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Reformas devem incluir o alto escalão do setor público encastelado no Judiciário

Com um teto salarial de R$ 39 mil, valor pago aos ministros do STF, o Judiciário viu cada magistrado custar, em média, R$ 50,9 mil mensais no último ano - 22 vezes a média salarial dos demais brasileiros
Por  Felippe Hermes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

490 dias ininterruptos de trabalho – ou 22 meses, considerando que você queira curtir o final de semana – é o tempo necessário para que um brasileiro médio receba o mesmo que nosso Judiciário gasta com cada um de seus 26 mil juízes na ativa e aposentados: R$ 50,9 mil por mês.

A discrepância entre a renda média de um brasileiro médio e de um membro da elite do Judiciário brasileiro foge, de longe, ao padrão mundial.

Por aqui, na nossa Suprema Corte, os membros do STF (que recebem o teto de R$ 39 mil), ganham 16 vezes mais que a média da população, contra 4,5 dos seus colegas europeus.

Essa, porém, não é nenhuma novidade.

Isso apesar do feito histórico de 2019, quando o custo do Judiciário ultrapassou a marca de R$ 100 bilhões, o que, agregado ao custo do Ministério Público, faz o Judiciário brasileiro custar tanto quanto o Ministério da Educação.

O problema é antigo, e se soma a outra questão relevante no país: a renda média do brasileiro tem caído, dada a baixa produtividade.

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Em estudo publicado em agosto deste ano, o Instituto de Política Econômica Aplicada (IPEA) constatou que a renda média dos servidores públicos cresceu 23% nos últimos 30 anos, enquanto a renda dos trabalhadores privados caiu 4%.

Sim, quando consideramos a inflação, os trabalhadores da iniciativa privada recebem hoje menos do que em 1987, quando a pesquisa começou a ser feita.

Por ano, o ganho do funcionalismo foi de 0,7%. E qual foi o ganho no Judiciário? Lá, ele foi de 2%, quase três vezes mais.

Apenas nesta década, enquanto o trabalhador brasileiro ficou em média 0,2% menos produtivo e viu seu salário cair em termos reais, o Judiciário, em especial, contou com reajustes como os de 2016, na casa dos 40%.

Trata-se de um valor tão impactante que obrigou o governo a alterar o texto da PEC do Teto de Gastos que entraria em vigor em 2017.

Para acomodar os aumentos do Judiciário, ficou acordado que a PEC apenas se aplicaria a este poder e ao Legislativo, dois anos depois de sua aprovação.

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Durante este período, o Executivo (responsável pelos gastos com Previdência, saúde e educação, por exemplo) ficou encarregado de apertar o seu cinto e compensar a folga do Judiciário e do Legislativo.

Em 2020, quando o Teto começou a valer, os gastos do judiciário precisavam cair 2% em relação a 2019. Na prática, houve demissão de estagiários e cortes de despesas. Ainda que não se tenha um número conclusivo, dado que o ano não acabou.

É uma tarefa difícil, considerando-se que, em 2019, o mesmo judiciário concedeu 16,6% de reajuste aos juízes para “compensar” o fim do auxílio-moradia.

Ao que tudo indica, porém, a pressão para mudar o Teto de Gastos pode dar resultados: a desculpa de aumentar gastos sociais, a porteira para o Judiciário e Congresso pode ficar aberta.

Ainda assim, nosso Judiciário é campeão em demora para garantir uma solução aos processos, mesmo consumindo 1,5% de toda a riqueza do país (sem incluir aí o Ministério Público, que demanda outros 0,5%) todos os anos – contra 0,32% no vizinho Uruguai, 0,14% nos Estados Unidos e 0,15% na França.

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Temos o 30º judiciário mais lento entre 133 países, com uma média de 1.749 processos resolvidos anualmente por cada juiz.

A resolução de processos por juiz, entretanto, indica que o problema não está na produtividade dos magistrados.

Juízes italianos julgam em média 959 processos por ano, enquanto espanhóis julgam 689 e os portugueses, 347.

