto sobre as empresas. A arrecadação não mudaria, mas isso teria um efeito positivo: com menos dinheiro saindo, as empresas teriam mais incentivos para crescer e investir. Se tornariam menos endividadas.

 Também nos Estados Unidos e na Europa, é bastante comum se cobrar impostos sobre herança, bastante elevados.

A grande questão é o “corte”. Nos EUA, o imposto sobre herança, que pode chegar a 40%, é cobrado para heranças acima de US$ 5 milhões, enquanto no Brasil, a taxa de 4 a 8% é cobrada a partir de R$ 200 mil.

O resultado é que arrecadamos quase o mesmo que os americanos, cerca de 0,16% do PIB, mas taxamos a classe média.

Há inúmeras maneiras de se elevar a tributação sobre os mais ricos, algo que é necessário, e aliviar a tributação dos mais pobres. O fato é que, se queremos fazer isso, o caminho passa por entender a consequência de cada escolha, e não agir impulsivamente.

Ricos são mais espertos e têm melhores incentivos que políticos. Eles irão escapar de boa parte das artimanhas criadas no Congresso, seja no Brasil ou na Suécia. É uma mera questão de incentivos.

Justamente por isso, podemos começar reduzindo os subsídios. Ou, em outras palavras, a grana que o Estado dá aos mais ricos.

É mais fácil e lógico diminuir a grana repassada a grandes empresas, do que cobrar impostos. Quando isto for feito, quando tivermos realmente pessoas dispostas a combater os subsídios, aí estaremos prontos para discutir mudanças na tributação.

Até lá, tudo o que temos é retórica política e sentimentalismo barato.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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