Há duas questões decorrentes deste número.

A primeira é que temos um número baixo de juízes.

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Pode parecer um contrassenso, afinal cada um deles custa R$ 50,9 mil mensais, além de um custo médio de R$ 4,5 milhões durante o período de aposentadoria. Mas, quando os comparamos com os demais países, o número fica evidente.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), temos 8,2 magistrados para cada 100 mil habitantes, contra 17,4 da média mundial.

Como um juiz custa caro, temos menos magistrados do que o necessário, sobrecarregando de trabalho os poucos que temos, resultando em uma Justiça mais lenta.

O pior dos mundos, enfim.

O segundo problema é o chamado “estoque de processos”. Somos, indiscutivelmente, um país burocrático.

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Segundo levantamento da banca de advogados Amaral Yazback,, nossas empresas respondem por 82% dos processos, sendo que as grandes empresas (grupo que corresponde a menos de 2 mil CNPJs com faturamento anual acima de R$ 300 milhões), são responsáveis por mais de 40% deles.

Tudo isso custa dinheiro para elas, é claro. No final das contas, os gastos somam R$ 156 bilhões por ano, comprometendo até 2,08% do faturamento anual, no caso de pequenas empresas, e 1,95%, no caso de grandes empresas.

Mas por que temos tantos processos?

Segundo o mesmo levantamento, cerca de 38% das ações são decorrentes da legislação trabalhista.

Ainda que o boato de que o Brasil seja responsável por mais de 90% dos processos trabalhistas do mundo trata-se de uma fake news (dado que em inúmeros países os casos trabalhistas são julgados como casos civis), esse é um problema cuja resolução já foi encaminhada com a reforma trabalhista.

Cabe destacar, entretanto, que cada processo na Justiça trabalhista custa, em média, R$ 1.700 ao governo, contra R$ 675 na Justiça Federal e R$ 498 na Justiça Estadual. Somando tudo, a Justiça do trabalho custa, sozinha, R$ 11 bilhões, valor similar ao que ela gera em indenizações aos trabalhadores.

A Reforma Trabalhista foi uma das responsáveis por reduzir o número de novos processos já em 2018. Naquele ano, o Judiciário recebeu 28,1 milhões de processos, contra 31,9 milhões julgados.

Há um outro problema, porém: os processos envolvendo impostos.

Nada menos do que R$ 5 trilhões estão em disputa na Justiça brasileira. O valor equivale a 70% da riqueza produzida em um ano no Brasil, e diz respeito a discordâncias sobre impostos devidos. Nosso sistema tributário é complexo e incita inúmeras dúvidas.

São mais de 300 mil normas, das quais 92% não são mais válidas. Na ponta do lápis, esse labirinto tributário custa R$ 100 bilhões para as empresas, além de 2.600 horas apenas para pagar impostos.

Tudo isso somado faz com que 51% dos processos brasileiros tenham o Estado (União, estados e municípios) como membro envolvido.

Por fim, não há dúvidas de que o nosso judiciário foge do bom senso em gastos. Não há dúvidas também que é completamente abjeto o fato de promotores que recebem salários acima de R$ 40 mil mensais, ainda recebam ainda brindes, como os celulares adquiridos pelo TJ-MT (ao custo de R$ 2,2 milhões), ou auxílios diversos (isso sem contar as famosas lagostas do STF, que, ao contrário do que menciona o Presidente da República, não se trata apenas de “quem pode come lagosta”.)

É preciso encarar o problema da Justiça no Brasil como fazemos com todas as questões: realizando um debate público e propondo e discutindo reformas.

Não há qualquer razão para que as reformas digam respeito apenas ao Executivo.

Uma Reforma Administrativa precisa, inclusive pelo exemplo que seria dado à sociedade, incluir o alto escalão do setor público, encastelado no Judiciário e Legislativo.

Caso contrário, continuaremos presos a uma realidade diferente daquela na qual habitam os membros da elite do Judiciário. Uma realidade cada vez mais dura e injusta para milhões de brasileiros.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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